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Curso de DIREITO 2006/2007 - Universidade Internacional


Exames
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Dto das Obrigações -1

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Duas acepções:
1- Ramo do direito objectivo (objecto: regular a relação obrigacional/de crédito);
2- Disciplina jurídica (visa expor de uma forma cientifica/ordenada os diversos elementos
que resultam das normas reguladoras das relações de crédito).
Procura-se, através da construção dogmática, a melhor arrumação conceitual das relações
de crédito.
Fontes de obrigações
- principais: contratos, responsabilidade civil, gestão de negócios, enriquecimento
sem causa, negócios jurídicos unilaterais)
Modalidades das obrigações
- quanto ao vínculo:
o obrigações civis;
o obrigações naturais.
- quanto ao sujeito:
o singulares;
o plurais:
 conjuntas;
 solidárias.
- quanto ao objecto:
o divisíveis/indivisíveis;
o genéricas/específicas;
o de juro;
o indemnização.
Transmissão de obrigações
- por cessão;
- por sub-rogação;
- assunção (da dívida);
- de posição contratual (cessão).
Garantias das obrigações
Meios de conservação da garantia patrimonial
Contratos em especial
- civis;
- comerciais
Importância do estudo
As obrigações regulam todo o tráfego jurídico destinado à satisfação de necessidades
(circulação de coisas, serviços, a reparação de danos).
As obrigações (regulam a circulação de bens e a prestação de serviços através de
contratos) juntamente com os direitos reais (visam essencialmente a estática) formam o Direito
Civil Patrimonial.
As normas das obrigações têm natureza supletiva: visam suprir a falta de regulamentação
das partes (“lacunas de omissão”). Estas normas consagram em equilíbrio de interesses
criado pelo legislador e que foi por ele considerado o mais adequado naquele particular conflito
de interesses.
Há, no entanto, um conjunto de normas imperativas que não podem ser afastadas,
nomeadamente com vista a tutelar interesses de ordem superior (ex.: protecção da parte mais
fraca). Estas normas aumentaram, nomeadamente, por causa da defesa dos direitos do consumidor.
Os conflitos de interesses, ao serem estáveis ao longo do tempo, justificam a estabilidade
temporal do Direito das Obrigações.
Verificou-se uma alteração, sobretudo depois da 2ª Guerra Mundial, tendo sido modificados
alguns dos quadros da disciplina, nomeadamente, a consagração em termos amplos do
princípio da boa fé, protecção da parte mais fraca e, em particular, a protecção do consumidor
(cláusulas contratuais gerais, responsabilidade do produtor, etc.).
Actualmente, a tutela do consumidor tem sido feito pelo Direito Comunitário.
Verifica-se uma estabilidade das obrigações em relação a outros ramos do Direito, no
que diz respeito à localização geográfica. Variam pouco com a variação do lugar.
Obrigações do Direito Civil
Devemos fazer uma divisão entre as obrigações e os direitos reais (aqui a divisão obedece
a um critério estrutural), e a família e as sucessões (existindo aqui um critério funcional
assente no nexo teleológico que une o conjunto de relações).
Obrigação: relação da vida social tutelada pelo Direito através da atribuição a um sujeito
de um direito subjectivo e imposição a outro de um dever com vista à satisfação dos interesses
do credor. O credor e o devedor são sujeitos determinados.
Dever (dever de realizar uma prestação), ónus (necessidade de adoptar um comportamento
para adquirir uma vantagem ou não acartar com uma desvantagem), estado de sujeição
(situação em que se encontra a contraparte de um titular de um direito potestativo, produzindose
na esfera jurídica da contraparte determinados efeitos jurídicos que se lhe impõem inevitavelmente)
devem distinguir-se.
Fala-se também em obrigação passiva universal: recai sobre aqueles que sejam as
contrapartes de um titular de um direito real/absoluto.
Este distingue-se do dever na medida em que, na primeira, o titular de um direito real
está em relação com um conjunto indeterminado de sujeitos passivos.
Por outro lado, no dever, os titulares estão determinados.
A prestação do devedor na obrigação é específica. Já na obrigação passiva universal,
o conduta/prestação é genérica e não perturba o exercício de direitos correspondentes ao conteúdo
do direito.
Assim, a relação obrigacional é composta por:
- relações entre pessoas determinadas;
- conteúdo específico.
Em rigor, podemos afirmar que: a obrigação é um vínculo que une o devedor e o credor
(397º).
Obrigações autónomas: estabelecem-se entre as partes que não estavam unidas por
uma relação anterior.
Obrigações não autónomas: nascem de um nexo anterior que já ligava as partes (ex.:
A e B são comproprietários e contribuem na proporção da sua quota; A é filho de B, relação de
alimentos que surge da prévia relação familiar).
397º - as obrigações não autónomas não têm tratamento especial. Vale o regime geral.
Pode, no entanto, haver particularidades no regime destas.
A própria ligação com uma relação anterior pode levar, por via interpretativa ou disposição
expressa do legislador, ao estabelecimento de regime específico. Ex. alimentos -> não é
cedível, ao contrário do regime geral; não é renunciável, ao contrário do regime geral; pode ser
alterado, ao contrário do regime geral que se baseia no princípio pacta sunt servanda.

A diferença entre obrigações e direitos reais
Quanto aos efeitos
Direitos reais: são direitos absolutos (impõem-se erga omnes);
Obrigações: são direitos relativos.
Nas obrigações há simplesmente um direito a uma prestação. O credor pode exigir do
devedor a realização da prestação. Contudo, mesmo nestes casos, há um simples direito à
coisa em dívida e não sobre a coisa.
Nos direitos reais (de gozo) há a concessão de um poder directo e imediato sobre a
coisa, isto é, o seu titular pode directamente, sem necessidade de colaboração de outrem, retirar
utilidades da coisa.
Regra da tipicidade
Nos direitos reais: há tipicidade e têm o conteúdo determinado por lei (1306º);
Nas obrigações: não há tipicidade. O conteúdo é livremente fixado pelas partes (398º
nº 2).
Características dos direitos reais. Preferência e sequela
Preferência
O direito real prevalece sobre todas as situações posteriormente constituídas sobre
aquela coisa, sem o concurso da vontade do seu titular, se a conciliação não for possível.
Os direitos reais prevalecem sobre os obrigacionais, nomeadamente sobre os direitos
pessoais de gozo, mesmo anteriormente constituídos, pois são mais fracos. A excepção é o
direito do locatário.
(os direitos pessoais de gozo são obrigações mas a “meio caminho” dos reais. Conferem
a posse objectiva (detenção) de uma determinada coisa. São sacrificados se se constituírem
direitos reais.)
Um direito real posterior não prejudica o já existente, a não ser que haja concurso (ex.:
A é dono de imóvel e constitui hipoteca a favor de B. Mais tarde, constitui hipoteca sobre o
mesmo imóvel mas a favo de C. Prevalece a 1ª hipoteca). Prevalece a 1ª registada.
Privilégios imobiliários especiais
São garantias (em sentido amplo) pois concedem ao seu titular o direito de se satisfazer
com preferência sobre certos bens imóveis. São atribuídos pela lei atendendo à causa do
crédito e não estão sujeitos a registo (estão previstos no 751º).
Prevalecem sobre as hipotecas, mesmo tendo sido previamente constituídas.
O princípio da preferência não é só para direitos reais mas também para direitos pessoais
de gozo (407º). Prevalece o 1º direito constituído (ex.: A arrenda a B e depois a C. Prevalece
o direito de B).
Sequela
O titular do direito real pode fazê-lo valer, quer o objecto desse direito esteja no domínio
material ou jurídico de outrem (ex.: A é dono de um caderno. Furtam o caderno. Quem furta
vende a C. A ainda é o titular do caderno).
Relatividade das obrigações
A regra é a de que: o credor só pode pedir o cumprimento da obrigação ao devedor.
Há, todavia, quem identifique eficácia externa. Assim, o direito de crédito será também
oponível a terceiros (“eficácia externa das obrigações”).
Relativamente a este tema fala-se em:
1-“ataque ao substrato do crédito”
O terceiro, actuando ilicitamente contra a pessoa do devedor ou objecto da relação,
gera impossibilidade de realização da prestação.
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2-“ataque ao crédito em si”
A celebra com B um contrato incompatível, com uma obrigação pré-existente, ou induz
o credor a não cumprir, facilitando o incumprimento (o caso mais importante). Ex.: A vai cantar
a X, contratando tal com B. C oferece mais para A ir cantar a Y.
Será possível responsabilizar o terceiro pela violação do crédito?
A doutrina de Lisboa (GALVÃO TELLES e MENEZES CORDEIRO) defende que o 483º
não tutela unicamente direitos absolutos quando o âmbito da licitude não é só de um direito
absoluto mas também de um direito relativo.
O terceiro deve respeitar o direito de crédito, não colaborando no seu incumprimento.
A doutrina alemã e de Coimbra opõem-se à eficácia externa. O crédito não é oponível a
terceiros, mas sim apenas ao devedor. Mas, com diversas opções, permite responsabilizar
terceiros, ao abrigo do abuso de direito. Também das regras da concorrência desleal, ou das
regras penais.
Ex.: havia preferência na transmissão do lote de acções que dava o controle de um
jornal. Um terceiro, que sabia disto, celebrou um contrato de aquisição das acções que dava o
controle da sociedade, sabendo que o devedor não tinha concedido preferência ao titular deste
direito.
Este caso foi muito discutido e houve 2 acórdãos: 1º- sancionava o terceiro; 2º- veio
afirmar a inexistência da eficácia externa das obrigações.
Embora não haja eficácia externa, neste caso, a actuação do terceiro tinha revestido
tais características, que se podia invocar abuso de direito. O terceiro conhecia o vínculo. Sabia
que o devedor não tinha interesse na violação do contrato. E, sabendo disto tudo, celebrou o
contrato.
Doutrina
Antunes Varela: entende que não há eficácia externa e que a actuação do terceiro, só
em determinados casos, à luz da boa fé e dos bons costumes, seria possível sancionar.
Vaz Serra: neste caso poderia aplicar-se a regra do abuso de direito, que seria alargável
às faculdades de contratar. Para o terceiro ter agido em abuso de direito tinha que: conhecer
os factos; agir com fraude.
Ribeiro Faria:
1º- do prisma do direito constituído não haverá grande espaço para defender a eficácia
externa (ex.: 406º nº2. o contrato só produz efeitos para terceiros se a lei o disser). 495º n.º3: o
lesante é obrigado a indemnizar aqueles a quem o lesado prestava alimentos.
2º- só em casos de particularmente chocantes se podia recorrer ao abuso de direito
como forma de sancionar terceiros: quando o terceiro tivesse intenção de prejudicar o credor; e
quando o terceiro tivesse a consciência clara do prejuízo que a sua acção causa no credor.
Função das obrigações
A obrigação não constitui um fim em si mesma mas sim um meio de satisfação do interesse
do credor. Para esse efeito é imposto um sacrifício ao devedor uma vez que ele terá que
realizar uma prestação que propicia o interesse. O interesse é qualquer coisa.
Interesse: tudo aquilo que está entre o sujeito e os bens (inter-esse) e é constituído por
3 elementos:
1 – existência de bens;
2 – existência de necessidades;
3 – desejo de obter esses bens para a satisfação de necessidades.
O interesse do credor não faz parte da estrutura da obrigação, mas marca-lhe o regime.
Nos contratos bilaterais, a não realização da prestação pelo devedor, permite que a contraparte
recorra à excepção do não cumprimento do contrato, ou a resolver o contrato.
A lei admite, em termos amplos, a realização da prestação por terceiros. São também
admitidas, em termos muitos amplos, causas de extinção da obrigação para além do cumprimento.
Ex.: dação em pagamento (pagamento em géneros); compensação.
O interesse do credor é ainda importante na distinção entre as prestações fungíveis (as
que podem ser realizadas por terceiros) e as infungíveis (só realizáveis por aquele devedor).
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Em que termos, o interesse do credor provoca a extinção da obrigação? Em que medida
a perda de interesse do credor em relação àquela prestação, leva à extinção da obrigação?
Isto está relacionado com usos alternativos para a prestação.
1- Há casos em que objectivamente não há um outro uso alternativo para a prestação.
Nesses casos ela perde o interesse. (ex.: A obriga-se a opera B para retirar pedra dos rins.
Antes da operação a pedra desfaz-se. A satisfação do credor já se conseguiu).
2- Noutros casos, não é possível determinar objectivamente se há ou não um uso alternativo
para a prestação. Depende do chamado “programa subjectivo do credor”.
793º - quando há impossibilidade parcial de prestação o credor pode resolver o contrato
desde que demonstre que, justificadamente, perdeu o seu interesse. Para aquela situação
não há outro uso que ele possa dar àquela prestação (ex.: um serviço de chá que se parte,
parcialmente, isto é, algumas peças, numa viagem. Para o credor não há qualquer uso que
possa dar ao serviço incompleto. De nada lhe serve se lhe faltar, por exemplo, o bule).
802º - se a impossibilidade parcial for imputada ao devedor, aí, mesmo que o credor
possa dar um uso alternativo à prestação, ainda assim, porque há culpa do devedor, ele pode
resolver o contrato.
O direito de crédito constitui um elemento no património do credor. IMPORTÂNCIA
SUPERIOR.
Considerações gerais
A consistência do direito de crédito está dependente, quer do património e da própria
honorabilidade do devedor, quer da existência de garantias que protejam o crédito.
O crédito é o objecto do tráfego económico; poder de exposição sobre o crédito do
titular do crédito. O credor tem, portanto, o poder de: venda do crédito, empenhamento do crédito
(penhor do crédito), oneração do crédito.
É possível transmitir créditos bem como dívidas, desde que, com o acordo do credor.
No nosso CC é possível/admissível a cessão da posição contratual (424º).
Estrutura das obrigações
Este tema refere-se aos elementos das obrigações que são: os sujeitos (o credor e o
devedor), o objecto (a prestação) e o vínculo jurídico (nexo ideal que liga o poder do credor ao
dever do devedor).
Fala-se ainda no facto jurídico. Este desencadeia a constituição da relação obrigacional,
não fazendo, todavia, parte de obrigação. Tem influencia, apenas, na determinação do
conteúdo da obrigação, não fazendo parte dela.
SUJEITOS
Credor: titular do direito de crédito e também do interesse, patrimonial ou ideal, a cuja
satisfação se dirige a obrigação. O credor tem sobre o seu direito, o poder de disposição, isto
é, pode exigir ou não o seu cumprimento; pode acabar ou não com o crédito.
Devedor: pessoa sobre a qual recai o dever de realizar a prestação sob pena de sobre
ele recaírem também as medidas que sancionam o respeito desse dever. A sua pessoa tem
que estar sempre determinada. O credor pode ainda não estar determinado no momento da
constituição da obrigação (sujeito activo indeterminado). Tem é que ser determinável.
A sua determinação pode ser feita de duas formas: 1-facto futuro incerto (ex.: promessa
pública); 2-ligaçao entre a titularidade de um crédito e a titularidade de um direito real (“título
ao portador”) (ex.: bilhete de cinema).
Existirá uma verdadeira obrigação quando há um credor indeterminado?
Enquanto não há determinação do credor, há apenas um puro estado de vinculação
de bens.
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OBJECTO
O objecto é a prestação, isto é: o comportamento positivo ou negativo a que o devedor
está adstrito por forma a satisfazer o interesse do credor.
Nas obrigações por objecto de prestação de coisa, têm ainda o objecto mediato (a coisa
devida).
Modalidades das prestações
Aqui surgem-nos prestações quanto ao objecto, quanto ao tempo e quanto ao carácter
fungível/infungível.
Quanto ao objecto
- Prestações de facto -
o prestações de facto positivo (facere)
 prestações materiais – elaborar um parecer; fazer uma obra;
 prestações jurídicas – mandato; celebração de 1 contrato prometido.
o prestações de facto negativo (non facere)
 o devedor obriga-se a omitir um determinado comportamento;
 pati, tolerância: o devedor tolera um determinado comportamento
do credor (ex.: obrigação de não concorrência; obrigação de tolerar).
o prestações de facto de terceiro: alguém se compromete a dizer que um terceiro
irá cumprir uma determinada prestação. Estas promessas são válidas
ao abrigo do princípio da liberdade contratual. Todavia, não vinculam o terceiro.
Estas prestações de facto de terceiro podem dividir-se de acordo com o seu conteúdo e
alcance em três modalidades:
Obrigações de meios
O devedor obriga-se, no fundo, a um facto próprio, isto é, a desenvolver um determinado
esforço para levar o terceiro a realizar a prestação (A obriga-se a tentar convencer B a celebrar
uma contrato com C).
Obrigações de resultado
O devedor responsabiliza-se se o terceiro não quiser realizar o dito facto mas já não, se
o terceiro não puder realizar esse facto.
Obrigações de garantia
O devedor responde sempre face ao credor quer o terceiro não possa ou não queira.
- Prestações de coisa -
Têm sempre um objecto e dividem-se em obrigações de entrega, obrigações de restituição
e obrigações de dare.
Obrigações de dare: o sujeito, ao entregar a coisa, transmite a propriedade da coisa.
Obrigações de entrega: a propriedade já se transmitiu, cabendo ao devedor apenas a
entrega (A vende a B um automóvel. 1- transmite-se a propriedade (efeito real); 2- obrigação
de entregar o automóvel (efeito obrigacional); 3- pagar o preço (efeito obrigacional)).
Obrigações de restituição: consistem em transmitir a posse objectiva de volta ao seu
titular (A empresta (comodato) a B o automóvel. B terá que o restituir a A).
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- Prestações de coisa futura -
Aquelas que não estão em poder do disponente ou não existem ao tempo da declaração.
Relativamente à venda de coisa futura, o seu regime (880º) depende dos termos contratualmente
acordados. Existem duas variações:
- o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador
adquira os bens vendidos (obrigação de diligência).
- se os bens perecem? Se a prestação se tornar impossível por facto não imputável
ao vendedor? – neste caso verifica-se uma extinção da prestação com a consequente
extinção da obrigação ou, regime de impossibilidade parcial (793º). A contraparte
fica desobrigada (795º n.º1) do pagamento do preço.
Isto é assim se as partes não tiverem conferido ao contrato um carácter aleatório. Nesse
caso, se o comprador assumir o risco, na eventualidade de impossibilidade não imputável
ao vendedor, ele terá sempre que pagar o preço.
Quanto ao tempo (Modalidades das prestações debitórias)
Prestações instantâneas: aquelas cujo cumprimento se faz de uma só vez; num só
momento (ex.: entregar uma coisa; pagar um preço).
Prestações duradouras: aquelas que se prolongam no tempo, dependendo a sua
extensão ou montante das mesmas, dos limites temporais por que duram.
As prestações duradouras podem ser:
De execução continuada: são aquelas que consistem num comportamento ininterrupto
ao longo o tempo (ex.: obrigação de não concorrência; obrigação de fornecimento de agua,
electricidade) .
Reiteradas: são aquelas que se sucedem no tempo. Podem ser periódicas (se sucederem
no tempo em intervalos regulares. Ex.: rendas) ou não periódicas (se sucederem no
tempo em intervalos não regulares)
É necessário distinguir a prestação global, que tem um carácter unitário, das diferentes
prestações instantâneas que dela se vão destacando. Ex.: rendas são constituídas por: 1-
obrigação de pagar as rendas; 2- as rendas que se vão constituindo ao longo do tempo.
307º - prescrição da obrigação global.
310º - prescrição das obrigações instantâneas.
Prestações fraccionadas: prolongam-se no tempo, contudo, não é conformada pelo
tempo. O seu cumprimento é que é repartido pelo tempo (ex.: venda a prestações. O preço já
está fixado. O pagamento é que se prolonga).
Regime
Prestações duradouras
A aluga carro a B. É furtado. Locatário terá que pagar as restantes rendas? Não. Só as
vencidas. A prestação é duradoura.
Prestações instantâneas
A compra carro de B. O carro é furtado. A terá que pagar? Não porque a obrigação de
entregar é impossível.
Prestações reiteradas e fraccionadas
Nesta situação há que fazer a distinção do regime tendo em atenção duas figuras: benefício
do prezo e efeitos da resolução.
Benefício do prazo
Numa prestação fraccionada (ex.:venda a prestações) se não for paga uma das prestações
o credor (781º) poderá exigir de imediato o pagamento das restantes porque o devedor
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perde em relação a essas o benefício do prazo. Há, no entanto, um regime especial, de tutela
do devedor para a venda a prestações com entrega da coisa: para se verificar a perda do
benefício do prazo é necessário que o devedor tenha deixado de cumprir mais do que uma
prestação ou que a prestação em dívida exceda 1/8 do preço.
Numa prestação reiterada, o não pagamento de uma prestação não da ao credor o
direito de exigir de imediato as restantes prestações.
Efeitos da resolução
Tratando-se de prestações fraccionadas a resolução do contrato tem efeitos retroactivos:
têm que ser restituídas as prestações já realizadas.
Numa prestação reiterada a resolução não atinge as prestações já realizadas (434º
n.º1 e 2)
As prestações duradouras são distintas das instantâneas. Estas implicam, para a sua
realização que sejam praticados determinados actos prévios. Ex.: empreitada. A prestação do
empreiteiro é uma prestação instantânea: entrega da coisa. Mas, claro que para entregar a
obra, ele tem que a fazer previamente. O empreiteiro age com autonomia. O dono da obra
pode fiscalizar a obra mas não pode dar ordens. Depois, o que pode fazer é recusar a obra.
As prestações duradouras são particularmente aptas a limitar a liberdade das partes.
Elas ficam vinculadas durante um determinado período de tempo. Entende-se que nos contratos
por tempo indeterminado, qualquer das partes deve ter direito de denúncia com pré-aviso.
Tem efeitos ex nunc.
Estas relações implicam/assentam numa relação de confiança acrescida entre as partes
e de colaboração mútua. Consequentemente admite-se que nestes casos as partes possam
também resolver o contrato com fundamento em justa causa, isto é, sempre que atendendo
a tipo de relação contratual, aos interesses envolvidos, não seja exigível a uma delas, a
continuação da relação.
Modalidades das prestações debitórias quanto ao carácter fungível / infungível
Prestações infungíveis: são aquelas que por sua natureza ou acordo das partes, a
prestação só pode ser realizada por aquele devedor (ex.: uma pintura).
Prestações fungíveis: ou por acordo das partes ou pela sua natureza, podem ser
realizadas por outrem.
As partes podem acordar quanto a isto. Quando não acordam, a possibilidade do devedor
/ credor ser substituído, decorre dos usos da vida.
Fala-se ainda em fungibilidade relativa: a prestação pode ser realizada pelo devedor
ou por um círculo delimitado de terceiros.
Sempre que a prestação for fungível, a lei permite que ela seja realizada por terceiro
(767º º2). O credor, em princípio, não a pode recusar. Só pode recusar a prestação quando
a substituição o prejudique.
Regime
I
) nos casos de prestação de facto fungível, em caso de incumprimento por parte do
devedor, o credor tem um instrumento de tutela executiva a que pode recorrer à execução
específica dessa prestação, lançando uma “acção para prestação de facto
positivo”: o credor pode obter a realização da prestação através de um terceiro à custa
do devedor.
Nos casos de prestação de facto infungível não há tutela. Não se pode enviar um
terceiro. Só o devedor a pode realizar. 829º-A: pode recorrer à sanção pecuniária compulsória.
II) se o devedor estiver impossibilitado de realizar a prestação (impossibilidade subjectiva),
tratando-se de uma prestação infungível, se a impossibilidade for definitiva, a situação
é igual a uma impossibilidade objectiva, com a extinção da obrigação.
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No caso de ser uma prestação fungível, a impossibilidade subjectiva não tem as consequências
anteriores. O devedor mantém-se obrigado e deverá nomear um terceiro
que cumpre. Se não o fizer, apesar de o poder fazer, entra em mora (incumprimento
culposo).
Mesmo nas prestações infungíveis, o devedor pode recorrer a auxiliares para o cumprimento
da obrigação.
Patrimonabilidade da obrigação
Doutrina tradicional
Entendia que a prestação tinha que ter valor patrimonial. Devia ser susceptível de
avaliação pecuniária. Havia autores que achavam não ser necessária a patriamonabilidade da
prestação, mas do interesse do credor.
As prestações não pecuniárias dariam lugar a danos morais, quando não fossem cumpridas.
E os danos morais não podiam sequer ser compensados.
Código de Seabra
PEREIRA COELHO: entendia que nem sequer era necessário a patrimonabilidade do
interesse (nem da prestação, nem do interesse). Bastava, no caso do interesse, que se tratasse
de um interesse digno de protecção legal.
Ex.: um vizinho toca piano. Perturba o sossego. O obriga-se o vizinho a não tocar ou se
quiser, a pagar para tal. A prestação não tem valor pecuniário. O interesse do credor também
não é patrimonial.
Esta obrigação, em ambos os casos, goza de tutela. A sua posição é importante porque
foi até consagrada (398º n.º2).
Distinção do carácter patrimonial do interesse e do carácter patrimonial
da prestação
- um artista dá um espectáculo. Um sujeito que compra um ingresso tem um interesse
ideal (e não económico) mas a prestação tem valor patrimonial (daí o preço).
- A toca piano mas não é pianista. Obriga-se face ao seu vizinho a não tocar para
este fazer a sesta. Interesse ideal (1) e prestação que não tem valor patrimonial/
económico (2). (em regra a prestação tem valor económico).
VÍNCULO JURÍDICO
É o nexo que liga o direito do credor ao dever do devedor. A relação entre os poderes
do credor e os correspondentes deveres do devedor formam o vínculo jurídico que é o núcleo
da obrigação.
O vínculo é jurídico porque goza da tutela do direito. Tutela: é o conjunto de medidas
de natureza coercitiva que visam assegurar na prática a realização do vínculo obrigacional.
A deve a B 1000. Se a obrigação não tiver prazo é necessário a interpelação do credor
ao devedor. Se o devedor não cumprir, há a acção creditória que propicia a realização
judicial do direito. Dentro da acção creditória (que tem dois momentos: fase declarativa e executiva)
são penhorados bens do devedor que serão alienados, e com o produto dessa venda, o
credor será pago.
O vínculo pressupõe o direito do credor e o dever do devedor.
Direito do credor: a não realização da prestação consiste num ilícito. Como meio de
defesa, o credor pode recorrer à acção creditória ou recorrer à excepção do não cumprimento
do contrato e, em determinados casos, resolver o contrato.
Dever do devedor: comportamento a que o devedor está vinculado com vista à satisfação
do interesse do credor.
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Distinção entre obrigação simples e obrigação complexa
Obrigação simples: é aquela que vem referida no 397º.
Obrigação complexa: é uma visão global do conjunto de direitos e outras situações
jurídicas activas ou passivas que um determinado facto jurídico, em regra um contrato, cria.
RIBEIRO FARIA: é o conjunto de direitos e deveres (e outras situações jurídicas) que
promanam de um certo facto jurídico (em regra, contrato) e são as relações mais ricas em termos
de conteúdo.
Deveres
- deveres principais de prestação;
- deveres secundários de prestação;
o acessórios da prestação principal;
o com prestação autónoma;
 substitutos;
 complementares (da prestação inicial);
- deveres laterais;
o 227º (fase pré-contratual);
o 762º n.º2.
Deveres principais da prestação (caracterizam a relação obrigacional)
No âmbito dos contratos são estes que permitem qualificar os contratos (ex.: na compra
e venda, a obrigação de pagar o preço).
Deveres secundários
São acessórios da prestação principal: os deveres de prestação necessários para
um correcto e total cumprimento da prestação principal. Decorrem, ou da Lei ou do contrato,
apurando-se sempre face às circunstâncias do caso concreto (ex.: compra e venda de um carro.
Não basta apenas a entrega do carro. Tem que se entregar também os documentos. Sem
eles o comprador não pode andar). Estes deveres estão incluídos no sinalagma. É possível o
recurso à excepção do não cumprimento, quer à resolução do contrato.
Os deveres com prestação autónoma: ex.: indemnização por impossibilidade de
prestação, imputável ao devedor. Estes deveres podem ser complementares (ex.: A diz que
vai entregar a B 1000 em determinada data. Não cumpre, incorre em mora. Tem que pagar os
1000 mais juros de mora. Daí a sua complementaridade).
Deveres laterais (estão ao serviço do fim do contrato e não da prestação principal)
São os também chamados deveres acessórios de conduta que têm base na boa fé.
Aplica-se o 227º (fase pré-contratual), 762º n.º2 (fase contratual e pós-contratual).
Têm uma função positiva (está ligada à manutenção da relação de confiança entre as
partes e à total realização do interesse do credor. Ex.: deveres de informação e de lealdade) e
uma função negativa (visa evitar que o credor, no seio da relação obrigacional, sofra danos
pessoais ou patrimoniais).
Fase pré-contratual – ex.: A entra numa loja para comprar roupa. Dentro da loja cailhe
um caixote que lhe provoca danos físicos – incumprimento de um dever de protecção do
dono da loja).
Fase contratual – ex.: o vendedor não informa o comprador de uma carro de uma
particularidade da caixa. Ao não saber disto, o comprador destrói a caixa – falta de dever de
informação).
Fase pós-contratual – ex.: um empregado que trabalhou numa empresa e que conheceu
os segredos de fabrico, tem a obrigação de boa fé, pós-contratual de não revelar os segredos).
Ainda no âmbito dos deveres laterais podemos falar em deveres de protecção, de lealdade
e de informação. Tal distinção foi criada por MENEZES CORDEIRO.
Os deveres laterais são particularmente intensos numa relação duradoura atendendo
a uma relação mais estreita de confiança e de colaboração recíproca entre as partes.
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A sua violação tem uma gravidade maior pois pode pôr em causa a relação de confiança
e de colaboração. Se a violação inviabiliza a continuação da relação contratual, a outra
parte pode resolver o contrato.
227º - os deveres laterais têm importância na relação pré-contratual, na negociação, na
fase decisória, na emissão das declarações negociais.
Na fase pré-contratual só existem deveres laterais e nunca os deveres principais. São
importantes, por exemplo, os deveres de informação.
Outra característica dos deveres laterais é a sua capacidade de extensão a terceiros
mesmo não existindo contrato. É o exemplo da senhora que vai a uma loja de roupa para
comprar uma coisa e lá dentro um empregado deixa cair, em cima do filho do eventual comprador,
um caixote. Os deveres de protecção da loja devem estender-se também às pessoas
que acompanham o eventual contratante (fase pré-contratual).
Fase contratual: A arrenda a B um fracção de um imóvel. Conserta, entretanto, deficientemente
o elevador e a mulher de B sofre um acidente no elevador. O inquilino é B, todavia,
a sua mulher também é abrangida pela protecção.
Para ser protegido:
1- o terceiro tem que ser cognoscível para aquele sobre quem recaem os direitos
de protecção;
2- é necessário pode afirmar-se que o credor confia tanto na segurança dessas
pessoas como na sua.
483º - os seus requisitos também têm que estar preenchidos, referindo-se estes à responsabilidade
extracontratual.
Os deveres laterais e a responsabilidade daí decorrente conferem ao credor uma vantagem
relativamente à responsabilidade extracontratual. Sobre o devedor recai logo presunção
de culpa (799º), ao contrário do que se passa na responsabilidade extracontratual.
(Fim da matéria relativa à relação obrigacional complexa)
GARANTIA
É o conjunto de medidas que o ordenamento jurídico coloca à disposição do credor
com vista à satisfação do seu direito.
Ex.: acção creditória: serve a realização coercitiva, quando isso seja possível, da
prestação do devedor.
Ex.: indemnização pelo prejuízo que o incumprimento acarreta.
Fontes das obrigações
É o facto gerador do vínculo obrigacional. Ex.: compra e venda (a obrigação de pagar e
a obrigação de entregar a coisa. A fonte está no contrato)
O CC faz uma enumeração das fontes: contratos, responsabilidade civil, gestão de
negócios, enriquecimento sem causa, negócios jurídicos unilaterais (apenas em casos específicos).
De fora ficam as obrigações com fonte em relações familiares ou reais, que decorrem
de factos lícitos, que decorrem da responsabilidade pré-contratual (deveres laterais de conduta).
CONTRATOS
É o meio, por excelência, de: colaboração entre as pessoas; prestação de serviços;
realização de trocas.
No séc. XIX deu-se uma importância excessiva ao contrato esquecendo-se a desigualdade
de facto entra as partes. No séc. XX, chegou a falar-se na morte do contrato nomeadamente
pela ingerência dos entes públicos na contratação.
Hoje em dia, ninguém nega a importância central do contrato como forma de criação
de relações jurídicas de conteúdo composto pelas partes. Há um constante aumento dos
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tipos contratuais ligados, essencialmente, à sofisticação da vida económica (leasing, franchising,
merchandising).
VARELA: afirma que o contrato é um acordo vinculativo assente em 2 ou mais declarações
de vontade contrapostas mas harmonizáveis que visam estabelecer uma composição
unitária de interesses.
Existe liberdade de celebrar ou não celebrar o contrato e a liberdade de fixar o
conteúdo do contrato (405º).
As partes podem celebrar contratos:
- típicos;
- atípicos;
- mistos (que são a fusão de contratos típicos com atípicos);
- típicos mas com as cláusulas que bem entenderem.
Depois de celebrado o contrato:
- surge a responsabilidade contratual;
- tem que ser pontualmente cumprido (406º n.º1);
- não pode ser alterado/modificado, a não ser por acordo das partes ou disposição
legal (406º n.º1);
- só produz efeitos entre as partes (406º n.º2).
Restrições à liberdade contratual
Restrição à liberdade de celebração
- em certos casos as partes são obrigadas a concluir um contrato porque a isso se
vincularam (ex.: contrato promessa prévio);
- “contratos ditados”: em certos casos o juiz pode dar por celebrado um contrato
cujo conteúdo ele estabelece (ex.: divórcios em que o juiz dá como celebrado um
contrato de arrendamento de um imóvel de um cônjuge ao outro, depois do dito divórcio);
- um sujeito tem a exclusividade da produção de certos bens ou serviços. Tratandose
de bens essenciais, esse sujeito terá que os colocar à disposição de qualquer
pessoa desde que esta satisfaça algumas condições.
- um sujeito tem uma determinada profissão e é obrigado a contratar (ex.: médico,
advogado [defesas oficiosas]);
- um sujeito não pode contratar com algumas pessoas;
o não se pode contratar com certas pessoas. Por vezes a celebração depende
do consentimento de outra pessoa (ex.: venda entre filhos e netos
[875º]);
- um sujeito, tendo celebrado um contrato, não pode fazer cessar esse contrato ou
então é dispensado o seu consentimento para a transmissão da posição contratual
de um terceiro. Ex.: arrendamento: contrato celebrado por um determinado período
de tempo. Depois (1054º) o contrato renova-se automaticamente. O inquilino (no
arrendamento urbano) pode denunciar o contrato. O senhorio não pode (68º) salvo
regimes especiais previstos na Lei. Noutros casos o senhorio tem que se sujeitar
à transmissão, pelo inquilino como arrendatário, sem que seja necessário o seu
consentimento. Divórcio (84º e 85º RAU); morte; trespasse (115º RAU).
- um sujeito para contratar, tendo em conta que está casado num dos regimes de
comunhão, necessita do consentimento do outro cônjuge para alienar certos bens
(imóveis 1602º-A).
Restrições à liberdade de fixação do contrato
- sempre que os contratos tenham efeitos reais, o seu conteúdo está já fixado por Lei
(princípio da tipicidade dos direitos reais);
- as partes podem conformar as relações internas mas não nas relações com terceiros;
- o objecto do contrato não pode ser impossível nem contrário à Lei e aos bons costumes.
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Restrições que visam a protecção da parte mais fraca (muito importantes no que concerne
à tutela do consumidor)
Restrições que resultam do princípio da boa fé (762º n.º2)
- boa fé usada para limitar o conteúdo das obrigações e mesmo para as criar ou extinguir.
Contratos com eficácia real
São fonte de relações familiares (ex.: casamento = contrato) e são também fonte de
efeitos reais. A transferência da coisa certa e determinada dá-se por mero efeito do contrato. O
nosso sistema é igual ao francês e italiano. (no que toca a furtos naturais e às partes componentes
e integrantes é necessário, para a transmissão, a colheita).
Cláusula de reserva de propriedade
A Lei confere ao alienante a faculdade de reservar para si a propriedade da coisa até
que a outra parte cumpra, ou até que, se verifique um outro evento (409º n.º1) (ex.: vendas a
prestações).
886º - no contrato de compra e venda, transmitida a propriedade da coisa e feita a sua
entrega, o vendedor, salvo pacto em contrário, não pode resolver o contrato por falta de pagamento
do preço.
Sempre que o contrato tiver por objecto um bem imóvel ou móvel sujeito a registo, esta
cláusula tem que ser registada para ser oponível a terceiro (409º n.º2).
O terceiro que compra ao adquirente com reserva de propriedade:
A -> B -> C : C não está protegido. B está a vender uma coisa de A. Apenas tem a posse.
Trata-se de uma venda alheia.
Para estes casos aplica-se o 1301º: o vendedor (A) com reserva de propriedade, que
exija a terceiro (C) de boa fé a coisa que este tenha comprado a comerciante (B) que negoceie
em coisas desse género, terá que entregar o preço (a C) para reaver a coisa.
Contratos unilaterais e bilaterais
Contratos unilaterais: decorrem obrigações apenas para uma das partes (ex.: mútuo).
Contratos bilaterais: decorrem obrigações para ambas as partes. Estes podem, ainda,
ser classificados de bilaterais sinalagmáticos, uma vez que, as obrigações que surgem
estão acopladas por um nexo de reciprocidade. Esse nexo denomina-se sinalagma.
Podemos também falar numa categoria intermédia em que temos os contratos bilaterais
imperfeitos: no início há obrigações apenas para uma das partes, mas depois para a
outra parte também (ex.: depósito e mandato gratuito).
Duas vertentes do nexo de interdependência entre as obrigações de ambas as partes
Sinalagma genético
Verifica-se no nascimento das obrigações. Cada uma das obrigações é causa da outra,
nasce porque a outra também nasce. Daqui decorre que, se por algum motivo cair por invalidade
umas das obrigações, a outra cai igualmente (ex.: se uma obrigação é contrária à Lei, nesse
caso a contraprestação cai também. O negócio é integralmente nulo).
Sinalagma funcional
Há uma manutenção do vínculo no próprio cumprimento de cada uma das obrigações.
O cumprimento de uma obrigação comanda o cumprimento da outra.
Tanto no primeiro caso como no segundo, trata-se da ligação entre os deveres principais
de prestação, no entanto, embora os deveres secundários com prestação autónoma,
não tenham necessariamente que estar incluídos no sinalagma, muito frequentemente estão.
Seria assim quando se puder afirmar que este dever secundário está de tal forma ligado ao
principal que sem a sua realização, o cumprimento do dever principal pouco vale.
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Os deveres laterais não estão incluídos no sinalagma, no entanto, da sua violação
pode resultar um corte na relação de confiança existente entre as partes, em termos tais que a
prossecução da relação contratual não seja, mais, exigível. Nesses casos deve considerar-se
afectada a própria relação obrigacional típica (ex.: A trabalha para B. A cumpre os seus deveres
mas a certa altura agride B. Está em questão um dever lateral [dever de respeito]. A relação
de confiança foi atingida. Assim, há um motivo para fazer cessar a relação contratual).
Nos contratos bilaterais imperfeitos, quando surja uma obrigação a cargo da outra
parte (ex.: pagar as despesas ao mandatário) não se verifica este nexo de interdependência
entre as obrigações contratuais. Nessa medida se, por exemplo, num mandato gratuito, ou
depósito gratuito, se o mandante/depositante não quiser cumprir as suas obrigações, o mandatário
não se pode valer dos meios de defesa que assentam na existência de um sinalagma; não
se pode valer da excepção do não cumprimento.
Por isso, a Lei atribui-lhe como meio de defesa um direito de retenção (755º e) e c)).
No caso de mandato, o mandatário pode recusar a restituir ao mandante as coisas entregues
para a execução do mandato, enquanto não for satisfeito o crédito resultante da sua actividade.
Manifestações do nexo sinalagmático
Existe duas formas de se assistir à sua manifestação. Através da: excepção do não
cumprimento (428º); cláusula resolutiva tácita.
Excepção do não cumprimento
Naqueles contratos em que não haja prazos diferentes para o cumprimento de cada
uma das obrigações, qualquer parte pode recusar a realização da sua prestação enquanto a
outra parte não o fizer ou não oferecer o cumprimento simultâneo.
No entanto, por vezes, são fixados prazos diferentes para o cumprimento das prestações
(ex.: A vende a B um carro. B pagará 6 meses depois do contrato. Entretanto, A não se
pode valer da excepção do não cumprimento).
Isto é assim se não se verificar depois da celebração do contrato algumas das circunstâncias
que provoquem a perda do benefício do prazo (429º): 1- insolvência do devedor que
não tenha sido judicialmente declarada; 2- se diminuírem as garantias do crédito ou se o devedor
não prestar as garantias a que se obrigou, a diminuição tem que se ficar a dever a um facto
imputável ao devedor (ex.: A vende a B o carro. Seria a entrega feita passado um mês e pago
passado 3. Pode-se valer da excepção do não cumprimento se o devedor do preço se tiver
tornado insolvente, ou se ficou de dar garantias e não o fez). Quem perdeu o benefício do prazo
pode opor-se à excepção do não cumprimento através da prestação de garantias.
E se a situação patrimonial do sujeito obrigado a cumprir em 2º lugar piorou bastante,
embora não esteja ainda insolvente?
Argumento histórico – deve-se optar por só permitir o recurso à excepção do não
cumprimento se se tratar de uma verdadeira insolvência.
Nos casos em que o incumprimento de uma das partes seja parcial, temos que ver ao
abrigo do princípio da boa fé qual a importância deste incumprimento para determinar se a
outra parte se pode ou não valer da excepção do não cumprimento. Se for de escassa importância,
já não será admissível o recurso a este tipo de defesa.
Cláusula relativa tácita
No contrato bilateral se se verificar o não cumprimento definitivo ou a impossibilidade
de prestação imputável ao devedor, o credor tem a faculdade de resolver o contrato (801º n.º2).
Esta faculdade de resolução é aquilo a que se chamava a condição resolutiva tácita.
Actualmente, decorre da Lei. O credor tem também um direito de indemnização.
Nos casos de impossibilidade não imputável ao devedor, o credor fica desobrigado
(não é uma resolução) da sua prestação (790º e 795º n.º1). Se a prestação do devedor se tornar
parcialmente impossível (793º) a contraprestação da outra parte reduz-se proporcionalmente.
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Contratos gratuitos e onerosos
Diferem no conteúdo e finalidade do negócio.
Contratos onerosos
Pressupõem atribuições patrimoniais de ambas as partes, que nas perspectivas destas,
se equivalem (ex.: compra e venda: entregar a coisa e pagar o preço).
Podem ser comutativos ou aleatórios.
Comutativos: as vantagens que cada uma das partes retiram do contrato podem ser
apreciadas logo no momento da celebração do contrato, porque as atribuições patrimoniais
derivam logo daí (ex.: compra e venda, locação, etc.).
Aleatórios: há um risco. Nestes caso, uma ou ambas as partes, sujeitam-se à possibilidade
de ganhar ou perder pois os efeitos dependem de acontecimento futuro incerto quanto à
sua verificação ou quanto à data desta (ex.: seguro automóvel, jogo e aposta).
Contratos gratuitos
Só há atribuições patrimoniais de uma das partes.
Há modalidades contratuais difíceis de classificar com sendo um contrato gratuito ou
oneroso. São os casos híbridos.
Ex.: doação com encargos. A doa casa a B com a condição de este sustentar a sua viúva.
Ex.: venda por preço inferior ao valor real da coisa, tendo as partes consciência disso. A
vende a B casa de 1000 por 500.
A distinção entre contratos gratuitos e onerosos é muito importante, por exemplo,
no âmbito do 291º. É necessário aqui que o negócio seja oneroso. É também importante nos
casos relativos aos meios de garantia patrimonial do credor, para se fazer uso ou não da impugnação
pauliana (610º ss.).
O devedor pratica um acto que prejudica a garantia patrimonial do credor uma vez que
torna impossível o cumprimento da obrigação. Este acto tem também que ser posterior ao negócio
celebrado com o credor para se aplicar a impugnação pauliana.
Neste caso, sempre que o negócio celebrado entre o devedor e o terceiro seja gratuito,
o credor, verificando os requisitos, pode sempre valer-se da impugnação pauliana mesmo que
o terceiro esteja de boa fé.
Se o negócio for oneroso, nesse caso, o credor verificando os requisitos, só se pode
valer da impugnação pauliana de houver má fé.
CONTRATO-PROMESSA
É um contrato pelo qual uma ou ambas se obrigam a celebrar um determinado contrato
dentro de um certo prazo ou verificada certa condição.
Pode ser bilateral: quando ambas as partes se obrigam a celebrar. Pode ser unilateral:
quando apenas uma das partes se obriga a celebrar.
Pode ser de natureza diversa: compra e venda; sociedade; locação; mútuo; depósito.
Porque recorrem as partes ao contrato-promessa e não ao definitivo?
Razões de ordem prática
O vendedor ainda não adquiriu o bem; o bem ainda não existe; o comprador pode ainda
não ter dinheiro mas quer celebrar o contrato.
Razões de ordem jurídica
A escritura de compra e venda ainda não se pode celebrar por faltarem certos elementos.
Ex.: crédito bancário só é concedido quando se prove que já existe um contrato-promessa.
Contrato-promessa e figuras parecidas
O contrato-promessa distingue-se do pacto de preferência: é também um contrato
pelo qual uma das parte se obriga, na eventualidade de celebrar no futuro um contrato sobre
um bem, conceder preferência ao titular desse direito.
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O contrato-promessa distingue-se do direito de opção (direito potestativo): há uma
declaração negocial de uma das partes tendo o titular do direito de opção, a faculdade de aceitar.
Esta faculdade de aceitar leva imediatamente a celebração do contrato. Ex.: futebol. O
jogador celebra contrato de 3 anos + 1 de opção. É o clube que vai optar por prolongar + 1 ano
ou não.
O contrato-promessa distingue-se da venda a retro: o vendedor reserva-se o direito de
resolver o contrato sem ter que fundamentar o seu direito de resolução.
Regime do contrato-promessa
Princípio da equiparação entre o contrato-promessa e o contrato prometido (410º n.º1)
Ao contrato-promessa se aplicam as disposições do contrato prometido: capacidade
das partes; vícios da vontade; mas também as disposições típicas daquele contrato.
Existem, todavia, duas excepções: relativas à forma e disposições que pela sua
natureza sejam inaplicáveis ao contrato-promessa.
Relativas à forma
Se tivermos uma compra e venda, nunca podem aplicar-se ao contrato-promessa as
disposições ligadas à eficácia real da compra e venda. O direito real só se dá na compra e
venda e não no contrato-promessa (ex.: 879º - transferência do direito real; 796º - risco; 876º -
transferência da propriedade; 892º - venda de coisa alheia; 1682º-A).
Sempre que há contrato-promessa que precisa de consentimento de terceiro na celebração
do contrato prometido, é preciso ver se o seu consentimento é obrigação de meios ou
de resultado. Se for de meios ele obriga-se a desenvolver os seus melhores esforços para que
o terceiro consinta no contrato definitivo.
Disposições que pela sua natureza sejam inaplicáveis ao contrato-promessa
Sempre que o contrato prometido esteja sujeito a uma determinada forma (documento
autêntico ou particular), o contrato-promessa terá que constar de documento assinado pela
parte que se vincula ou por ambas (410º n.º2).
Quid iuris se as partes quiserem celebrar um contrato-promessa bilateral mas só uma
das partes tiver assinado o documento?
Assento 29/11/89 do STJ: «o contrato é nulo mas pode considerar-se válido como
contrato-promessa unilateral se essa tiver sido a vontade das partes».
A “transformação” de um contrato nulo bilateral num unilateral válido, pode ser feito por:
redução (292º); ou conversão (293º). Em qualquer dos casos há uma inversão do ónus da
prova.
292º - há presunção de divisibilidade do negócio jurídico, cabendo à parte que se quer
valer da nulidade total, o esforço de demonstrar que se tivesse sabido do vício inicial. Não teria
celebrado o negócio.
293º - tem que ser a parte interessada na conversão que terá que demonstrar que,
atento o fim do negócio, a vontade hipotética das partes teria sido a da celebração do negócio
sucedâneo.
Com vista a tutelar o promitente-comprador (o que não assina) RIBEIRO FARIA defendia
a redução.
VARELA defende a conversão porque, um contrato-promessa unilateral é bastante
diverso de um contrato-promessa bilateral. Logo, não faz sentido a redução. A conversão é a
figura mais correcta para ser aplicada.
Regime especial em termos de formalidades (410º n.º3)
Para contratos-promessa relativos a um contrato oneroso de constituição ou transmissão
de um direito real sobre um edifício já construído/em construção/a construir, para além do
documento escrito é ainda necessário o reconhecimento presencial das assinaturas das partes
que se vinculam e o reconhecimento notarial da existência da licença de construção ou de
ocupação.
Quid iuris se estas formalidades não forem observadas? O contrato é nulo. Há o problema
da natureza da nulidade. Quem pode invocá-la?
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Pode invocá-la o promitente-adquirente ou o promitente-alienante nos casos em que
tenha sido o 1º que culposamente deu causa à não observação desses requisitos (410º n.º3 in
fine).
O tribunal pode reconhecer oficiosamente a nulidade? O terceiro pode invocar oficiosamente
a nulidade?
A doutrina (VARELA) fala-nos em nulidade típica e diz que esta pode ser invocada por
qualquer terceiro interessado porque (220º) a não observância da forma legal gera nulidade; e
porque (285º) o regime da nulidade é o que se prescreve em seguida.
Existe ainda a situação dos “lugares paralelos”. 1029º n.º3 do código comercial. A
nulidade decorrente de falta de escritura pública nos contratos de arrendamento comercial só
podia ser invocada pelo arrendatário (pessoa em benefício da qual o legislador prescrevia essa
exigência formal). Conclusão: se no 1029º é prescrito um regime especial, também quando há
um regime especial no CC, ele é expressamente referido, que não se passa neste caso.
CALVÃO DA SILVA fala-nos em nulidade atípica dizendo que o 220º e o 285º não são
argumentos válidos pois só se aplicam, como diz a lei, «... na falta de regime especial». Este
regime só pode ser, em princípio, invocado pelo adquirente. Pode ser invocado pelo alienante
mas tem que haver culpa do adquirente (410 n.º3).
Para CALVÃO DA SILVA qual a ratio legis do 410º n.º3 (disposição de protecção do
consumidor [o promitente-adquirente, também chamados “adquirentes não profissionais”] de
edifícios, face a promitentes-alienantes profissionais atendendo aos interesses em jogo: zona
muito sensível relativa à aquisição de habitação própria)?
Trata-se de uma disposição de ordem pública de protecção (visa proteger a ordem
pública e o contratante mais débil. Como é a favor do promitente-adquirente, só ele deverá
poder, se assim entender, invocar a nulidade. Pode fazer ou não. Se o não fizer, nem o tribunal
pode reconhecer oficiosamente a nulidade, nem terceiros. Falamos aqui em nulidade
automática mas, ao contrário do regime geral, só o promitente-comprador a pode invocar. Esta
nulidade é susceptível de ser sanada ou convalidada.
Assim, o adquirente não precisa de propor a acção se quiser invalidar o negócio, uma
vez que a nulidade opera automaticamente.
STJ proferiu 2 assentos acerca desta matéria (que agora valem como acórdãos de
uniformização de jurisprudência):
28/06/94: veio estabelecer que esta nulidade não pode ser invocada por terceiros interessados.
01/02/95: esta nulidade não é do conhecimento oficioso do tribunal.
Restante regime do contrato-promessa
- promessa obrigacional (1);
o sinalizada;
o não sinalizada;
- promessa com eficácia real (2).
(1) Promessa sinalizada
As partes constituem sinal aquando da celebração do contrato-promessa.
Sinal: cláusula acessória que consiste na coisa (dinheiro ou coisa fungível ou não fungível)
que uma das partes entrega à outra no momento da celebração do contrato ou noutro
momento como prova da seriedade e garantia do cumprimento (1), ou então como antecipação
da indemnização devida à outra parte na eventualidade de não celebrar o contrato definitivo
(2).
No primeiro caso fala-se em sinal confirmatório. No segundo, em sinal penitencial.
440º - qualquer quantia entregue por uma partes à outra, quando esta última ainda não
a pudesse exigir, é tida simplesmente com antecipação do pagamento, a não ser que as partes
lhe atribuam um carácter de sinal.
No entanto, no 441º, no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem
carácter de sinal qualquer quantia entregue pelo promitente-adquirente ao promitentevendedor.
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Tendo sido constituído sinal e sendo cumprido o contrato, o sinal dá-se integrado na
prestação. Sendo pecuniário, é integrado no preço. Na eventualidade de uma impossibilidade
de realização da prestação com a consequência da extinção da obrigação por facto não imputável
ao devedor, o sinal será restituído.
Naqueles casos de incumprimento imputável a uma das partes, recorre-se ao sinal
para calcular a indemnização. Na eventualidade de ter sido o sujeito que constitui o sinal que
deixa de cumprir, ele perde o sinal. Se for o que recebeu que deixa de cumprir culposamente,
ele terá que restituir o sinal em dobro (442º n.º2).
Nas hipóteses em que se constitui sinal e houve entrega da coisa, coisa essa objecto
do contrato prometido, se o promitente-alienante não cumprir, a outra parte poderá optar por
indemnização pelo aumento do valor da coisa (442º n.º2) ou pelo dobro do sinal. Tendo
havido traditio, o adquirente goza de direito de retenção.
Calcular a indemnização pelo aumento do valor
Determina-se o valor objectivo da coisa à data do cumprimento e subtrai-se o preço
convencionado. A este montante adiciona-se o sinal a restituir.
Ex.: A compra e venda com B por 8000. sinal = 500. na data para celebrar o contrato
prometido a coisa vale 10000.
O promitente-adquirente pode indemnização pelo dobro do sinal (seria 1000); ou pelo
aumento do valor da coisa (seria 2000 + o sinal de 500).
Havendo traditio da coisa aplica-se o 755º f) existindo também direito de retenção.
Direito de retenção: é uma garantia especial das obrigações e é uma forma legítima
de não cumprir (de não entregar a coisa); garante o crédito indemnizatório.
O que adquire a traditio da coisa, face ao incumprimento da outra parte pode recusarse
a abandonar o imóvel e poderá executar o bem e a ser pago com preferência se for bem
imóvel (759º n.º1 e 2), com preferência sobre os credores hipotecários mesmo que a hipoteca
tenha sido anteriormente registada.
Se o adquirente se recusar a celebrar o contrato, aplica-se o 830º, relativo à execução
específica.
O promitente-adquirente pode obter uma sentença que produza os efeitos da declaração
negocial do faltoso e nessa medida leve à celebração do contrato (830º n.º1). Essa sentença
passa a ter igual valor ao contrato prometido. Está sujeita a registo e a acção de execução
específica também.
A execução específica será afastada sempre que houver convenção em contrário
(830º n.º2).
Presume-se convenção em contrário quando: exista uma cláusula penal; haja havido
constituição de sinal.
A execução específica é afastada quando o contrato definitivo tem por objecto uma
prestação infungível (ex.: contrato de trabalho).
Também não está sujeito o contrato-promessa de um contrato real quanto à sua constituição
(ex.: mútuo, comodato) porque se entende que, não bastando o acordo das partes para
a celebração, a entrega da coisa pelas partes é um acto de confiança que o tribunal não pode
suprir.
Também é afastada quando, para a celebração válida do contrato definitivo, seja necessário
uma declaração de um terceiro.
Também é afastada se houver violação do contrato-promessa, quando o promitentealienante,
em vez de transmitir o bem, como está obrigado, ao promitente-adquirente, transmite-
o a terceiro (caso de “violação do contrato-promessa”).
Todavia, nos casos do 830º n.º3 (promessas que digam respeito aos casos do 410º
n.º3) nunca está vedado, mesmo existindo sinal, o recurso à execução específica. No entanto,
a Lei permite de forma excepcional ao 438º que aquele sujeito que não cumpriu o contratopromessa
possa ainda pedir a modificação do contrato por alteração das circunstâncias.
830º n.º4 – nos casos em que o contrato-promessa diga respeito a bens imóveis (constantes
do 410º n.º3), nesses casos sempre que o bem esteja onerado com uma hipoteca, isso
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permite ao promitente-adquirente, pedir também (com a execução específica) a condenação
da outra parte no montante necessário para expurgar a hipoteca (721º). Existe aqui um duplo
pedido.
Ex.: A promete vender a B fracção autónoma de x. A contrai um empréstimo junto de C
(10000) e hipoteca a favor de C x. A seguir, A recusa-se a vender o imóvel. A hipoteca segue
a fracção.
Nos contratos em que seja legítima à parte, contra quem é interposta a acção, invocar
a excepção do não cumprimento, terá que, no prazo fixado pelo tribunal, consignar em depósito
a sua acção.
Contrato-promessa com sinal (441º e 442º) (Síntese)
O que pode fazer o adquirente:
- indemnização (442º);
o promitente-alienante;
 perde o sinal;
o promitente-adquirente;
 duas vezes o sinal;
 com traditio;
· indemnização pelo aumento do valor + o sinal;
· duas vezes o sinal;
- execução específica (830º).
755º - para os créditos de indemnização com traditio. Direito de retenção.
Execução específica afastada quando:
- há convenção em contrário (presume-se quando há cláusula penal ou sinal);
- natureza da prestação;
- contrato real;
- acto de terceiro;
- violação contrato.
Não pode ser afastada quando (apenas se existir convenção em contrário):
- 830º n.º3 (410º n.º3);
- 830º n.º4;
- 830º n.º5.
VARELA: entende que o legislador pretendeu, face à simples mora do promitentealienante,
que a outra parte possa logo, sem ter necessidade de transformar a mora em incumprimento
definitivo, resolver o contrato e portanto pedir qualquer uma das indemnizações do
442º n.º2.
O regime do contrato-promessa sinalizado seria excepcional relativamente às regras
gerais de resolução.
CALVÃO SILVA: entende que o 442º n.º3 in fine deve ser interpretado de forma arrogante
(quando a Lei deve ser eliminada porque a mesma não corresponde com o espírito da
Lei e está em conflito com outras disposições) porque é contraditório com as restantes disposições
do 442º.
Na verdade não há um regime excepcional e a mora tem que ser transformada em
incumprimento definitivo para resolver o contrato. Só assim, há direito às indemnizações do
442º, pensadas para a resolução.
Na prática
VARELA: face ao incumprimento do promitente-alienante, há mora, e imediatamente
a outra parte pode exigir uma das duas indemnizações.
CALVÂO SILVA: face ao incumprimento do promitente-alienante, havendo mora,
para se obter a indemnização será necessário recorrer ao 808º para transformar a mora em
incumprimento definitivo e resolver o contrato para pedir uma das duas indemnizações.
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
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Face à mora não pode pedir indemnização. Só se houver incumprimento definitivo.
Daí a necessidade do 808º para transformar a mora em incumprimento definitivo para pedir a
indemnização.
Fundamentos destes resultados interpretativos
VARELA: de acordo com a norma (442º n.º3 in fine) parece claro que é possível ao
promitente-adquirente pedir indemnização pelo aumento do valor da coisa sem recorrer ao
808º («salvo ao disposto no 808º»).
CALVÃO DA SILVA: face à mesma norma parece que é impossível depois de o credor
ter optado pela indemnização pelo aumento do valor da coisa que a outra parte se possa oferecer
para cumprir. Isto é contraditório, porque cada uma das indemnizações estão ligadas ao
incumprimento definitivo e subsequente resolução do contrato. Se o contrato já acabou,
como pode o devedor cumprir?
Restante regime do contrato-promessa (continuação)
(2) Contrato-promessa com eficácia real
Para que exista eficácia real num contrato-promessa é preciso cumprir alguns requisitos:
- as partes têm que dizer expressamente que tem eficácia real;
- tem que dizer respeito a direitos sobre bens imóveis ou moveis sujeitos a registo;
- contrato tem que estar sujeito a forma (escritura pública, a não ser que o contrato
definitivo não exija ele próprio escritura pública).
Verificados estes requisitos, o promitente-adquirente adquire o direito real oponível
“erga omnes”, ou para outros autores, um direito real de aquisição.
Duas situações (segundo VARELA):
Contrato-promessa com eficácia real sinalizado
O promitente fiel (o que quer cumprir) poderá exigir, verificados os pressupostos, qualquer
uma das indemnizações do 442º n.º2. Poderá também optar pela execução específica e
poderá recorrer a isto, mesmo que o promitente-alienante, em violação do contrato-promessa,
tenha transmitido esse bem a terceiro. Tem aqui um direito potestativo de celebração desse
contrato-promessa, direito esse, oponível a terceiros.
PACTO DE PREFERÊNCIA
É a convenção pela qual alguém se obriga a dar a outrem preferência na aquisição de
uma determinada coisa (414º). Este artigo faz expressamente referencia a uma compra e venda,
mas pode servir para qualquer outro negócio. Ex.: locação, comodato.
Distinção entre pacto de preferência e figuras parecidas
O pacto de preferência distingue-se da promessa unilateral: há já uma obrigação de
um sujeito contratar em certos termos. No pacto de preferência o obrigado a dar preferência
pode nunca contratar. Só se quiser contratar é que tem que dar preferência.
O pacto de preferência distingue-se do direito de opção: há já uma declaração negocial
emitida e a outra parte tem o direito potestativo de aceitar ou não a proposta.
Podemos falar em preferência legal (imposta por lei) ou preferência convencional
(por acordo das partes). Esta última pode ser: meramente obrigacional ou de eficácia real.
Meramente obrigacional: 415º remete para o 410º n.º2. Estando o contrato objecto de
preferência sujeito a forma (documento autêntico, particular) o próprio facto tem que ser realizado
por documento escrito e assinado pelo obrigado à (a dar) preferência.
De eficácia real: para atribuir eficácia real ao pacto de preferência utilizar-se-á o 421º
que os remete para o 413º.
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
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Pacto de preferência convencional
O titular do direito de preferência pode opô-lo a terceiros. Significa que nesses casos,
sendo violada a preferência, o seu titular tem o direito potestativo de ocupar o lugar do terceiro;
se subrogar na posição do terceiro no contrato celebrado entre o referido terceiro e o obrigado
à preferência.
Os titulares do direito de preferência poderão fazê-lo valer, na eventualidade de ser
preferência legal ou com eficácia real, na insolvência e execução (422º). 892º e 896º CPC.
A preferência com eficácia real ou legal prevalece sempre sobre a preferência
convencional meramente obrigacional. E a legal sobre a convencional.
Exemplos de preferências legais:
- arrendatário: tem direito de preferência na venda ou dação em pagamento de prédio
ou fracção autónoma (47º RAU);
- comproprietário: 1409º - também tem preferência legal;
- senhorio: do prédio arrendado onde está instalado um estabelecimento comercial
na venda ou dação em pagamento (116º n.º1 RAU).
(Distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual)
Responsabilidade contratual Responsabilidade extracontratual
Presunção de culpa 799º n.º1 487º n.º1
Prescrição 309º 498º
Facto de terceiro 800 500
Ressarcibilidade do dano não
patrimonial Há dúvidas se sim ou não (*) 496º
(*)Teses do cúmulo jurídico
Duplicação de acções ou concorrência de pretensões (é de afastar)
Em duas acções diferentes, efectiva-se quer a responsabilidade contratual quer a responsabilidade
extracontratual.
Acção híbrida
O lesado vai, numa única acção, socorrer-se das normas da responsabilidade contratual
e da extracontratual, consoante a considere as mais favoráveis para si.
Teoria da opção
Cabe ao lesado, optar pelos procedimentos fundados numa ou noutra responsabilidade.
Teses de não cúmulo jurídico (não cumuláveis)
ALMEIDA COSTA
Quando seja possível em abstracto qualquer um dos regimes, deve aplicar-se o da
responsabilidade contratual. Essa é a mais correcta do ponto de vista sistemático e é a que
corresponde a uma ideia de justiça material.
O regime da responsabilidade contratual deve prevalecer porque corresponde à ideia
de liberdade (contratual).
(Distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual)
O obrigado à preferência tem que comunicar o que pode ser feito, extrajudicialmente ou
judicialmente, bem como as cláusulas dos contratos (1458º CPC). O que terá de ser comunicado
é o projecto contratual completo acordado com o terceiro. Terá que ser indicado também o
nome do terceiro. Alguma jurisprudência exige a indicação do dia, hora, cartório, quando o
contrato for celebrado por escritura pública, de quando o contrato será celebrado com o terceiro.
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
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Distinção entre comunicação para preferência, convite a contratar e proposta
contratual
Convite a contratar: o sujeito que faz o convite não tem vontade de se vincular juridicamente.
Só pretende que a outra parte emita uma declaração negocial.
Proposta contratual: têm que estar reunidos todos os elementos que permitam, sem
mais, à outra parte assinar. Tem que ser completa e obedecer à forma do contrato definitivo.
Esta não supre uma comunicação para preferência.
A é senhorio de B. A pretende vender o prédio. B tem direito de preferência legal (47º
...). A dirige-se a B e diz:
- eu quero vender o prédio. Você quer comprar? (Convite para contratar);
- eu quero vender o prédio por  1000000 a serem pagos a pronto. (“quase” proposta
contratual);
- eu quero vender o prédio a C nas seguintes condições:... (Comunição para preferência).
Se a comunicação não for feita nestes últimos termos, não é considerada uma comunicação
para preferência (416º n.º2). A outra parte tem 8 dias para exercer ou não o seu
direito de preferência.
Naqueles casos em que há exercício do direito de preferência, há que distinguir conforme
a notificação de preferência terá sido feita judicialmente ou extrajudicialmente.
Judicialmente (1458º ss. CPC)
Depois da declaração do preferente, a outra parte tem 20 dias para celebrar com ele o
contrato. Se não o fizer, o preferente tem 10 dias para recorrer ao tribunal, para este fixar um
dia e uma hora para a outra parte receber o preço. Se não, há depósito do preço e os bens são
adjudicados pelo tribunal.
Extrajudicialmente (777º n.º2)
Se o obrigado à preferência não celebrar o contrato, terá que se proceder à fixação de
um prazo judicial para o proceder (777º n.º2).
Se continuar a não querer celebrá-lo, há que distinguir:
- ou se entende que o obrigado à preferência responde obrigacionalmente;
- ou se distingue as seguintes hipóteses:
o se o contrato definitivo não carecer de forma;
o ou se a comunicação para preferência e respectiva aceitação, já contiverem
a forma do contrato definitivo, este contrato dá-se logo por celebrado,
isto é, a comunicação para preferência equivale a uma proposta contratual
e o exercício do direito de preferência corresponde a uma aceitação
da proposta.
Naqueles casos em que, quer a comunicação para preferência quer a aceitação não
respeitem a forma do contrato definitivo, entende-se que com o exercício do direito de preferência,
as partes têm celebrado entre elas, ou um contrato-promessa (quando a sua forma tiver
sido verificada) ou então, algo semelhante a um contrato-promessa e ao qual o seu regime
deverá ser aplicado por analogia.
Incumprimento por parte do obrigado à preferência
Distinção entre preferência com eficácia obrigacional, real e preferência
legal
Preferência com eficácia obrigacional: haverá um direito à indemnização do titular
do direito de preferência.
Preferência com eficácia real: o titular do direito pode recorrer à acção de preferência
que é uma forma de indemnização por mora.
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
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Acção de preferência (1410º por remissão do 421º)
Nas situações de preferência real ou preferência legal, o titular do direito de preferência
tem 6 meses, após o conhecimento dos elementos essenciais da alienação, para interpor
a acção de preferência. Dentro dos 15 dias posteriores à propositura da acção terá que
fazer o depósito do preço (onde se inclui a siza (FARIA E VARELA) e também as despesas
com o título (escritura pública, notário)).
Se a acção tiver procedência, ela tem como efeito a sub-rogação do titular do direito de
preferência ao terceiro, no contrato que este celebrou com o obrigado à preferência. O titular
substitui a posição do terceiro. Para tal é necessário interpor uma acção contra:
Doutrina dominante: só contra o terceiro. Contra ambos só se quiser também exigir
ao obrigado à preferência, uma indemnização pela violação do direito de preferência.
VARELA: esta situação configura um litisconsorcio necessário passivo. A acção tem
necessariamente que ser interposta contra os dois. Porquê?
I) a relação material controvertida envolve 3 sujeitos mesmo antes de se saber se o
titular do direito de preferência irá exigir uma indemnização ao obrigado à preferência;
II) por uma questão de unidade de julgados. Se se admitir uma acção só proposta
contra o adquirente e que o titular exige noutra acção uma indemnização do obrigado
à preferência, corre-se o risco de o resultado da acção ser diferente;
III) custas judiciais: quem deve pagá-las deve ser o sujeito que violou a preferência
porque foi ele que originou toda a situação.
O titular do direito de preferência exerce, de facto, um direito potestativo de se substituir,
com efeito retroactivo, entre o alienante obrigado à preferência e o terceiro.
A situação do sujeito que recorre à execução específica é diferente do que recorre à
acção de preferência. Se houver um recurso à execução específica e se esta proceder, o
sujeito vai integrar no contrato definitivo nas condições por ele fixadas no contrato-promessa.
Nas hipóteses relativas à acção de preferência, o sujeito substitui o terceiro, mas nas condições
fixadas pelo terceiro e o obrigado à preferência.
Simulação do preço
Podem ser distinguidas duas situações:
- ou as partes (obrigado à preferência e terceiro) simularam o preço, sendo o preço
simulado mais elevado do que o preço dissimulado (para evitar a preferência devido
ao elevado preço), o titular do direito de preferência poderá invocar a nulidade
do negócio simulado e poderá, depois, preferir pelo preço dissimulado;
- ou o preço simulado será mais baixo do que o dissimulado (por motivos fiscais).
Neste caso, os simuladores terão interesse em valer-se da nulidade, porque senão
o preferente pode preferir o valor mais baixo.
243º - Será possível fazer uma interpretação restritiva, entendendo-se que os simuladores
não podem opor a nulidade a terceiros de boa fé, mas tal não acontece naqueles casos
em que o terceiro se viria a locupletar (enriquecer) à custa dos simuladores. Esta norma não
visa atribuir a um terceiro um locupletamento à custa dos simuladores.
O titular do direito de preferência pode sofrer um dano por ter confiado na aquisição
pelo preço simulado. Neste caso há responsabilidade por dano de confiança. A tutela da confiança
faz-se por via da boa fé. Será indemnizado pelas despesa que fez por pensar que ia adquirir
pelo preço simulado (mais baixo).
Nem toda a doutrina defende um interpretação restritiva deste artigo.
Casos especiais no regime do pacto de preferência
(1) 417º - venda de uma coisa em conjunto com outra
Tendo sido fixado o preço global, o titular do direito de preferência pode usá-lo só em
relação à coisa e pelo valor que lhe tenha sido proporcionalmente atribuído.
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A venda por um preço global tem que ter sido determinado pela compra global desse
conjunto de objectos. A soma dos objectos vale mais que cada um em separado (ex.: colecção).
Se o bem objecto da preferência não puder ser separado sem prejuízo, o obrigado à
preferência, pode exigir que ele adquira também os restantes elementos do conjunto.
417º n.º2 – hipótese paralela em que é vendida, em violação do direito de preferência,
a coisa objecto do mesmo integrada num conjunto de coisas por um preço global.
Neste caso, se a preferência tiver eficácia real e o seu titular a quiser exercer, o terceiro
comprador pode exigir que ela seja exercida sobre o conjunto (ex.: na situação das colecções).
(2) 418º - estabelece-se uma prestação acessória que só o terceiro pode satisfazer
- a prestação acessória foi fixada para afastar a preferência – se assim for, o
preferente não tem que a satisfazer (418º n.º2);
- a prestação acessória é avaliável em dinheiro – o titular do direito de preferência
paga a quantia;
- a prestação acessória não é avaliável em dinheiro – exclui-se a preferência salvo
se se puder presumir que sem essa prestação acessório a venda/alienação teria
sido efectuada.
(3) 419º - pluralidade de titulares da preferência
- se o direito de preferência pertencer simultaneamente a vários titulares, só
pode ser exercido por todos em conjunto (419º n.º1). Se um não quiser exercer, o
direito acresce aos restantes;
- o direito de preferência só pode ser exercido por um deles, na falta de indicação
sobre o preferente que o deve fazer, abre-se licitação entre eles (419º n.º2).
Estrutura jurídica da preferência
Alguns autores: trata-se de um negócio duplamente condicionado a que o obrigado à
preferência queira vender e o titular do direito queira comprar.
Outros autores mais realistas: direito de preferência é um direito potestativo com o
conteúdo que resulta do conteúdo do contrato concluído entre o devedor e o terceiro.
Contrato normativo, de coordenação, quadro (o mais importante)
Contrato normativo: dois sujeitos celebram um contrato pelo qual disciplinam imediatamente
o conteúdo normativo das relações a celebrar entre eles ou entre eles e um terceiro,
mas sem se vincularem a contratar.
Contrato de coordenação: dois sujeitos celebram um contrato pelo qual regulam os
posteriores contratos a celebrar entre eles mas em que se obrigam a celebrar os contratos (um
conjunto de contratos).
Contrato quadro: tem um conteúdo mais amplo que os anteriores. As partes fixam
desde logo o conteúdo dos futuros contratos entre elas ou entre elas e um terceiro e ao mesmo
tempo obrigam-se a celebrar esses contratos. Para além disso, o contrato tem outros efeitos,
visando organizar as relações entre as partes.
Contrato a favor de terceiro
Duas pessoas celebram em nome próprio um contrato do qual decorre directamente
um direito que entra na esfera jurídica de um terceiro. Desse contrato resulta que o terceiro,
sem mais e sem a sua aceitação, adquire um direito (ex.: seguro de vida).
Contrato a favor de terceiro e figura parecidas
No contrato a favor de terceiro é essencial que as partes pretendam que o terceiro
adquira o direito por mero efeito do contrato.
Distintos são os contratos em que uma das partes é obrigada a prestar a terceiro
mas o terceiro não tem qualquer direito, tem apenas legitimidade para receber a prestação.
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
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Distintos são os contratos em que existe a chamada “autorização de prestação a
terceiros”. B deve  1000. em vez de pagar a A, pode pagar, por exemplo, ao seu banco.
Distintos são os contratos em que um dos sujeitos tem deveres laterais de protecção
relativamente a terceiros (ex.: inquilino e sua mulher e filhos).
Distinta é a assunção da dívida: transmissão da dívida (595º) por acordo entre o antigo
devedor e o novo devedor com a ratificação do credor.
Distinto é o mandato com representação: um sujeito, actuando em nome e por conta
de outro, celebra um determinado negócio com terceiro produzindo-se os efeitos, na pessoa do
representado.
Distinto é o mandato sem representação: o mandatário adquire os direitos e assume
as obrigações decorrentes do negócio que celebra com terceiro. Há, depois, retransmissão
para o mandante e este terá que os assumir.
Partes
- promitente (o que assume a obrigação);
- promissário (a quem a promessa é feita);
- terceiro (o que adquire o direito).
Promissário (A) -> Promitente (B) -> Terceiro (C)
Distinção entre dois tipos de relações
Relação de cobertura (entre o promissário e o promitente): temos aqui a contrapartida
que o promitente recebe pela prestação feita ao terceiro.
Relação de valuta (entre o promissário e o terceiro): a razão de ser da atribuição
patrimonial que indirectamente é feita ao terceiro.
Ex.: C é filho de A. A quer comprar um carro para C. A celebra com B um contrato de
compra e venda. Dessa compra e venda, o direito real resulta imediatamente para C. Fixa-se
que B terá que entregar o carro, não ao comprador (A) mas a C. Se C aceitar o carro, existe
uma relação de valuta entre C e A. Se rejeitar não há direito.
Posições
Terceiro
Adquire o direito independentemente da sua aceitação (444º n.º1). Excepção: nos
casos em que a promessa se destine a produzir efeitos após a morte do promissário. A Lei
presume que só depois deste facto é que o direito é adquirido (451º).
O terceiro pode aderir à promessa e deverá fazê-lo por declaração ao promitente e ao
promissário (447º), ou então pode rejeitar (448º n.º1) e neste caso o direito sai da sua esfera
jurídica.
A rejeição faz-se face ao promitente que deve, depois, comunicar ao promissário.
A partir do momento em que o terceiro adira à promessa, o promissário não a pode
mais revogar. O terceiro, sendo embora credor, não é parte no contrato e, por esse motivo, o
terceiro, tendo direito à prestação, se não colaborar na sua recepção, ou se se recusar a recebê-
la, incorre em mora do credor.
Como o terceiro é titular do crédito é a ele que lhe cabe a indemnização substitutiva do
dever de prestação. É também ao terceiro que compete a interpelação cominatória (808º).
Como o terceiro não é parte contratual, ele não pode exercer qualquer direito que seja inerente
à posição de parte.
Promitente
Pode opor ao terceiro quaisquer meios de defesa decorrentes da relação de cobertura.
Também pode opor esses meios de defesa ao promissário.
Não pode opor a terceiros meios de defesa que resultem de uma outra relação com o
promissário, ou então, da relação de valuta (é uma coisa que não lhe diz respeito – res inter
alios acta (449º)).
Na eventualidade da relação de cobertura vir a ser declarada nula, mas mantendo-se a
relação de valuta, nesse caso, a repetição da prestação naqueles casos em que o promitente
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
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tenha realizado a sua prestação, só pode ser realizada através da devolução, pelo promissário,
daquilo que este, injustamente, se locupletou (478º).
Promissário
I) embora não seja credor, pode exigir o cumprimento do contrato (444º n.º2);
II) compatibilização dos direitos do promissário decorrentes da sua posição de partes
na relação contratual e o direito de terceiro.
De uma forma sintética entende-se, em primeira linha, que a questão é resolvida
de acordo com a interpretação das partes. De todo o modo e como critério geral,
pode estabelecer-se: os direitos do promissário são instrumentais em relação ao
direito do terceiro que funciona como direito preferencial. Daqui resulta que o terceiro
pode acordar com o promitente numa alteração do objecto da prestação mas,
o promissário, depois da aceitação do terceiro, deixa de o poder fazer.
Quanto aos direitos potestativos inerentes à posição de parte na relação contratual,
entende-se que eles cabem ao promissário porque só ele é parte, mas
que, só os poderá exercer com o consentimento do terceiro.
Em todo o caso, resolvido que seja o contrato, é o promissário, e não o terceiro,
aquele que tem direito à prestação restituída (por força da resolução).
O contrato a favor de terceiro pode ser utilizado para modificar ou extinguir direitos
reais (ex.: A tem uma hipoteca sobre imóvel de B. C celebra contrato com A pelo qual se extingue
a hipoteca). Pode ser também utilizado para remitir dúvidas ou ceder créditos (444º n.º2).
Relações entre o promissário e as pessoas estranhas ao benefício
Há sempre uma atribuição patrimonial: promissário -> promitente; promitente -> terceiro.
Estas não são necessariamente equivalentes (ex.: seguro de vida).
Em determinados casos pretende-se reagir contra o valor dos bens que saem do património
(ex.: impugnação pauliana) e outra coisa é pretender-se atingir a totalidade do benefício
recebido por terceiro (450º n.º1 e 2).
Prestação em favor de pessoa indeterminada
O direito a exigir o cumprimento pertence ao promissário e seus herdeiros mas também
às entidades competentes para a defesa dos interesses em causa. Nestas hipóteses (“disposição
do direito à prestação”), nem os herdeiros nem as entidades competentes podem autorizar
qualquer modificação no objecto da prestação (446º n.º1). Se a prestação se tornar impossível
por causa imputável ao promitente, quer os herdeiros, quer as entidades competentes, têm o
direito de exigir indemnização pelos danos causados (446º n.º2).
Contrato para pessoa a nomear
Esta é uma modalidade contratual pelo qual uma das partes se reserva o direito de
nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes de um contrato.
A <-> B -> C
Este contrato visa evitar dupla transmissão do bem e evita que C apareça no contrato
como parte contratual.
Esta figura distingue-se do mandato sem representação. A -> B -> C
<- <- Existem aqui 2 transmissões.
Esta figura distingue-se também do mandato com representação. A -> B <-> C
--------------
Pode-se antes falar em “cláusula” para pessoa a nomear uma vez que esta figura pode
ser introduzida um muitos tipos de contrato.
Este contrato é distinto do contrato em favor de terceiro porque o terceiro nunca é parte
contratual. Será credor, mas não parte. No contrato para pessoa a nomear, o nomeado é parte
(se for nomeado) ou então é estranho, caso não seja nomeado. “É tudo ou nada”.
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Regime
A nomeação tem que:
- ser feita por escrito;
- ser feita ao outro contraente;
- ser feita no prazo de 5 dias subsequentes à celebração do contrato, se não tiver
sido convencionado outro prazo (o prazo tem importância fiscal. Se for superior a 5
dias, será duas vezes tributado);
- a declaração tem que ser acompanhada da ratificação pelo nomeado, ratificação
essa, sujeita a forma escrita, ou à forma do contrato onde se inseriu essa cláusula
se o contrato estiver revestido de elemento com força probatória superior;
- a declaração pode ser, antes, acompanhada por procuração anterior à celebração
do contrato (453º e 454º).
Sendo a nomeação eficazmente realizada, o nomeado adquire a posição do nomeante,
a partir do momento da celebração do contrato, isto é, retroactivamente (455º n.º1).
Se não houver nomeação, o contrato opera normalmente entre os contraentes originários,
a não ser que exista convenção em contrário.
Há determinados casos em que não é admitida uma cláusula destas. No caso em que
não é admitida a representação, ou quando é indispensável a determinação dos contratos (ex.:
contratos intuiti persone).
Na eventualidade de se verificar uma colisão entre os direitos do nomeado e os direitos
adquiridos pelo terceiro por acto do nomeante, é necessário distinguir:
- nos bens sujeitos a registo, a cláusula para a pessoa a nomear tem que ser registada
e, portanto, há prevalência dos direitos do nomeado. Se não for registada,
prevalecem os direitos do terceiro;
- nos bens não sujeitos a registo, vigora a prioridade temporal dos direitos adquiridos.
Natureza jurídica
O contrato em favor de pessoa a nomear é um contrato sob condição resolutiva da
aquisição por parte do estipulante e sob condição suspensiva da aquisição por terceiro.
Havendo nomeação há um contrato que se resolve (entre A e B) e outro que começa (entre A e
C). A -> B <-> C
GESTÃO DE NEGÓCIOS
É quando uma pessoa assume a direcção de um negócio alheio no interesse e por
conta do dono do negócio e sem ter a sua autorização para tal (464º).
Ex.: A é vizinho de B. B vai de férias e depois de um temporal, a sua casa começa a
meter agua. A contrata empreiteiro para resolver a situação).
Visa-se sempre tutelar um interesse alheio mas pode estar também envolvido um interesse
do próprio gestor ou interesse geral da comunidade (ex.: a casa do vizinho a arder. Se se
apagar é bom para o vizinho, sendo também bom para nós uma vez que se evita a propagação).
Por um lado, pretende-se incentivar uma intervenção altruísta e louvável na esfera
de outrem. Por outro lado, pretende-se evitar uma intervenção abusiva.
Requisitos para a relação decorrente da gestão de negócios e para se aplicar o seu regime
1) o gestor tem que assumir a gestão do negócio alheio;
2) os interesses abrangidos no negócio alheio não são necessariamente interesses patrimoniais,
podendo ser também não patrimoniais;
3) é necessário que essa gestão seja feita no interesse e por conta do dono do negócio.
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Não estamos face à gestão de negócios quando um sujeito trata de interesses próprios
enquanto pensa que são alheios (ex.: A cultiva terreno de B e afinal descobre que aquele terreno
é seu).
Também não se trata de uma gestão de negócios quando alguém trata de assuntos
alheios quando pensa serem seus (ex.: num escritório de advogados um deles pega num processo
que pensava ser para ele quando, afinal, era para um seu colega). Nestes caso: ou há
aprovação do dono do negócio (472º); ou aplicam-se as regras do enriquecimento sem causa
(472º).
Se alguém interferir na esfera jurídica alheia com um fim doloso de beneficiar, nesta
situação, verificando-se os pressupostos, estamos perante uma situação de responsabilidade
civil (472º n.º ).
A gestão de negócios pode ser representativa (quando o gestor actua em nome do
dono) ou não representativa (quando o gestor actua em nome próprio).
4) é necessário que o gestor não tenha autorização para agir. A autorização pode resultar
da lei ou contrato.
Relações entre o gestor e o dono do negócio
Antes do gestor iniciar a sua actividade deve questionar-se quanto à sua capacidade
para levar a bom termo a gestão. Se a resposta for negativa, ele deve abster-se de intervir. Se
o fizer na mesma, a gestão é, desde o início, irregular.
Sobre o gestor recai um conjunto de deveres, nomeadamente o dever de continuar a
gestão (466º). Na eventualidade de o gestor interromper culposamente a gestão, ele responde
pelos danos que essa interrupção cause.
O gestor deve, logo que o dono do negócio estiver em condições para o efeito, avisá-lo
que assumiu a gestão. Terá ainda que entregar ao dominos tudo o que tenha recebido de terceiros
bem como, o saldo das respectivas contas com os juros legais desde o momento em
que deveria ter feito essa entrega.
Finalmente, tem que prestar contas de toda a sua actividade (465º).
O gestor deve reger-se no interesse e pela vontade real ou presumida do dono do negócio.
Na maioria das situações há coincidência entre ambas. Há, todavia, casos em que o
gestor não sabe qual a vontade real ou presumível, guiando-se pelo interesse (466º n.º2).
Se houver conflito entre a vontade e o interesse, o gestor deve, em princípio, seguir a
vontade. Há, todavia, algumas excepções: 465º a) – quando a vontade for contrária à boa fé e
aos bons costumes ou; quando a discrepância entre o interesse e a vontade do dono do negócio
seja flagrante (ex.: usar um adubo muito mais caro quando o barato faz precisamente o
mesmo efeito).
Responsabilização do gestor face ao dono do negócio (466º n.º1)
O gestor pode ser responsabilizado se interromper a gestão e se causar danos no
exercício da gestão.
Nestas situações há sempre que atender à culpa, que pode ser aferida através de dois
modelos. Em abstracto: é necessário comparar a conduta do sujeito com a conduta do “bom
pai de família” face ao caso concreto. Em concreto: é necessário ter em conta o sujeito. A sua
diligência/capacidade de agir. Se agiu com diligência inferior à com que age normalmente, há
culpa.
VARELA – atendendo às características específicas da gestão de negócios, o modelo a
seguir deve ser o da culpa em concreto. Ao gestor não deve ser exigido que aja com mais
diligência do que a que aplica nos seus assuntos. É melhor ter algum gestor do que nenhum
gestor.
Deveres do dono do negócio
Dependem da conduta ter sido regular ou irregular.
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Logo que o dono saiba da gestão, ele pode aprovar/desaprovar o negócio (469º que
remete para o 468º n.º1).
Se aprovar a gestão, em primeiro, renuncia à indemnização pelos danos decorrentes
da actuação danosa do gestor. Em segundo, terá o dever de reembolsar as despesas que fundadamente
tenha considerado indispensáveis e à indemnização pelo prejuízo que o gestor
tenha sofrido pela gestão.
O gestor só terá direito a ser remunerado (470º) na eventualidade daquela gestão corresponder
ao exercício da sua actividade principal (ex.: a casa do vizinho precisa de telhas
novas e o gestor ser, precisamente, um empreiteiro de telhados).
Todavia, o dono pode desaprovar a gestão. O que pode fazer o gestor?
- ou prova a regularidade da gestão;
- ou prova que a gestão foi feita no interesse do dono do negócio e também da vontade
real ou presumida. Nesse caso terá direito ao pagamento das despesas que
fez e à indemnização pelos danos sofridos no decurso da gestão. Se não conseguir
fazer a prova (468 n.º2), o dono verá a sua situação determinada pelas regras
do enriquecimento sem causa;
- ou não havendo aprovação: o gestor será reembolsado com base nas regras do
enriquecimento sem causa.
Se o dono aprovar a gestão, não significa que venha a ratificar todos os negócios jurídicos
que o gestor realizou.
Ratificação: consiste numa declaração negocial por parte do dono, pela qual este faz
seus, com eficácia retroactiva, os negócios jurídicos celebrados pelo gestor (268º).
O dono pode desaprovar mas encontrar 2 ou mais negócios bem celebrados, merecendo
ratificação.
Se a gestão foi praticada um representação do dono, ele não se vinculou a ela próprio
nem vinculou o dono do negócio. A outra parte, sim, ficou vinculada.
O gestor do negócio pode ter que indemnizar o terceiro por não o ter informado da sua
condição de simples gestor de negócios. (O gestor pode sofrer um dano. Assim, esse dano
deve ser incluído nos danos que o dono do negócio tem que indemnizar (468º n.º1)).
O gestor do negócio pode actuar em nome próprio face ao terceiro. Assim sendo, o
gestor fica imediatamente vinculado. Se o dono aprovar a gestão, produzem-se os efeitos do
mandato sem representação, o que significa que o gestor terá que transmitir ao dono do negócio,
os direitos adquiridos no negócio com o terceiro e, por outro lado, o dono terá que assumir
as obrigações contraídas pelo gestor no negócio com o terceiro. Excepção: relativamente aos
créditos. Não é necessária a transferência para o dono, para o exercer imediatamente (1181º
n.º2).
Há casos em que o gestor gere um negócio alheio na convicção de que o negócio é
próprio (472º). Nestes casos:
- ou há aprovação: gestão de negócios imprópria à qual, no entanto, se aplicam as
regras da gestão de negócios;
- ou não há aprovação: valem as regras do enriquecimento sem causa.
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Para este se verificar é necessário o preenchimento de 3 requisitos (gerais 473º n.º4):
um sujeito que enriquece; à custa de outro que empobrece; sem causa justificativa.
O enriquecimento não exige necessariamente uma atribuição patrimonial realizada por
uma parte à outra (ex.: 795º n.º1 – uma das partes já cumpriu a sua prestação quando a prestação
da outra se impossibilitou).
A vantagem patrimonial pode resultar, não de um acto da outra parte, mas de um acto
de terceiro, ou então, eventualmente, de um acto do próprio enriquecido (ex.: A consome a
caixa de garrafas de uísque destinadas a B). É mais correcto falar em deslocação patrimonial
em vez de atribuição patrimonial.
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Casos particulares (476º a 478º)
(1)
- 476º n.º1 – objectivamente indevido - trata-se do cumprimento de uma obrigação
não existente. Nestes casos, o sujeito que recebe a prestação está obrigado a repetir
(o indevido);
- 476º n.º2 – subjectivamente indevido – a obrigação existe e o devedor cumpre,
não face ao credor, mas face a terceiro. Neste caso, mantém-se o dever de repetição
por parte do terceiro, enquanto esta (prestação) não se tornar liberatória ao
abrigo do 770º;
- 476º n.º3 – o cumprimento da obrigação existe face ao verdadeiro credor, mas por
erro desculpável, é feito antes do vencimento da obrigação. O devedor terá apenas
direito a que o credor lhe entregue o montante do seu enriquecimento em virtude
do cumprimento antecipado;
- 477º - subjectivamente indevido (por parte de quem presta) – a dívida existe mas
o autor da prestação cumpre uma dívida alheia que ele, desculpavelmente pensava
ser própria. Só há direito à repetição do indevido se o erro não for desculpável, ou
o credor, desconhecendo o erro, se tenha privado do título, ou das garantias o crédito.
Não sendo possível a repetição, o sujeito fica subrogado;
- 478º - cumprimento de dívida alheia na convicção errónea de que estava
obrigado a cumpri-la - na eventualidade de o credor conhecer o erro, ele será
obrigado a repetir. Na hipótese de o credor não conhecer o erro, o verdadeiro devedor
fica liberado (extingue-se a dívida) ficando, esse devedor liberado, obrigado
a restituir ao sujeito que realizou a prestação, de acordo com as regras da obrigação
de restituição (479º).
(2) Extinção da razão causal da prestação
O caso mais importante consta do 795º n.º1. Ex.: contrato bilateral em que um dos
sujeitos já tenha realizado a sua prestação. A prestação daquele que já recebeu torna-se impossível
e extingue-se. Se uma acabou a outra também acaba. Assim, para se fazer a repetição
é necessário recorrer ao enriquecimento sem causa.
(3) Não verificação do efeito pretendido com a prestação
Ex.: A entrega a B o preço antes de celebrar a venda e depois, não há venda. A repetição
dar-se-á ao abrigo do enriquecimento sem causa. Excepção: quando o autor da prestação
já soubesse da sua impossibilidade, ou agindo contra a boa fé, impediu a sua verificação
(475º).
(4) Segurança jurídica e boa fé
617º n.º1 - o credor recorre à impugnação pauliana para satisfazer o seu crédito e, ao
devedor aplica-se as regras do enriquecimento sem causa.
Para prejudicar o credor, o devedor vende a um terceiro uma casa. O devedor paga o
preço. No caso se estar o devedor e o terceiro de má fé, o credor pode usar a impugnação
pauliana contra o terceiro. Para todos os efeitos verifica-se um enriquecimento sem causa do
devedor uma vez que recebeu o preço mas o comprador (terceiro) não adquiriu nada uma vez
que a casa foi executada e utilizada como forma a garantir o crédito do credor.
Requisitos gerais. Enriquecimento. Empobrecimento. Ausência de causa
justificativa
Enriquecimento
Este consiste numa vantagem patrimonial para quem enriquece. Esta vantagem pode
dar-se por: diminuição do passivo, aumento do activo, economização de despesas (A
presta a B alimentos porque pensa ser seu filho. Proporciona economização de despesas a C,
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o verdadeiro pai), intromissão em bens alheios (uso ou fruição de um bem de outrem ou na
disposição de bens de outrem. Ex.: A fuma os charutos destinados a B).
Como se mede o enriquecimento?
Pode ser medido em abstracto (enriquecimento real) ou em concreto (enriquecimento
patrimonial).
Em abstracto: consiste no valor objectivo do benefício patrimonial, desligado do enriquecido
(ex.: A consome os charutos destinados a B. É o preço dos charutos que conta).
Em concreto: consiste numa comparação patrimonial entre a situação em que o enriquecido
se encontra agora, e aquela em que se encontraria se não se tivesse verificado o enriquecimento.
É um reconhecimento efectivo no conjunto destas situações patrimoniais por forma a
ser determinado o enriquecimento e onde se terá que ter em conta as despesas que o enriquecido
estaria disposto a fazer se não fosse a deslocação patrimonial bem como a efectiva destinação
que deu à deslocação patrimonial obtida.
Ex.: A consome charutos destinados a B porque o carteiro se enganou. Se não lhe
tivessem entregado os charutos, ele teria comprado mas outra quantidade (metade). Em sentido
real: enriquecimento de 100. Em sentido patrimonial: enriquecimento de 50.
Empobrecimento
Tem que existir um nexo entre a vantagem de um e a desvantagem de outro.
Há determinados casos em que temos enriquecimento mas não um empobrecimento.
Ex.: A tem casa no Porto e vai durante um ano trabalhar para fora do país. Confia a chave ao
vizinho para este lhe tratar das plantas. O vizinho arrenda a casa a C. A não tinha qualquer
intenção em que a casa fosse arrendada. O vizinho obteve 1000. Há enriquecimento de 1000
sem empobrecimento de A.
Esta situação tem que ser, no entanto, corrigida (intromissão em bens alheios).
Aplica-se aqui a chamada doutrina do conteúdo da afectação ou da destinação. O enriquecimento
dá-se à custa de outrem se for realizado através da lesão de um direito exclusivo
à utilização e fruição dos bens, objecto desse direito. O enriquecimento é obtido à custa de
uma esfera absolutamente protegida.
É o que acontece com os direitos absolutos, nomeadamente, reais em que se pretende
reservado ao titular do direito a totalidade do aproveitamento económico dos bens objecto do
mesmo em termos dos quais, todas as utilidades do uso, fruição, consumo, alienação que desses
bens se possa retirar, estão reservados ao titular do direito.
Tem que haver uma unidade de procedimento entre o enriquecimento e o empobrecimento.
Não basta um enriquecimento à custa de outrem. É necessário um nexo directo entre
o benefício de um e o prejuízo de outro.
Exemplo em que não há nexo:
A é gestor de negócios de B. No exercício da gestão, utiliza bens de C (ex.: terreno
cultivado com sementes de C). Poderá o terceiro (C) demandar o dono do negócio (B) ao abrigo
do enriquecimento sem causa? Falta o requisito da imediação; a ligação directa entre o
enriquecimento e o empobrecimento.
Há, no entanto, determinados casos em que apesar de o enriquecimento se verificar de
forma indirecta (e, portanto, faltar o requisito de imediação), ainda assim a doutrina os inclui no
seio das regras do enriquecimento sem causa. São dos casos de: contrato a favor de terceiro;
delegação.
Contrato a favor de terceiro
É possível que a prestação decorrente da relação de valuta seja realizada através de
contrato celebrado entre o promissário e o promitente (relação de cobertura) o que significa
que a atribuição patrimonial a terceiro é realizada de forma indirecta, por intermédio da prestação
do promitente.
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Delegação
Definição: contrato pelo qual um sujeito encarrega outro de realizar uma prestação a
terceiro, que a recebe em nome próprio. Ex.: a entidade empregadora entrega o salário a um
banco para este o transferir para o trabalhador.
Ausência de causa justificativa
O conceito de causa é difícil e que só esta determinado em determinadas áreas, tendo
nos outros casos que ser preenchido pela doutrina e pela jurisprudência.
A doutrina alemã (LARENZ) distingue a: causa da obrigação e a causa da prestação.
A causa da prestação pode ser uma causa em sentido subjectivo (consiste no fim
imediato por via do qual a prestação é realizada (solvendi causa; credendi causa; resolvendi
causa)) ou em sentido objectivo (a causa consiste na relação jurídica donde resulta que a
prestação é devida e donde resulta para o credor a legitimidade para a reter. Ex.: A realiza a
prestação a B para solver uma dívida inexistente. É realizada solvendi causa mas falta a relação
jurídica).
A causa da obrigação é a finalidade típica do negócio, fonte desse obrigação. Assim,
neste sentido, haverá uma ausência de causa se se frustra o fim do contrato e; nos casos de
impugnação pauliana (617º) e; nos caos do 795º n.º1.
Ex.: A celebra com B contrato bilateral. A prestação de A impossibilita-se e leva à extinção
(790º). 795º n.º1.
No momento da formação do contrato a situação é corrigida com as regras da anulabilidade
ou nulidade. A causa da obrigação tem uma particular importância, já no momento da
execução do contrato.
Em que consiste a ausência de causa naqueles casos em que há uma ingerência
em direitos alheios?
Ex.: o vizinho que arrenda a casa de A. Há uma ausência de causa porque se viola a
correcta ordenação dos bens. Segundo esta, a vantagem patrimonial deve competir a outrem
(A). Nessa medida, o enriquecimento sem causa não tem causa. É indevido.
Para além dos 3 elementos estudados, é necessário a ausência de outro meio jurídico
que possa operar uma recomposição de interesses: Subsidariedade da obrigação de
restituir (474º)
Em relação a esta matéria existem 3 casos:
I) quando existam outros meios jurídicos de reparação. É o que acontece quando se
possam aplicar as regras da nulidade e anulabilidade. O mesmo sucede se só se
puderem aplicar as regras da resolução. O mesmo acontece se se puder aplicar as
regras da gestão de negócios e da responsabilidade civil;
II) aquelas hipóteses em que a lei, de forma directa, nega esta forma directa; atribui
uma causa de justificação ao enriquecimento. É o caso da usucapião;
III) a lei atribui ao enriquecimento um outro alcance, isto é, quando a lei atribui outros
efeitos ao enriquecimento. Significa que a lei estabelece um regime específico para
corrigir essa deslocação patrimonial. É o que acontece no âmbito das bem feitorias
(1273º).
O que acontece com a relação entre o enriquecimento e a responsabilidade civil?
Temos alguns casos em que há enriquecimento sem responsabilidade civil, pois não há
dano. É o caso do sujeito que arrenda a casa do vizinho e a deixa tal e qual como ele estava
no início.
O mesmo não acontece quando se verifica um cúmulo no que toca aos pressupostos
da responsabilidade civil e os pressupostos do enriquecimento sem causa. De acordo com o
princípio da subsidariedade do regime do enriquecimento sem causa, em princípio, aplica-se
unicamente as regras da responsabilidade civil e tudo está bem se o dano for superior à obrigação
de restituir com base no enriquecimento sem causa.
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No entanto, pode haver casos em que a obrigação de restituir, com base no enriquecimento,
seja superior à obrigação de indemnizar. Nesses casos é admissível que se possa pedir
a diferença entre um valor e outro ao abrigo do enriquecimento sem causa.
Ex.: obrigação de indemnizar é de 250 pela responsabilidade civil. O enriquecimento é
de 200. Sendo o valor superior deve ser usado. Só que, o 494º prescreve que pode ser concedida
indemnização inferior ao dano. O juiz nunca pode descer abaixo do enriquecimento sem
causa (200). Inferior ao dano mas não inferior ao enriquecimento sem causa. Se houver
obrigação de restituição, aplicam-se as suas regras ao abrigo do enriquecimento sem causa.
Podendo, deve fazer-se a restituição em espécie. Não sendo possível, ela deve ser
realizada em valor. Esta restituição tem 2 limites: por um lado, o enriquecimento em sentido
patrimonial (o que significa que é um enriquecimento efectivo e actual. Terá que se ter em
conta, no seu cálculo, a eventual desvalorização dos bens, as despesas que o enriquecido
estaria disposto a fazer, a eventual alienação gratuita do bem); por outro lado, temos o limite
do empobrecimento ou dano em sentido patrimonial (a diferença patrimonial entre a situação
em que o empobrecido está e aquela em que estaria se não tivesse havido empobrecimento).
A restituição faz-se pelo limite mais baixo.
O problema surge na intromissão de direitos alheios, uma vez que estes geram esferas
absolutamente protegidas.
Nestes casos, se o titular do direito não pretender dar qualquer uso à coisa, o empobrecimento
em sentido patrimonial seria zero e, não obstante ter havido enriquecimento, a restituição
seria nula. Ex.: casa arrendada por vizinho enquanto o dono está fora.
Para estes casos foi desenvolvida a teoria da destinação (correcção à doutrina dos 2
limites) ou afectação. Foi defendida por PEREIRA COELHO (escola de Coimbra).
Nestes casos de intromissão o limite do dano é dado pelo dano em sentido real (e não
patrimonial), ou seja, no caso da casa, pelo valor de mercado do bem (no caso, o arrendamento).
ANTUNES VARELA (escola de Coimbra) introduziu uma correcção. Aqui ele entende
que o limite e a restituição deve ter por objecto tudo aquilo que o enriquecido obteve à custa do
titular do bem em virtude do uso, consumo ou fruição indevida do mesmo bem. Só seria de
descontar aquilo que o enriquecido tivesse obtido em virtude das suas particulares qualidades
pessoais (v.g., profissionais).
Esta correcção serve para evitar uma situação de intromissão sempre que um sujeito
achasse que conseguia retirar um rendimento superior ao que o bem normalmente daria.
(Posição também do professor)
Temos ainda nestes casos a interpretação que MENEZES CORDEIRO (escola de Lisboa)
faz à posição de PEREIRA COELHO.
De acordo com o MC há que atender ao seguinte: quanto ao limite do enriquecimento,
não há dúvidas; outra coisa é o limite do empobrecimento. Aqui podíamos entrar em linha de
conta com o dano real ou patrimonial consoante aquele que fosse mais elevado. Por isso é
chamado de teoria de triplo limite (ainda que um pouco erroneamente classificada).
Ex.: A extrai areia do terreno de B. A areia vale no mercado 400 mas A consegue vender
por 500. A areia retirada foi reposta pelo rio. A, ao retirar a areia causou dano de 450 no
muro com o camião.
Assim, entre os danos escolhe-se o maior: dano patrimonial (450). Entre o dano patrimonial
(empobrecimento) e o enriquecimento escolhe-se o menor (450).
O enriquecimento tem um tratamento favorável mas tem que haver boa fé. Há um
agravamento se o enriquecido estiver de má fé (480º). Quando tenha sido citado judicialmente
para cumprir ou então quando tenha conhecido da falta de causa do enriquecimento ou da falta
do efeito que se pretendia obter com a prestação.
A partir deste momento, o enriquecido passa a responder pelos frutos que por sua culpa
deixem de ser recebidos, pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tenha direito
e, pelo perecimento ou destruição culposa da coisa.
Nos casos em que o enriquecido tenha alienado gratuitamente aquilo que devia
restituir a um terceiro (481º). Nesta hipótese, o terceiro fica obrigado no lugar do enriquecido
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mas na medida do seu próprio enriquecimento. Na eventualidade de o alienante e o adquirente
estarem de má fé, respondem ambos nos termos do 480º.
Prescrição da obrigação de restituir (482º)
O prazo é de 3 anos a partir do momento em que o credor tenha conhecimento do
direito que lhe compete assim como da pessoa do responsável. Não é necessário que se saiba
o montante concreto a restituir.
Diferente é a situação do 498º que prevê uma obrigação de indemnização de 3 anos
mas onde não é necessário o conhecimento da pessoa do responsável.
NEGÓCIOS JURÍDICOS UNILATERAIS
Será no ordenamento jurídico português admissível a constituição de uma obrigação
através de um negócio jurídico unilateral? Sem o acordo da outra parte? Em princípio, não.
Vigor no nosso ordenamento jurídico o princípio do contrato, ou seja, nos casos em que a
obrigação não nasça directamente da lei, uma pessoa só se obriga mediante acordo. A excepção
a esta regra encontra-se na hipoteca (712º) e contrato a favor de terceiro.
Aqui, o beneficiado poderá rejeitar. Assim, o benefício sai da sua esfera jurídica.
Fundamento do princípio do contrato: a ideia não é a de não se poder atribuir a um
sujeito, um benefício, contra a sua vontade, isto porque nesse caso bastaria conceder ao beneficiado
um direito de rejeição. A sua razão de ser e a de que, não é razoável (salvo alguns
casos) manter alguém obrigado por simples declaração unilateral sua sem que haja, pelo menos,
o acordo da outra parte. É essa a ratio do 457º.
A promessa unilateral de prestação só obriga nos casos previstos na lei.
Embora os negócios jurídicos unilaterais não constituam fontes de obrigações, não
quer dizer que não haja negócios destes que tenham importância grande no âmbito das relações
obrigacionais. São os negócios jurídicos dependentes ou auxiliares de uma relação
jurídica já existente. Ex.: resolução de um contrato.
O 458º consagra uma figura que embora integrada sistematicamente no âmbito dos
negócios jurídicos unilaterais, não constitui um. Trata-se da promessa de cumprimento ou
reconhecimento da dívida. Trata-se de um negócio com causa presumida.
Ex.: “A compromete-se a pagar 1000 a B”. Esta declaração não é um negócio jurídico
unilateral. Esta declaração tem uma causa mas que não é aqui revelada, portanto, presume-se
apenas. O credor não tem que provar mas apenas o devedor pode demonstrar que a causa
dessa declaração, ou não existe ou já se extinguiu.
Este documento é um título executivo e serve de meio de prova. Tanto a promessa de
cumprimento ou reconhecimento da dívida têm de constar de documento escrito, a não ser
que uma outra formalidade seja exigida para a prova da relação fundamental (458º n.º2). Estes
documentos têm grande importância na prática.
PROMESSA PÚBLICA (459º)
Consiste numa declaração feita mediante anúncio divulgado entre os interessados e
onde o autor se obriga a dar uma recompensa/gratificação a quem se encontrar numa determinada
situação, ou a quem praticar um determinado facto positivo ou negativo.
Essa promessa destina-se a uma número de pessoas não certa e tem como requisito
essencial a sua publicidade (459º n.º2) mas não o seu conhecimento pelo destinatário (ex.:
alguém pode ganhar a recompensa sem sequer saber da existência de tal promessa pública).
Esta distingue-se de uma oferta ao público que é uma simples proposta contratual.
Prazo: na eventualidade de não se ter fixado prazo de validade, esta pode ser revogada
a todo o tempo. Se houver prazo, quer seja estabelecido pelo promitente, ou fixado pelo fim
ou natureza da promessa, este só é revogado se houver justa causa (461º n.º1).
Forma: tem que ser a mesma adoptada para a promessa e a revogação não é eficaz
se já se tiver verificado a situação prevista ou se o facto também previsto já tiver sido praticado.
Esta promessa pública pode ser:
Gratuita: se visa individualizar uma pessoa a quem se quer fazer uma liberalidade.
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
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Onerosa: se na promessa existir uma vantagem económica para o promitente (ex.:
jornal que faz algo para aumentar a tiragem).
Por fim, se no resultado previsto tiver existido mais do que uma pessoa, o montante
deverá ser repartido equitativamente atendendo-se à participação de cada um dos sujeitos
nesse resultado.
CONCURSOS PÚBLICOS (463º)
A lei considera também estes concursos públicos com promessa de prémio. A particularidade
consiste em o prémio só ser atribuído a quem se candidatar e depender de uma decisão
do júri. O problema fundamental é: 1- a admissão/exclusão dos concorrentes; 2- critérios
de atribuição do prémio.
SEGUNDO SEMESTRE
RESPONSABILIDADE CIVIL
É fonte de uma obrigação de indemnização e existe em duas grandes modalidades:
responsabilidade civil contratual (obrigacional) e responsabilidade civil extra-contratual
(delitual).
A primeira assenta no não cumprimento de um obrigação proveniente de contrato e lei
ou NJU.
A segunda assenta na violação de direitos absolutos, de normas de protecção ou de
condutas, que, embora lícitas, causem danos a outrem. Divide-se ainda em três modalidades:
por factos ilícitos (483º ss.); pelo risco (499º ss.); por factos lícitos.
O nosso CC distingue claramente a responsabilidade contratual (798º ss.) da responsabilidade
extra-contratual (483º ss.).
No que diz respeito à obrigação de indemnizar, ela é tratada de forma unitária (562º
ss.). Existem, todavia, situações em que a responsabilidade contratual se funde com a extracontratual.
O mesmo facto pode dar origem aos dois tipos de responsabilidade e aí temos um cúmulo
de responsabilidade. Ex.: A obriga-se a transportar B por carro. Dá-se um acidente
provocado por A, partindo B uma perna.
No que diz respeito à obrigação de transportar juntamente com os deveres laterais, é
certo que se verificou um incumprimento defeituoso (há aqui, portanto, responsabilidade
contratual).
Questões do cúmulo de responsabilidades (3 posições)
- tese da acção híbrida: o lesado não acção poderá recorrer conforme achasse
mais adequado às normas da responsabilidade contratual ou às normas da responsabilidade
extra-contratual;
- tese da escolha pelo lesado: cabe ao lesado escolher um ou outro regime;
- tese da consumpção: o regime da responsabilidade contratual consumiria a responsabilidade
extra-contratual de forma tal que só o primeiro é que se aplicaria.
Há determinados factos que podem desencadear responsabilidade civil e penal. Através
do princípio da adesão o pedido tem que ser formulado no âmbito da acção penal, nestes
casos.
É possível transitar de uma responsabilidade extra-contratual para uma contratual. Ex.:
A atropela B e é condenado a indemnizar. Mas A não cumpre. Passa a haver aqui responsabilidade
obrigacional.

1Direito das Obrigações

Características do Direito das Obrigações
1ª - O Direito das Obrigações é um ramo de Direito civil de natureza tendencialmente patrimonial,
no entanto o direito das obrigações não se pode considerar um puro direito da autonomia privada, isto
porque temos vindo a assistir a uma crescente publicização com vista a assegurar uma melhor
protecção de certos contraentes (arrendatário, trabalhador e ainda normas protectoras dos
consumidores e daqueles que contratam por adesão).
De referir ainda que na área contratual predominam as normas supletivas, pelas quais o legislador
vem suprir a falta de disposição das partes.
2ª - O Direito das obrigações é um direito da dinâmica negocial. Dá suporte jurídico à vida negocial.
Nesse sentido o direito das obrigações vai disciplinar as seguintes matérias:
a) Circulação de bens (negócios de oneração e alienação)
b) Colaboração entre homens (prestação de serviços e trabalho subordinado)
c) Prevenção de riscos (contratos de seguros)
d) Reparação de danos (responsabilidade civil, tanto a proveniente do não cumprimento de
obrigações como a proveniente da violação de direitos subjectivos e ainda a responsabilidade
objectiva, pelo risco)
Como ramo de Direito ao serviço da dinâmica negocial que dá suporte jurídico a vida negocial, o
direito das obrigações demarca-se dos Direitos Reais, estes, são um conjunto normativo ao serviço
da estática patrimonial.
O direito das obrigações, à imagem de outros ramos de Direito regula ainda relações inter subjectivas
(entre sujeitos determinados) como adiante veremos, ao direito de crédito do credor corresponderá o
dever de prestar do devedor.
3ª - O Direito das obrigações é um sector normativo heterogéneo, isto porque, estuda realidades
tão distintas como a responsabilidade civil e os contratos.
4ª - O Direito das obrigações é um domínio relativamente estável dado a sua filiação no Direito
Romano (estabilidade temporal) e dada a sua situação no seio da chamada família Romano-
Germânica (estabilidade espacial) isto por existir uma relativa uniformidade, uma maior identidade de
soluções.
Como domínio relativamente estável, logo menos receptivo as mudanças socio-económicas, é um
Direito susceptível de ser codificado com âmbito supranacional.
Tal foi patente nos princípios do UNIDROIT (tentativa de instituir princípios uniformes na área dos
contratos internacionais.
5ª - O direito das obrigações tem uma forte ideologia ética, é, nesse sentido, permeável. Isso é
patente em varias figuras, como por exemplo na do Abuso de Direito, (especialmente na sua forma de
Venire contra factum proprium) na responsabilidade pré-contratual (art.227º, culpa in contrahendo) e
outras. Todas estas figuras são objectivações desse princípio basilar das obrigações que é a Boa-fé.
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Como sabemos, o Código Civil é uma das fontes do direito das obrigações, o Livro II, nos art. 397º a
1250º vai disciplinar toda a vida da relação obrigacional, com recurso por vezes ás normas relativas à
formação dos contratos.
O Livro II do código é composto por dois títulos. O primeiro refere-se ás obrigações em geral, já o
segundo trata dos contratos em especial.
Noção de Obrigação
Faz-se comummente referencia a um conceito amplo de obrigação, ora esse conceito mais alargado
terá de ser depurado por forma a obter um conceito mais estrito, esse sim relevante ao Direito da
Obrigações.
Obrigação em sentido amplo – é uma figura susceptível de abranger um conjunto de obrigações
que são exorbitantes ao domínio do direito das obrigações, tais como: as obrigações morais, cívicas,
religiosas, etc.
Obrigação em sentido estrito (sentido técnico) – corresponde à formulação do art.397º e é a
relação em que ao direito subjectivo atribuído a um determinado sujeito, corresponde um dever de
prestação que incumbe a outro sujeito determinado.
Assinala-se desde já o facto de se tratar de uma relação inter subjectiva, logo entre sujeitos
determinados.
A obrigação em sentido técnico vai ter como objecto uma prestação, um comportamento imposto ao
sujeito passivo, o devedor. Esse comportamento, ao qual o devedor está obrigado visa satisfazer o
interesse do credor (sujeito activo).
Importa agora fazer a distinção entre Obrigação e outras figuras, são elas:
Dever jurídico
Estado de Sujeição
Ónus Jurídico
Poder-dever
Dever jurídico – Por dever jurídico entende-se a necessidade imposta pelo direito objectivo, a uma
dada pessoa, de observar determinado comportamento. É uma ordem, um comando, uma injunção
dirigida à inteligência e à vontade doa indivíduos, que, no plano dos factos podem ou não proceder de
acordo com ele. Como tal a imposição do comportamento é normalmente acompanhada da
cominação de algum meio coercitivo.
O dever jurídico é o contrapolo do direito subjectivo, logo, está associado à possibilidade de o sujeito
activo (titular do direito) o exigir coercitivamente.
Desde já verificamos que o dever jurídico, correspondente ao direito subjectivo não se confunde com
o lado passivo da relação obrigacional (este é sempre um dever de prestação).
Aos deveres jurídicos podem corresponder, do lado activo da relação jurídica, direitos de crédito,
direitos reais, direitos de personalidade, etc.
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Como exemplo do que acabamos de dizer ateste-se no seguinte: Ao direito de propriedade (direito
real por excelência) corresponde uma obrigação de abstenção adstrita a todos os terceiros
indeterminados, a chamada obrigação passiva universal que se impõe erga omnes.
Já o dever de prestar é o contrapolo do direito de crédito. A relação obrigacional estabelece-se entre
sujeitos determinados. Ao credor importa que o devedor efectue a prestação com vista à satisfação do
seu interesse, ao devedor interessa que a obrigação rapidamente se extinga, preferencialmente
através do seu cumprimento.
Podemos concluir que o dever jurídico é uma categoria bastante mais ampla que os deveres de
prestação, sendo que estes são abarcados por aqueles. Nas obrigações existe sempre uma
correlação intersubjectiva.
Estado de Sujeição – como vimos o dever jurídico é o contrapolo do direito subjectivo, já o estado
de sujeição é o contrapolo do direito potestativo.
O direito potestativo é a faculdade concedida, pela ordem jurídica, a determinada pessoa, de, per si
ou integrada numa decisão judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à
contraparte, dizendo-se que esta fica num estado de sujeição.
O estado de sujeição consiste exactamente na situação em que a contraparte suporta na sua esfera
jurídica (sem que nada possa fazer para a isso se escusar) os efeitos da actuação do titular do direito
potestativo. Efeitos tendentes à criação, modificação ou extinção de relações jurídicas.
O titular passivo da relação nada tem de fazer para cooperar na realização do interesse da
contraparte, é precisamente na desnecessidade de consentimento do próprio para que determinada
relação se crie, modifique ou extinga na sua esfera jurídica que Botticher coloca a tónica do direito
potestativo.
Do lado activo da relação tem-se caracterizado o direito potestativo (por contraposição aos poderes
jurídicos em geral) por uma dupla nota:
a)O direito potestativo é inerente a uma relação jurídica pré-existente.
b)O direito potestativo esgota-se com o acto do seu exercício.
Como já vimos, o direito de crédito não prescinde da cooperação do devedor através da prestação
(positiva ou negativa) a que este está adstrito.
Ónus Jurídico – É a imposição de observância de determinado comportamento a um sujeito, de
forma a alcançar ou manter uma vantagem ou evitar uma desvantagem. Ex. Alguém compra um
imóvel e procede ao registo com vista a torna a aquisição oponível a terceiros.
Não é um estado de sujeição, na medida em que se exige que o interessado proceda de
determinada maneira para que os efeitos pretendidos se produzam. De igual forma, não é um dever
jurídico (excepção feita ao caso do registo predial, este sim, obrigatório e que marca a viagem de
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simples ónus para verdadeiro dever jurídico) no sentido em que o não cumprimento do ónus não
acarreta, para o onerado, qualquer tipo de sanção.
O ónus jurídico caracteriza-se por duas notas, são as seguintes:
a)O acto a que o ónus se refere não é imposto como um dever, logo, à sua inobservância não está
associada uma sanção.
b)O acto visa satisfazer o interesse do onerado e não de terceiros.
É de referir a posição do Prof. Menezes Cordeiro que, ao invés do Prof. Antunes Varela, estabelece
diferenças entre ónus e encargo ou incumbência, para Menezes Cordeiro os ónus satisfazem apenas
os interesses do onerado.
Poder-dever (poderes funcionais) – São exemplo de poderes-deveres os deveres recíprocos dos
cônjuges, poderes paternais, poderes da tutela, etc.
São direitos conferidos no interesse, não do titular ou não apenas do titular, mas também de outra ou
outras pessoas e que só são legitimamente exercidos quando se mantenham fieis à função a que se
encontram adstritos.
Assemelham-se aos direitos subjectivos e, consequentemente, aos direitos de crédito, na medida em
que conferem ao respectivo titular o poder de exigir de outrem determinado comportamento. No
entanto distinguem-se dos direitos subjectivos patrimoniais porque o titular não é livre no seu
exercício, tendo obrigatoriamente que exerce-los, por um lado e de faze-lo em obediência à função
social a que o direito se encontra adstrito, por outro.
A relação jurídica obrigacional e os seus elementos constitutivos
1-Sujeitos
2-Objecto
3-Vinculo
3.1-Garantia
1-Sujeitos – São os titulares da relação (passivo e activo). É o elemento primordial da relação e é
composto pelo credor (lado activo) e devedor (lado passivo).
O credor é a pessoa a quem se proporciona a vantagem resultante da prestação, o titular do
interesse que o comportamento do devedor visa satisfazer.
Ser titular do interesse significa:
a) Ser o credor o portador de uma situação de carência ou de uma necessidade
b) Haver bens (coisas, serviços) capazes de preencherem tal necessidade.
c) Haver uma apetência ou desejo de obter estes bens para um suprimento da necessidade ou
satisfação da carência.
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O credor é o amo e senhor da tutela do seu interesse. A tutela do seu interesse depende da sua
vontade, o funcionamento dela está subordinado à iniciativa do titular activo da relação.
Art.511º CC – A lei admite que no momento em que a obrigação se constitui o credor (sujeito activo)
não esteja determinado (mas seja determinável) no entanto, o devedor já terá de ser conhecido, já
que se assim não fosse, não se estabeleceria a obrigação. Ex. 459º - Promessa publica; 452º -
Contrato para pessoa a nomear.
O devedor é a pessoa sobre a qual recai o dever (especifico) de efectuar a prestação.
É, como sujeito passivo da relação, quem está adstrito ao cumprimento da prestação, enquanto o
credor tem, dentro da relação obrigacional, uma posição de supremacia, o devedor ocupa uma
posição de subordinação (subordinação jurídica, que não social, politica ou pessoal).
Se não cumprir pontualmente, é sobre o devedor que recaem as sanções estabelecidas na lei, e será
sobre o património do devedor que irá recair a execução destinada a indemnizar o dano causado ao
credor quando a prestação não seja voluntária ou judicialmente cumprida (art. 817º e 601º).
Apenas o credor tem direito à prestação, e esta apenas do devedor pode ser exigida.
A obrigação tem assim carácter relativo, porque vincula pessoas determinadas, ao invés dos
direitos reais ou direitos de personalidade que, como direitos absolutos que são, valem em relação a
um círculo indeterminado de pessoas (erga omnes).
No mais das vezes, existe apenas uma pessoa de cada lado da relação (um credor e um devedor)
neste caso a obrigação diz-se singular.
No entanto a obrigação pode ser plural, quer do lado activo quer do lado passivo quer,
simultaneamente do lado activo e passivo.
A persistência da obrigação (não obstante a alteração dos sujeitos)
A existência dos dois sujeitos já referidos é essencial à obrigação, como relação intersubjectiva que é
(embora se admita o previsto no art.511º).
No entanto a permanência dos sujeitos originários do vínculo não é condição essencial à persistência
da obrigação. Esta pode subsistir com todos os seus atributos fundamentais (garantias, contagem de
prazo prescricional etc.) apesar de mudar um ou ambos os sujeitos da relação.
O que se diz quanto aos sujeitos originários é igualmente valido para aqueles que lhes sucedem na
titularidade da relação.
Ex. Se A, credor de B, morrer e lhe suceder um único herdeiro, C, este ocupará o lugar de A na
relação creditória. Entendendo-se que a relação constituída entre o herdeiro (C) e o devedor (B) é a
mesma que existia na titularidade de A.
De forma idêntica se representam as coisas quando o credor cede o seu crédito a outrem (vendendoo,
doando-o ou trocando-o) ou quando um terceiro, como o fiador, paga em vez do devedor e a lei o
investe (sub-roga) na posição do credor.
A obrigação, em casos como estes, mantém-se. Falamos então em transmissão da obrigação
(atinente a estas matérias veja-se os art. 577º e SS).
A chamada ambulatoriedade da obrigação refere exactamente a ampla possibilidade de a obrigação
mudar de sujeitos, muda de mão sem perder a sua identidade.
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2-O Objecto – O objecto da obrigação consiste na prestação, conduta adstrita ao devedor (devida
ao credor).
A conduta do devedor é o meio pelo qual o credor irá alcançar determinada posição (meio através do
qual o credor verá cumprida a satisfação do seu interesse).
A prestação será positiva ou negativa, isto é, consistirá tanto numa acção como numa omissão.
A prestação é o fulcro da obrigação. Distingue-se do dever geral de abstenção próprio dos direitos
reais, já que o dever de prestar é um dever específico (apenas atinge o devedor) ao contrário da
obrigação passiva universal que se dirige a todos os terceiros.
Classificação das obrigações em função do tipo de prestação
1-A prestação pode ser de coisa ou de facto.
A prestação de coisa
Prestação de coisa – Aquelas cujo o objecto consiste na entrega de uma coisa. Por exemplo, na
hipótese de alguém comprar um bem, o vendedor obriga-se a entregá-lo (art.879º).
A definição contida no art.211º é, segundo Galvão Telles, incompleta, já que o conceito de coisa
futura é mais amplo e abrange as coisas inexistentes e as coisas ainda não autonomizadas de
outras. Os bens futuros são aqueles que, não tendo existência, não possuindo autonomia própria ou
não se encontrando na disponibilidade do sujeito, são objecto de negócio jurídico na perspectiva da
aquisição futura destas características.
No que concerne ás prestações de coisa podemos falar no objecto imediato e mediato da
prestação.
Objecto imediato – consiste na própria conduta a adoptar pelo devedor, no próprio acto de entrega da
coisa.
Prestação de
coisa
Coisa presente
Coisa futura art.211º e 399º
Podemos distinguir entre objecto imediato e mediato da
obrigação
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Objecto mediato – consiste na coisa em si, no objecto da prestação, o bem sobre o qual incide a
compra e venda.
Podendo existir na prestação de coisa a distinção que acabamos de assinalar, é de referira posição
do Prof. Menezes Leitão; “O interesse do credor verifica-se normalmente em relação à coisa, que
tem um existência independente da prestação, e não em relação à actividade do devedor. No entanto,
o direito de crédito nunca incide directamente sobre a coisa, antes sobre a conduta do devedor, já que
se exige sempre a mediação da actividade do devedor para o credor obter o seu direito. Daí que
mesmo nos casos de prestações de coisa, o credor não tenha qualquer tipo de direito sobre a coisa, o
que só sucede no caso dos direitos reais, mas antes um direito a uma prestação, que consiste na
entrega dessa coisa.
A Prestação de Facto
Prestação de facto – São aquelas quem consistem em realizar uma conduta de outra ordem, como
na hipótese de alguém se obrigar a cuidar de um jardim (art.1154º).
Prestações de facto material – São aquelas prestações em que a conduta que o devedor se
compromete a realizar é uma conduta puramente material, não destinada à produção de efeitos
jurídicos (ex. realizar ou não determinada obra).
Prestações de fato jurídico – A conduta do devedor aparece destinada à produção de efeitos
jurídicos, sendo assim esse resultado jurídico incluído na prestação (ex. mandato, celebrar ou não
celebrar determinado contrato).
Prestações de facto positivo (facere) – aquelas em que a prestação tem por objecto uma acção.
a)Prestações fungíveis – aquelas em que a prestação pode ser realizada por outrem, que não o
devedor, podendo este fazer-se substituir no cumprimento, art.767º.
b)Prestações infungíveis – aquelas em que só o devedor pode realizar a prestação, não sendo
permitida a sua realização por terceiro, art.767º.
Prestação de facto, material ou jurídico
Positivo (facere) Negativo
Fungível Infungível
Infungibilidade natural
Infungibilidade convencional
Pati Non facere
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Regra geral as prestações são fungíveis, no entanto o art.767º admite a infungibilidade de certas
prestações, essa infungibilidade pode ser natural (quando a substituição do devedor cause
prejuízos ao credor) ou convencional (quando os titulares da relações houverem acordado que a
prestação apenas poderá ser cumprida pelo devedor).
A fungibilidade da prestação tem uma importância especial para efeito da execução específica da
obrigação. Efectivamente, se a prestação é fungível, pode o credor, sem prejuízo para o seu
interesse, obter a realização da prestação de qualquer pessoa e não apenas do devedor. Admite-se,
por isso, que o credor requeira ao tribunal que determine a realização da prestação por outrem a
expensas do devedor, art.827º, 828º e SS.
Se a prestação é infungível, a substituição do devedor no cumprimento já não é possível, pelo que a
lei não admite a execução específica da obrigação. Admite-se porem, em alguns casos a aplicação de
uma sanção pecuniária compulsória, que visa coagir o devedor a cumprir a obrigação, art.829º-A.
De referir ainda o regime específico a que as obrigações infungíveis estão sujeitas, em caso de
impossibilidade da prestação, uma vez que nelas a impossibilidade relativa à pessoa do devedor
acarreta mesmo a extinção da obrigação, em virtude de não ser admitida a sua substituição no
cumprimento, art.791º.
Prestações de facto negativo – Aquelas em que a prestação tem por objecto uma omissão do
devedor, estas subdividem-se em:
a)Prestações d e n on facere – aquelas em que a omissão se dirige à não adopção de determinada
conduta.
b)P restações de p at i – aquelas em que a omissão se dirige ao tolerar de determinada conduta de
outrem.
Prestações instantâneas e duradouras
Prestações instantâneas – são aquelas cuja execução ocorre num único momento (ex. entrega da
coisa no contrato de compra e venda, art.879ºb).
Contidas nas prestações instantâneas estão:
a)Prestações instantâneas integrais – são as que são realizadas de uma vez só (ex. realização da
obra pelo empreiteiro, art.1208º).
b)Prestações instantâneas fraccionadas – são aquelas em que o seu montante global é dividido em
varias fracções, a realizar sucessivamente (ex. o pagamento do preço na venda a prestações, art.
934º).
Prestações duradouras – aquelas cuja execução se prolonga no tempo, em virtude de terem por
conteúdo ou um comportamento prolongado no tempo ou uma repetição sucessiva de prestações
isoladas por um período de tempo (ex. as prestações relativas ao contrato de locação).
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O essencial para a caracterização de uma prestação como duradoura é que a sua realização global
dependa sempre do decurso de um período temporal, durante o qual a prestação deve ser continuada
ou repetida.
Neste sentido, podemos distinguir, dentro das prestações duradouras:
a)Prestações duradouras continuadas – a prestação não sofre qualquer interrupção (ex. a prestação
do locador, art.1031º b)).
b)Prestações duradouras periódicas – a prestação é sucessivamente repetida em certos períodos de
tempo (ex. o pagamento da renda pelo locatário, art.1038º a)). Trata-se de uma prestação duradoura
no sentido em que aumenta em função do decurso do tempo.
Pelo contrário, as prestações instantâneas não têm o seu conteúdo e extensão delimitados em função
do tempo.
As prestações instantâneas fraccionadas podiam confundir-se com as prestações duradouras
periódicas. A distinção é facilmente perceptível.
Nas prestações instantâneas fraccionadas está-se perante uma única obrigação cujo objecto é
dividido em fracções, com vencimentos intervalados, pelo que há sempre uma definição prévia do seu
montante global e o decurso do tempo não influi no conteúdo e extensão da prestação, mas apenas
no seu modo de realização.
Nas prestações duradouras periódicas, verifica-se uma pluralidade de obrigações distintas, embora
emergentes de um vínculo fundamental que sucessivamente as origina, pelo que, por definição, não
pode haver qualquer fixação inicial do seu montante global, já que é o decurso do tempo que
determina o número de prestações que é realizado. Assim, o locatário só deve as rendas
correspondentes ao tempo de duração do contrato de locação, sendo sempre em função do decurso
do tempo que se determina o conteúdo da sua obrigação.
O facto do decurso do tempo determinar o conteúdo da obrigação e não apenas o momento em que
esta deve ser realizada é assim o que distingue as prestações duradouras das instantâneas.
Prestações de resultado e prestações de meios
Prestações de resultado – o devedor vincula-se a obter um resultado determinado, respondendo por
incumprimento se tal resultado não for alcançado.
Prestações de meios – o devedor não está obrigado à obtenção do resultado, apenas a actuar com
a diligência necessária para que esse resultado seja obtido.
A distinção entre prestações de resultado e prestações de meio veio a ser alvo de criticas na doutrina,
Gomes da Silva demonstra o fracasso da distinção. Com efeito, mesmo nas obrigações de meios
existe a vinculação a um fim, que corresponde ao interesse do credor, e se o fim não é obtido
presume-se sempre a culpa do devedor. Efectivamente, em ambos os casos aquilo a que o devedor
se obriga é sempre uma conduta (a prestação), e o credor visa sempre um resultado, que
corresponde ao seu interesse (art. 398ºnº2).
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Por outro lado, cabe sempre ao devedor o ónus da prova de que realizou a prestação (art.342º nº2)
ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (art.799º)
Prestações determinadas e prestações indeterminadas
Resulta dos art. 280º e 400º que a prestação, enquanto objecto da obrigação, não necessita de se
encontrar determinada no momento da conclusão do negócio, bastando que seja determinável. Como
tal distinguimos entre:
Prestações determinadas – São aquelas em que a prestação se encontra completamente
determinada no momento da constituição da obrigação.
Prestações indeterminadas – São aquelas em que a determinação da prestação ainda não se
encontra realizada, pelo que essa determinação terá que ocorrer até ao momento do cumprimento.
Razões para a indeterminação da prestação no momento da conclusão do negocio:
Essa indeterminação pode resultar do facto de as partes não terem julgado necessário tomar
posição sobre o assunto, em virtude de existir regra supletiva aplicável, ou de pretenderem aplicar ao
negócio as condições usuais do mercado.
Outras vezes resulta de as partes terem pretendido conferir a uma delas a faculdade de efectuar
essa determinação, porque só essa parte tem os conhecimentos necessários para o poder fazer
adequadamente.
As partes podem acordar que essa informação seja fornecida à outra parte antes da celebração do
contrato. Nesses casos a prestação vem a ser determinada durante as negociações, o que permite
que esteja determinada no momento da conclusão do negócio.
Quando, porem, essa circunstancia não ocorre, tal significa que as partes delegaram numa delas a
faculdade de determinar o conteúdo da prestação. Essa situação pode qualificar-se como um poder
potestativo, que tem como contrapolo um estado de sujeição a contraparte vai ver o conteúdo da
prestação ser determinado pela outra parte.
No entanto, e ao abrigo do art.400º, o poder de determinar a prestação nunca é absoluto.
Requisitos do objecto da obrigação
Discute-se se ao lado da possibilidade física e legal, da licitude e da determinabilidade, há ainda
lugar aos requisitos da patrimonialidade e da autonomia como requisitos constitutivos das
obrigações.
Grande parte da doutrina estabelece que as prestações sem valor patrimonial são validas, tal é
perceptível na formulação do art.496º, que refere a ressarcibilidade por danos não patrimoniais e de
forma extensiva na norma do art.398º nº2.
Prescinde-se assim, de que a prestação tenha valor económico, ou seja, susceptível de avaliação
pecuniária, bem como não se exige que o interesse do credor na prestação tenha carácter
patrimonial.
Assim sendo, a lei apenas estabelece dois requisitos, são eles:
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1) A prestação (estipulada) corresponda a um interesse real do credor.
2) Esse interesse do credor deve ser digno de protecção legal.
São, portanto objecto possível de obrigações:
a) As prestações de carácter patrimonial
b) As prestações, que embora se destinem a satisfazer interesses de ordem não patrimonial são
susceptíveis de avaliação económica (ex. lições de musica leccionadas por um professor
qualificado)
Quanto ás prestações de carácter não patrimonial e não susceptíveis de avaliação económica, a lei,
ao estabelecer os critérios já referidos pretende:
1-Afastar as prestações que correspondem a um mero capricho ou a uma simples mania do credor.
2-Excluir as prestações que, podendo ser dignas de consideração de outros complexos normativos,
como por exemplo a religião, a moral, a cortesia, não merecem a tutela especifica do direito.
A prestação, há-de, em suma, satisfazer uma necessidade séria e razoável do credor, que justifique
socialmente a intercessão dos meios coercitivos próprios do direito.
Um outro requisito que também pode condicionar não a validade da prestação, mas a aplicação das
normas do Livro II é o Requisito de autonomia:
As normas do Livro II do C.C. só são aplicáveis a obrigações autónomas, e nessa medida a
autonomia assume especial interesse na sua aplicação.
As obrigações autónomas (latu sensu) são de dois tipos:
a) Obrigações autónomas puras ou perfeitas - constituem-se não existindo entre as partes
qualquer vínculo prévio ou preexistente - ex.: obrigações que nascem dos negócios unilaterais e
dos contratos terão sido criadas pelo mesmo, mas antes do contrato ou do negócio não existia
qualquer relação jurídica preexistente entre as partes.
b) Obrigações autónomas imperfeitas - nascem havendo previamente uma relação jurídica ou
vinculação de tipo genérico entre o obrigado (devedor) e o credor - ex.: obrigação de indemnização,
que deriva da violação de deveres genéricos (ex. obrigação passiva universal)
A estas duas obrigações, como vimos, aplicam-se as normas constantes do Livro II do Código Civil.
Nem todas as obrigações, porém, são obrigações autónomas. Há também as obrigações não
autónomas. A sua característica é a de que as obrigações não autónomas nascem enxertadas em
relações jurídicas já existentes, e estão condicionadas por essas relações jurídicas existentes, isto é,
são obrigações que pressupõem a existência prévia entre as partes de um vínculo especial de outra
natureza, ex.: obrigação que recai sobre os condóminos de um prédio em regime de Propriedade
horizontal (têm a obrigação todos eles de pagar as despesas comuns ou de condomínio), neste
caso, a relação jurídica preexistente é a Propriedade horizontal, art. 1424º; a obrigação do
possuidor ou detentor da coisa a restitui-la ao proprietário, etc.
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Também nos outros ramos de Direito existem inúmeras obrigações não autónomas:
a) Temos como exemplo do Direito da Família, a obrigação de alimentos, que se enxerta em
relações familiares, por exemplo em situações de crise de casamento, ou em relações de filiação,
art. 2009º, n.º1
b) Como outro exemplo agora no âmbito do Direito das Sucessões, veja-se a obrigação que algum
dos herdeiros pode ter de cumprir o legado, que é gerada por uma situação testamentária anterior,
art.2068º e SS.
O problema que aqui se coloca é o de saber se podemos aplicar a obrigações não autónomas o
regime previsto no Livro II do C.C.
Actualmente, a doutrina crê que as obrigações não autónomas são estruturalmente idênticas às
obrigações autónomas, logo nada justifica que não se lhes apliquem as normas do Livro II. Ou seja,
devem em princípio as disposições reguladoras das obrigações considerar-se aplicáveis também às
chamadas obrigações não autónomas - Pires de Lima/Antunes Varela, interpretação do art.397º, o
qual não alude de qualquer forma a esse requisito na definição do vínculo obrigacional, seguindo-se a
orientação de Vaz Serra; Contra, Guilherme Moreira). Porém, uma limitação surge neste âmbito:
não podemos aplicar as normas das obrigações autónomas (Livro II C.C.) às obrigações não
autónomas quando elas contrariem as normas especiais (específicas, particulares, próprias)
respeitantes às próprias obrigações não autónomas (e a sua própria especificidade), desde logo pela
regra geral de Direito que diz que a norma especial prevalece sobre a norma geral.
Ex. Na obrigação de alimentos, marcadamente pessoal, o respectivo crédito não pode ser cedido,
ao contrário do que acontece nas obrigações autónomas em que por exemplo o senhorio pode ceder
a um terceiro as suas rendas (art.2008º); possibilidade de o comproprietário se eximir ao pagamento
das despesas com a coisa comum, renunciando ao seu direito a favor dos credores (art.1411º, n.º1).
Fora dos casos previstos na lei, a doutrina considera que o regime geral das obrigações (Livro II)
será aplicável às obrigações não autónomas, salvo quando a origem da obrigação ou o fim a que
ela se encontre adstrita não se coadune com a solução prescrita para o comum das obrigações.
3-Vinculo jurídico – o vinculo jurídico forma o núcleo centra da obrigação, o elemento substancial da
economia da relação, nesse sentido, dir-se-á que o vinculo jurídico é o nexo ideal que une os poderes
do credor aos deveres do devedor (binómio direito de exigir/dever de prestar).
O vínculo estabelecido entre o devedor e o credor constitui o elemento verdadeiramente irredutível da
relação. Nele reside o cerne do direito de crédito, como resulta do art.397º, “obrigação é o vínculo...”
Segundo Coelho da Rocha é o “vínculo legal pelo qual é alguém adstrito a dar, fazer ou pagar
alguma coisa”.
A natureza pessoal e não real da ligação
No âmbito da ligação incindivel entre o dever e o direito, entendemos ser necessário a cooperação
por parte do obrigado, não obstante que, a intervenção de terceiros (nas obrigações fungíveis) bem
como o mecanismo executivo diluam essa concepção.
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Diz-se, então, que o cumprimento da obrigação não prescinde de um comportamento do devedor.
A relação de subordinação estabelecida entre os titulares da relação traduz-se, no poder que tem o
credor de exigir a prestação, no dever que recai sobre o devedor de a efectuar e na sanção aplicável
ao devedor inadimplente ou em mora a requerimento do credor lesado.
É neste ultimo ponto (a possibilidade de exigir coercitivamente o cumprimento) que reside a distinção
entre obrigações civis ou perfeitas e obrigações naturais, nestas, tem o credor o poder de
pretender que o devedor cumpra a sua obrigação, nunca a possibilidade de o exigir de forma
coerciva.
Pode, no entanto, o credor reter a prestação a titulo de pagamento, caso o devedor a preste
livremente, esse cumprimento espontâneo do devedor é tido como válido e sujeito a retenção por
parte do credor (solutio retentio), logo, sem possibilidade de repetição por parte do devedor, art.402º.
Referimos há pouco que o cumprimento da obrigação não prescinde de um comportamento do
devedor, no entanto podemos apontar algumas excepções.
a) Situações em que a prestação pode ser efectuada por terceiros (ex. prestação de facto
fungível)
b) O caso em que o devedor (num contrato promessa) não celebre o contrato prometido, e que
por via de decisão judicial se possa superar a falta de declaração do promitente faltoso.
Dentro do elemento Vinculo podemos destacar três sub-elementos, o direito à prestação, o dever
de prestar e a garantia.
Garantia – A lei não se limita a impor um dever de prestar ao obrigado e o correlativo direito à
prestação ao credor, mais, procura assegurar também a realização coactiva da prestação.
No entanto, na impossibilidade de actuação directa do credor, (como prescrito pelo art.1º C.
Processo C.) vai-se conceder ao lesado o recurso à acção dos tribunais, logo, será este subelemento
o que atribuirá mais carácter de juridicidade ao vínculo entre credor e devedor.
A acção creditória (acção de cumprimento e execução) art.817º
É o poder de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, quando o devedor não cumpra
voluntariamente, e executar o património deste.
Podemos destacar uma dupla dimensão na Acção de cumprimento e execução:
Dimensão declarativa – Nesta fase o tribunal vem dizer que determinado direito existe na pessoa do
credor e o devedor está em incumprimento.
Dimensão executiva – Nos casos em que o devedor persista em incumprimento, vem a ser dada a
hipótese, ao credor de agredir o património do devedor.
O fim último da execução consiste em proporcionar ao credor a realização do interesse que a
prestação visava facultar-lhe, ou uma satisfação tão próxima quanto possível desse interesse
(indemnização do prejuízo causado ao credor pelo incumprimento).
Segundo o art.601º o património é a garantia geral das obrigações. Com efeito, vista do lado do
devedor, a garantia traduz-se fundamentalmente na responsabilidade do seu património pelo
1
cumprimento da obrigação e na consequente sujeição dos bens que o integram aos fins específicos
da execução forçada (quem deve também responde).
Caso se trate de uma obrigação de entrega a execução será para entrega de coisa certa, art.928º
C. Processo C: e 827º CC.
Caso a prestação seja de facto fungível a execução vai ser para a prestação de facto por terceiro a
expensas do devedor.
Já a execução para entrega de quantia certa usa-se quando a prestação é de natureza pecuniária.
Esta processa-se através da penhora judicial do património do devedor e subsequente venda, com
vista à satisfação do crédito do devedor/s
Caso a obrigação tenha por objecto um facto infungível o credor recorrerá à execução por quantia
certa para obter uma indemnização pelos prejuízos por ele havidos em função do inadimplemento
(isto porque tratando-se do um facto infungível só poderá ser cumprido pelo próprio devedor).
A execução pode assegurar ao credor a satisfação integral do seu interesse, nos casos em que a
prestação seja de facto fungível, ou naqueles em que a natureza da obrigação seja pecuniária.
No entanto o credor já não vê o seu interesse realizado nos casos em que a execução se destina a
indemnizar, diz-se, nestes casos, que a execução não proporciona a satisfação integral do interesse
do credor.
Visto a garantia possuir um valor fundamental para a exequibilidade pratica da obrigação, a lei faculta
aos credores meios de a conservarem, reagindo contra certos actos que podem diminuir o património
(do devedor) ou impedir o aumento do seu valor.
Mecanismos destinados a prevenir o incumprimento (procedimentos judiciais emergentes)
São disso exemplo os art. 605º e SS, onde se prevê a declaração de nulidade, a sub-rogação do
credor ao devedor, a impugnação pauliana e o arresto (art.406º C. Processo C.).
Sempre que exista, é a acção creditória (acção de cumprimento e execução) que melhor caracteriza a
juridicidade do vínculo.
É a possibilidade de realização coactiva da prestação (ou de indemnização do prejuízo pela sua falta)
que mais expressivamente afirma o direito à prestação e impõe o dever de a efectuar.
No caso do contrato de promessa, diz-nos o art.830º, que em caso de não cumprimento, pode o
promitente interessado obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente
faltoso.
Cabe ainda referir que a lei pode dispensar a fase declarativa da acção de cumprimento,
permitindo ao credor a passagem directa à fase de execução, bastará para isso que o credor faça
prova que o seu direito existe, tem determinadas características e que o devedor está inadimplente.
Esta prova pode ser feita através de sentença judicial ou através de certificação das características do
crédito (títulos executivos, art.46º C. Processo C.).
1
Procedimento de injunção, art. 7º DL 269/98 – considera-se injunção a providencia que tem por fim
conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações.
Tutela do credito
A tutela do crédito pode fazer-se noutras instâncias que não os tribunais ex. arbitragem, (ad hoc ou
institucionalizada) procedimentos de conciliação, etc...
Pode ainda efectuar-se pela via privada, isto é, através da fixação de cláusulas penais ou
compulsórias nos contratos, estas visam dissuadir o incumprimento.
A auto-tutela (nos termos do art.1º C. Processo C.) justifica-se não só quando completa a tutela
pública, mas também quando se torna necessária pelos condicionalismos da tutela pública, ex.
legitima defesa.
São casos de auto-tutela os seguintes:
Invocação de excepção do incumprimento, art.428º
Direito de retenção, art.754º e SS
Reserva de propriedade
E ainda, o estado de necessidade, art.339º, a legitima defesa, art.337º e a acção directa, art.336º.
A relatividade obrigacional face à natureza absoluta (e solitária) dos direitos reais
O traço mais saliente da distinção assenta no carácter relativo que têm as obrigações e na natureza
absoluta que revestem os direitos reais.
Direitos Reais
Valem erga omnes, são jura excluendi omnes alios, isto é, ao direito real de um sujeito corresponde
uma obrigação passiva universal.
São direitos de solidão que incidem directamente sobre os bens.
O seu carácter absoluto é facilmente visível na característica do direito de sequela (droit de suite),
e no direito de preferência.
O direito de sequela traduz-se na faculdade conferida ao titular de fazer valer o seu direito sobre a
coisa onde quer que esta se encontre (ubi rem mean invenio ibi vindico).
Para Carvalho Fernandes, direito de sequela é, a possibilidade de o direito real ser exercido sobre
a coisa que constitui o seu objecto, mesmo quando na posse de outrem, acompanhando-a nas suas
vicissitudes onde quer que se encontre.
No que concerne ao direito de preferência a doutrina diverge. Menezes Cordeiro pugna pela não
existência desta característica, ao invés de Carvalho Fernandes.
Para o ultimo, o direito de preferência, trata-se da prioridade dos direitos reais sobre os direitos de
crédito e sobre todos os direitos reais de constituição posterior.
1
Para Antunes Varela, o direito de preferência consiste no facto de o direito real sacrificar toda a
situação jurídica posteriormente constituída sobre a mesma coisa sem o concurso da vontade do
titular daquele, na medida que uma e outra sejam incompatíveis entre si (prior tempore potior iure).
Como veremos adiante o direito de preferência comporta excepções
Direitos Obrigacionais
Os direitos de crédito operam inter partes, isto é, apenas vinculam as pessoas determinadas ou
determináveis que são os sujeitos da relação. Valem, em princípio, somente a favor do credor e
contra o devedor.
Fala-se em pessoas determinadas ou determináveis, isto porque, de acordo com o art.511º, para que
a obrigação se considere validamente constituída é necessário que a pessoa do devedor esteja
determinada, já a pessoa do credor poderá não estar determinada nesse momento mas deve ser
determinável no sentido de que devem estar indicados meios ou fixados os critérios capazes de
conduzirem à sua identificação ou individualização.
São direitos de cooperação na medida em que o cumprimento da obrigação não prescinde de uma
conduta do devedor.
Os direitos de crédito vão concorrer com os demais direitos de crédito em relação ao mesmo
devedor (a menos que o direito de algum dos credores goze de especial protecção, art.605º)
São direitos relativos, também porque existe a possibilidade de se constituir vários direitos sobre o
mesmo objecto, só se podendo, claro está, cumprir a prestação por uma vez. Ex. A promete vender
certa coisa a B, não gozando a promessa de eficácia real. Mais tarde vem a vender a coisa a C, B
não poderá reagir contra essa alienação, tendo de contentar-se com o direito de indemnização.
Efeito externo das Obrigações
Como direitos relativos que são, dir-se-á que esgotam a sua eficácia na relação inter-partes, como tal,
terceiros não serão susceptíveis do violar a obrigação (com a sua conduta).
Há, no entanto, situações em que terceiros, não estando vinculados à obrigação são abrangidos pela
relação. Com efeito, a relatividade essencial do direito de credito não obsta a:
a) A lei considere excepcionalmente oponíveis a terceiros algumas relações que na sua essência,
são autênticas relações obrigacionais.
b) Que a relação de credito, na sua titularidade, constitua um valor absoluto, como tal oponível a
terceiros.
A lei pode, para satisfazer interesses relevantes, impor ou permitir a oponibilidade a terceiros de
relações estruturalmente obrigacionais (por assentarem fundamentalmente num dever de prestar e
correlativo direito à prestação).
1
Assim sucede com a relação locatícia, que embora sendo de natureza obrigacional não deixa de ser
oponível pelo locatário ao terceiro adquirente do direito (normalmente de propriedade) com base no
qual o contrato foi celebrado, art.1057º, emptio non tollit locatum.
O mesmo sucede com a promessa de alienação (ou oneração) de imóveis ou móveis sujeitos a
registo que goze de eficácia real, art.413º.
A Função da Obrigação
A obrigação não constitui um fim em si mesma, antes um meio, um instrumento técnico-jurídico criado
por lei ou predisposto pelas partes, para a satisfação de um certo interesse.
O interesse primário é, desde logo, a satisfação do interesse do credor.
O interesse do credor assenta na necessidade ou situação de carência de que ele é portador e na
aptidão da prestação para satisfazer tal necessidade.
Neste sentido o interesse do credor define a função da obrigação. Função que consiste na satisfação
do interesse concreto do credor, proporcionada através do sacrifício imposto ao devedor pelo vinculo
obrigacional.
Podemos então falar numa dupla dimensão da relação de crédito.
Por um lado como realização do interesse do credor, por outro como comando que impõe
determinada conduta ao devedor.
Apesar de se tratar de um elemento externo (exterior) à estrutura da obrigação, o interesse do
credor a que ela se encontra adstrita exerce uma influência decisiva em múltiplos aspectos do seu
regime. Isso é flagrante na formulação do art.398º nº2.
Diz-nos o art.767º que a prestação pode ser efectuada por terceiro em lugar do devedor.
Nesta situação, não funciona o mecanismo da obrigação, mas atinge-se o fim ou preenche-se a
função para que ele foi instituído.
Entende-se, por isso, que o credor apenas possa recusar a prestação, na falta de acordo que exclua
a intervenção de terceiro, quando a substituição o prejudique.
Já se o interesse objectivo do credor na prestação desaparecer por causa superveniente, a obrigação
extingue-se, porque suprimida a necessidade que servia de fundamento a tal interesse, cessa a razão
de ser do vínculo obrigacional.
É ainda pelo interesse do credor que a lei manda pautar a resolução de alguns problemas delicados,
tais como:
Saber se a prestação é ou não fungível
1
Para determinar se a impossibilidade de cumprimento deve considerar-se temporária ou definitiva
(art.792º nº1 e 2) e se a impossibilidade parcial da prestação proveniente de causa não imputável ao
devedor há-de ou não, ser equiparável à impossibilidade total, art.793ºnº2.
Para delimitar os casos em que a mora do devedor equivale à falta definitiva de cumprimento,
art.808ºnº1 e 2.
Para fixar os termos em que a impossibilidade parcial da prestação, imputável ao devedor não
legitima a resolução do negocio, art.802º.
Para calcular o montante da indemnização a que o credor tem direito, no caso de a obrigação não
ser cumprida, art.566º nº2.
A obrigação como valor do património do credor (o valor patrimonial da obrigação e do direito
correspondente)
A obrigação não vale apenas ou em função do comportamento que o credor pode exigir do devedor a
partir da data de vencimento da prestação.
Antes que a prestação debitória possa ser exigida ou seja efectivamente realizada, já o poder jurídico
do credor, economicamente considerado representa (sempre que a prestação seja susceptível de
avaliação pecuniária) um elemento actual do seu património.
O valor patrimonial do crédito assenta na expectativa do seu cumprimento, reforçada pela garantia
geral que incide sobre o património do devedor ou pelas garantias especiais que confiram ao credor
uma posição de supremacia perante os demais credores.
Através do poder de disposição, que em principio, integra todos os direitos patrimoniais. O credor
pode utilizar o valor económico do seu direito quer como objecto de alienação ou de oneração, quer
como instrumento de crédito.
O crédito é, por conseguinte, um objecto do comércio jurídico como qualquer outro direito patrimonial.
As formais mais vulgares, através das quais se efectiva o poder de disposição do credor nas
obrigações civis são:
A cessão de créditos – negocio jurídico através do qual o credor transmite a terceiro a titularidade do
seu direito ou parte dele, independentemente do consentimento do devedor, art.577º e SS.
O Penhor sobre o credito mediante o qual o credor constitui a favor de um dos seus credores um
direito de preferência no concurso em os demais credores, art.679º e SS.
Cabe ainda referir o interesse do devedor, esse, será primordialmente o da extinção da obrigação,
preferencialmente através do cumprimento, art.779º, 539º, 543º nº2.
Princípios Fundamentais do Direito das Obrigações
São os seguintes:
1-Autonomia Privada
2-Boa-fé
3-Tutela do Sujeito mais Débil
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4-Proporcionalidade
5-Responsabilidade Patrimonial
6-Heteroresponsabilidade
7-Auto-responsabilidade
1-Autonomia Privada – conformação autónoma das relações jurídicas por parte do individuo com
base na sua vontade livremente formada.
Segundo Menezes Leitão, consiste na possibilidade que alguém tem de estabelecer as suas próprias
regras.
Tecnicamente, porém, deve-se referir que as regras jurídicas se caracterizam pela generalidade e
abstracção, pelo que elas não podem ser criadas por acto de privados. Efectivamente, o que os
privados criam são comandos que só para eles vigoram. Nesse sentido, a autonomia privada é a
possibilidade de alguém estabelecer os efeitos jurídicos que se irão repercutir na sua esfera jurídica.
Por esse motivo a autonomia privada não se confunde com o direito subjectivo. Na autonomia privada
existe uma permissão genérica de conduta, a todos os sujeitos da ordem jurídica é reconhecida esta
possibilidade de produção de efeitos jurídicos.
Por isso se pode dizer, segundo Menezes Cordeiro, que a autonomia privada é uma permissão
genérica de actuação jurígena. A autonomia privada é assim um espaço de liberdade, já que, uma vez
respeitados certos limites, poderão as partes livremente desencadear os efeitos jurídicos que
pretendem.
Quanto a estabelecimento e conformação das suas relações jurídicas, os particulares são livres: eles
agem de acordo com a sua autonomia privada, quer dizer, conforme a sua livre vontade de firmar
relações jurídicas ou não. Fundamento para criação e ordenação daquelas relações é tão-só a
vontade livremente formada. Deste modo o Direito Privado visa e protege a preservação da liberdade
de actuação do indivíduo. Porem uma vez que é à própria vontade autónoma que se devem as
relações jurídicas bem como os seus efeitos, o indivíduo fica também responsabilizado no que toca às
consequências da sua actuação
Pilar maior da liberdade jurídica é essencialmente na veste de liberdade contratual que a Autonomia
Privada assume a sua melhor expressão.
De uma forma geral esta liberdade reflecte-se em duas dimensões, liberdade quanto à celebração
do contrato e liberdade quanto à fixação de conteúdo do mesmo.
Ao endeusamento da autonomia privada segue-se a constatação de que o contrato não assentava
numa igualdade jurídico-economica. Representava, segundo M. Villey, “a distorção entre a teoria e a
realidade”.
Com efeito, chegou-se à conclusão que o Estado, no interesse colectivo, não podia permitir que a
liberdade contratual se traduzisse num jogo desleal, em proveito do mais forte.
Essa preocupação conduziu à intervenção do Estado e à contenção da liberdade contratual.
O contrato, tal como foi idealmente concebido pelos liberais, como meio de conformação de relações
entre sujeitos juridicamente iguais economicamente idênticos via-se ultrapassado.
Na sociedade hodierna, muitos são os grupos económicos solidamente enraizados pela lógica
capitalista, que oferecem os seus serviços e produtos em massa. Por essa razão se começou a
1
verificar casos em que a lex-contractus é praticamente elaborada por um dos contraentes, sem
discussão prévia do clausulado, e destinada a ser aceite, sem mais pelo contraente em posição
menos favorável. A esse, resta a faculdade de aceitar o clausulado ou não, nunca de debater o ser
conteúdo.
Contrato de adesão – Aquele em que um dos contraentes (aderente, consumidor) não tendo a
menor participação na preparação e redacção do clausulado, se limita a aceitar o texto que o outro
contraente oferece (ex. contratos de fornecimento de luz ou água).
Face a esta realidade, diga-se, crescente, sentiu-se a necessidade de regular os contratos nos quais
figurassem as chamadas clausula contratuais gerais.
Essa regulação efectivou-se através do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro.
Este DL vem regular os contratos que recorrem à utilização de cláusulas contratuais gerais em duas
dimensões:
a)No atinente à formação do contrato – vem-se assegurar que existe, por parte do aderente, um
conhecimento pleno do clausulado, art.5º e SS DL 446/85.
b)Em relação à fixação do conteúdo do contrato – vem-se proibir a inserção de cláusulas contrárias à
boa-fé, art.15º DL 446/85.
O legislador pretendeu, na medida do possível, alcançar uma justiça comutativa, uma lógica de
equilíbrio entre prestações.
Desde logo foi necessário disciplinar o plano jurídico-processual.
Como é sabido o pequeno consumidor/aderente tem dificuldades em litigar com uma grande
empresa, foi por isso criado o instituto da acção inibitória (a tratar adiante).
O DL 446/85 dá-nos a definição de cláusula contratual geral no seu art.1º. O mesmo diploma
estabelece a nulidade de qualquer cláusula contrária à boa-fé.
O DL 446/85 vem, ainda, disciplinar as relações entre empresários ou entidades equiparadas, art.17º
a 19º; E entre produtores e consumidores finais, art.20º a 22º.
O diploma, nessa distinção, estabelece uma lista (meramente exemplificativa) de cláusulas
absolutamente proibidas e clausulas relativamente proibidas.
Clausulas absolutamente proibidas – São nulas sem mais, sem possibilidade de apreciação pelo juiz.
Clausulas relativamente proibidas – O julgador vai ter a possibilidade de avaliar se as clausulas
podem ou não ser inseridas no contrato.
De salientar que, no caso de uma cláusula não encontrar correspondência numa das listas de
cláusulas absoluta e relativamente proibidas, ela poderá sempre cair no âmbito de aplicação do
art.15º do DL 446/85, isto porque, como se disse as listas são meramente exemplificativas, que não
taxativas e exaustivas.
Plano da interpretação
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Art.10º DL 446/85 – vai-se atender ás circunstancias de cada contrato, ás vicissitudes de cada
situação.
Art.11º DL 446/85 – em caso de duvida vai prevalecer o sentido mais favorável ao aderente (veremos
que nem sempre assim será).
Plano das regras processuais
Acção inibitória – vem conferir legitimidade activa a entidades representativas dos particulares,
art.26º DL 446/85.
Esta será intentada com vista a obter uma decisão judicial preventiva, isto é, a proibição de cláusulas
contratuais com certo conteúdo, em momento anterior à sua inclusão num determinado contrato,
antes de existir um litígio concreto.
O objectivo é impedir o contraente que formula as cláusulas de as incluir em contratos a celebrar
futuramente.
No que concerne à legitimidade passiva, refere-se o art.26º DL 446/85 e têm-na quem, propuser
contratos dotados de clausulas contratuais gerais, quem aceitar contratos nessa situação e ainda
quem recomendar esses contratos a terceiros.
A acção inibitória, vantagens e criticas.
Tem carácter colectivo, isto é, visa proteger interesses gerais, nesse sentido a eficácia da decisão
proferida pelo tribunal em sede de acção inibitória é ultra partes, com efeito, a empresa ou entidade
condenada a retirar a clausula não a poderá incluir em contratos a celebrar futuramente.
No entanto esta eficácia não é absoluta, visto que, empresas que utilizem cláusulas semelhantes, o
poderão fazer até decisão transitada em julgado a elas aplicável.
O facto de, em sede de acção inibitória uma cláusula não ser proibida não significa que em caso de
controlo incidental não possa, ela, ser considerada invalida.
O princípio de que há pouco referimos, de em caso de dúvida a interpretação ser no sentido mais
favorável ao aderente não procede em sede de acção inibitória, como prescreve a norma do art.11º
nº3 DL 446/85.
Fundamento para a não aplicação do principio de interpretação com sentido mais favorável ao
aderente é o facto de em sede de acção inibitória se ir proceder a um controlo da legalidade da
norma, isto é, a norma vai ser testada, vai-se aferir a sua conformidade à lei. Como tal, não faria
sentido a sua interpretação, não obstante no sentido mais favorável ao aderente, visto que isso
implicaria a sua aplicação.
Logo, a norma apenas será aplicada se conforme à lei e não por ser ou não mais favorável ao
aderente.
2-Boa-fé – A boa-fé é um princípio regedor do Direito das obrigações, com reflexos em toda a vida
das relações obrigacionais.
2
De facto, este princípio encontra-se plasmado em fases tão distintas como, a fase da formação do
contrato, art.227º, a fase de execução do mesmo, art.762º nº2. E, mesmo na fase pós contratual,
podemos falar de deveres impostos pelo princípio da boa-fé.
A boa-fé é susceptível de ser qualificada em duas dimensões, são elas:
a) Boa-fé subjectiva – traduz-se num estado de espírito (desculpável). Alguém que em certo momento
estava convencido da conformidade ao direito de certo acto ou posição jurídica, sendo essa
convicção errónea.
b) Boa-fé objectiva – é forma de conduta ou comportamento, e como tal, distinto da atitude
psicológica, intelectual do estar de boa-fé.
Abarca os quadrantes principais da lealdade/fidelidade e da cooperação, prevalece como critério de
controlo sobre o clausulado contratual (no sentido expansivo ou de compreensão) e justifica-se por
uma ideia ética de solidariedade negocial.
No âmbito do direito das obrigações, o princípio da boa-fé encontra-se plasmado nos seguintes
institutos:
- Responsabilidade pré-contratual, art.227º
- A integração dos negócios, art.239º
- O abuso de direito, art.334º
- A resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstancias, art.437ºnº1
- A complexidade das obrigações, art.762º nº2
Como se disse, o princípio da boa-fé perpassa toda a vida das relações jurídicas obrigacionais,
vejamos:
Fase formativa, art.227º – ex. indução dolosa/negligente à celebração de um contrato viciado;
Silencio sobre a existência de um vício; Violação de deveres de cuidado e de informação, etc.
Fase de execução, art.762º nº2 – ex. o devedor descura a conservação do bem ou utiliza em
excesso a máquina alugada.
Fase da extinção, art.1222º nº1 e 437º – ex. exercício, em prazo razoável do direito de resolução.
Como se entende facilmente, a fase de negociação suscita uma relação de confiança entre as partes,
faz surgir deveres particulares de actuação em conformidade com o princípio da boa-fé.
No entanto, o dever de agir de boa-fé não significa uma imposição de celebração do contrato, por
outro lado, a violação dos deveres de boa-fé é susceptível de provocar a possibilidade de o lesado ser
ressarcido pelos danos por ele havidos.
O Art.227º – é a afirmação legislativa do princípio que vingou na doutrina e que defende a tese da
responsabilidade civil pré-contratual (culpa in contrahendo) baseada na ideia de que o simples inicio
das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de informação e de esclarecimento, dignos
da tutela do direito.
1º- A lei consagra a tese da responsabilidade civil pré-contratual pelos danos culposamente
causados à contraparte, tanto no período das negociações (preliminares) como no momento decisivo
2
da conclusão do contrato, abrangendo, por conseguinte, a fase crucial da redacção final do
clausulado do contrato celebrado por escrito.
2º- A responsabilidade das partes não se circunscreve à cobertura dos danos culposamente causados
à contraparte pela invalidade do negócio.
A responsabilidade pré-contratual, com a amplitude que lhe é conferida pelo art.227º abrange os
danos provenientes da violação de todos os deveres (secundários) de informação, de esclarecimento
e de lealdade, em que se desdobra o espectro negocial da boa-fé.
3º- Alem de indicar o critério pelo qual se deve pautar a conduta de ambas as partes, a lei portuguesa
aponta concretamente a sanção aplicável à parte que se afasta da conduta exigível: “sob pena de
responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
4º- A lei não se limita a proteger a parte contra o malogro da expectativa da conclusão do negócio,
cobrindo-a de igual modo contra outros danos que ela sofra no iter negotti.
Embora uma das vertentes da boa-fé abranja, sem dúvida, a cobertura das legítimas expectativas
criadas no espírito da outra parte, o art.227º, não aponta deliberadamente para a execução específica
do contrato, no caso de a conduta ilícita da parte ter consistido na frustração inesperada da conclusão
do contrato.
A lei respeita assim, até ao derradeiro momento da conclusão do contrato (salvo se houver contrato
promessa, art.830º), um valor fundamental, transcendente, do direito dos contratos, a liberdade
contratual.
Limitação da indemnização por culpa in contrahendo
Da ideia que a lei (por mais censurável que seja a ruptura de negociações na eminência da
celebração do contrato) intencionalmente, não vai ao extremo da obrigatoriedade de celebração ou
execução específica do contrato decorre:
a) Que a indemnização prescrita na parte final do art.227º destinada a cobrir (no caso da
frustração injustificada do negocio) o interesse negocial negativo da parte lesada, não pode
exceder o limite do interesse contratual positivo (o beneficio que a conclusão do negocio traria
à parte lesada).
b) O interesse que o faltoso tem de ressarcir é sempre, o chamado interesse contratual negativo
(id quod interest contractum initium non fuisse).
A perda patrimonial que não teria tido se não fosse a expectativa na conclusão do contrato frustrado
ou a vantagem que não alcançou pela mesma frustração.
Tem vindo a admitir-se a responsabilidade pré-contratual como uma terceira via para a
responsabilidade civil (a par da responsabilidade extra-contratual e da responsabilidade contratual)
A indemnização vai abranger os danos emergentes e o lucro cessante, o fundamental é indemnizar os
danos nexualmente ligados à actuação do lesante.
Uma outra manifestação flagrante do princípio da boa-fé encontra-se na figura do abuso de direito.
2
Abuso de Direito art.334º – não estamos perante uma violação de um direito de outrem ou de uma
ofensa a uma norma tuteladora de um interesse alheio, na verdade, trata-se do exercício anormal de
um direito próprio.
O exercício do direito em termos reprovados pela lei, ou seja, respeitando a estrutura formal do direito
mas violando a sua afectação substancial, funcional ou teleológica, é considerado ilegítimo.
Quer isto dizer, que havendo dano provocado pelo “uso para além do valor que constitutivamente
funda determinado direito, faculdade ou poder” e uma vez verificados os restantes requisitos da
responsabilidade, o titular do direito pode ser condenado a indemnizar o lesado.
O art.334º prescinde da consciência por parte do agente que age abusivamente, basta que
objectivamente se excedam os limites da boa-fé, bons costumes ou fim social ou económico desse
direito.
Não basta, no entanto, que o simples exercício do direito cause prejuízos a outrem, para que o
exercício do direito seja abusivo é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do
poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar em função
dos interesses que legitimam a concessão desse poder.
O art. 334º refere os limites impostos por:
Boa-fé e bons costumes (casos de venire contra factum proprium nulli conceditur) – para determinar
os limites, neste caso, teremos que atender ás concepções ético-juridicas dominantes na
colectividade.
Fim social ou económico do direito (tem em vista os casos de exercício reprovável de direitos que são
muito marcados pela função social e que se encontram adstritos, ex. poder paternal, poder do tutor,
etc.) – neste caso teremos de analisar os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei.
A sanção do abuso de direito face à equidade.
Segundo Pessoa Jorge, a sanção contra o abuso de direito tem uma finalidade diferente do recurso à
equidade; Com esta pretende-se evitar a injustiça a que conduz, em certos casos, a aplicação
concreta da norma.
Já a sanção imposta pelo abuso de direito pretende impedir que a norma seja desvirtuada no seu
sentido e alcance.
Num caso afasta-se a norma, no outro quer-se aplicar a norma mas com plena fidelidade ao seu
espírito.
De qualquer modo, para que haja abuso de direito é necessária a existência de uma contradição entre
o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse/s que o poder nele consubstanciado se
encontra adstrito.
2
Dentro do abuso de direito (em violação da boa-fé) podemos configurar três variantes, são as
seguintes:
Abuso de direito
Distorção entre o fim e o interesse
Almeno de Sá – uso para alem do valor que constitutivamente funda determinado direito.
Venire contra factum proprium nulli conceditur
Conduta contraditória, o titular exerce o direito em distorção com a sua conduta passada
“Um comportamento não pode dirigir-se num sentido contrário da confiança suscitada na contraparte”
2
Nesse sentido, “turpitudinem suam allegans non auditur”, ninguém pode alegar a sua própria torpeza.
Almeno de Sá distingue o Venire (...) do Tu quoque – no caso do tu quoque estamos perante uma
conduta anterior indevida, a valoração negativa recai logo sobre o primeiro comportamento,
mantendo-se virtualmente num estado de latência, para ser imediatamente convocado se o sujeito
vier posteriormente a pretender retirar vantagens da posição jurídica daquele modo criada.
A lei sujeita determinados negócios à exigência de forma (art. 220º) em ordem a respeitar e defender
certos interesses públicos.
Neste sentido, releva aferir, se, em casos de invalidade de um contrato, culposamente causada por
uma das partes, pode o contraente causador invocar a invalidade, isto é, deverá a boa-fé obstar à
invocação da invalidade por quem a causou.
É, na generalidade aceite, que a imperatividade da norma do art.220º determina, pelos interesses
públicos que pretende acautelar, que a invalidade possa ser invocada, mesmo por quem funda o
vício.
Suppressio “neutralização do direito” (Menezes Cordeiro
Protecção das expectativas da parte, resultantes do não exercício de determinado direito pela contraparte durante
um lapso razoável de tempo
Tu Quoque
Ninguem pode recorrer à sua conduta reprovável para fundamentar um direito ou posição jurídica
2
Existe, no entanto, quem defenda o oposto, entre outros Baptista Machado.
Este autor defende que a boa-fé deve obstar à invocação da invalidade por quem a causa, isto se:
a) A contraparte está de boa-fé, isto é, está inocente, desconhece a existência do vício de que o
negócio enferma, portanto confiou na realização do negócio. Confiou que através do negócio
adquiriu uma posição jurídica.
b) Nesse sentido, será necessário que exista um investimento de confiança. A contraparte
adoptou disposições que são irreversíveis.
c) A parte que dá causa à invalidade actua de forma desleal.
Uma vez verificados estes requisitos, defende esta doutrina, a excepcionalidade da impossibilidade
da invocação da invalidade do negocio por quem causa o vicio.
3-Tutela do Sujeito mais Débil – verifica-se, actualmente, uma tendência, e por via de acção do
legislador, de assegurar uma igualdade entre as partes de forma a evitar o fosso contratual entre
prestações.
Aceitar este princípio é, aceitar implicitamente restrições pontuais à liberdade contratual.
Ocorrendo desigualdade económica entre as partes, a invocação da liberdade contratual torna-se
meramente formal, uma vez que, em termos materiais uma das partes se encontra constrangida à
celebração do contrato.
Como tal, a desigualdade existente poderá levar a situações de abuso, logo, o legislador terá de
actuar com vista a garantir uma certa justiça contratual.
Efectivamente, os condicionalismos da actual ordem económica, fazem com que a maior parte dos
membros da sociedade necessite de celebrar contratos para obter a satisfação das suas
necessidades, sendo que essa dependência económica não se verifica em relação à contraparte
nesses contratos.
Nessa situação, a parte economicamente mais fraca é praticamente constrangida à celebração do
contrato, mesmo em condições que não aceitaria se tivesse outra possibilidade de satisfação das
suas necessidades económicas.
Com efeito a tutela do sujeito mais débil exerce-se através de restrições à liberdade contratual, tanto
no plano da liberdade de celebração do contrato como no plano da fixação do seu conteúdo.
É uma importante restrição à liberdade de celebração, a obrigação de celebrar contrato, obrigação
de contratar.
Efectivamente uma das partes pode estar vinculada, por obrigação contratual ou legal, à celebração
de contrato com a outra parte.
Com base ainda na autonomia privada, as partes podem criar obrigações de celebração de contratos,
art.410º e SS; Podendo nesses casos considerar-se a celebração como cumprimento de uma
obrigação contratual livremente assumida, e que portanto, ainda se funda na autonomia privada.
No entanto, quando é a lei a impor a obrigação de contratar a autonomia privada encontra-se
restringida, podendo essa restrição considerar-se como um correctivo à liberdade contratual, em
virtude de se pretender evitar os abusos de uma das partes que, em virtude de um maior poder
2
económico que possua (designadamente se estiver em posição de monopólio), poderá facilmente
constranger a outra parte a aceitar condições contratuais desvantajosas, se lhe fosse permitido
recusar livremente a celebração de contratos.
No caso de contratos referentes a bens essenciais (fornecimento de agua, electricidade etc...) a
ausência de concorrência no sector e a necessidade dos bens por parte do consumidor levaria a
constrangimentos inaceitáveis da parte mais fraca, se a outra parte pudesse livremente recusar a
celebração do contrato.
Deve entender-se, por isso, como juridicamente consagrada, nesses casos, uma obrigação de
contratar, Elias em harmonia com o princípio previsto no art. 3º da Lei 23/96 de 26 de Julho.
Restrições à liberdade de estipulação do conteúdo.
- Contratos submetidos a um regime imperativo
- Contratos compostos por clausulas contratuais gerais
A liberdade de estipulação pressupõe a liberdade de celebração. As restrições à liberdade de
estipulação são normalmente estabelecidas em virtude de uma função de ordenação do actual Direito
privado, que pretende disciplinar a liberdade contratual por forma a evitar que esta seja exercida em
prejuízo da parte mais débil.
Contratos submetidos a um regime imperativo – a imposição imperativa justifica-se em razão da maior
relevância de certos contratos para a satisfação das necessidades sociais elementares, que coloca
uma das partes na dependência económica da sua celebração, levando a que ela seja forçada
mesmo a aceitar condições iníquas, se a sua recusa impedir a celebração do contrato (ex. contrato de
trabalho, contrato de arrendamento).
A única forma de nesses contratos se proibir a estipulação de condições iníquas, e o consequente
abuso da autonomia privada que tal representa, consiste na imposição de uma disciplina injuntiva
para esse contratos e que é vedado ás partes afastar (ou só é permitido afastar em prejuízo da parte
mais forte).
Para alem disso, a lei pretende ainda assegurar nesses contratos uma estabilidade suficiente, em
função do cariz essencial das necessidades cuja satisfação é por eles assegurada, limitando ou
excluindo as possibilidades de a parte mais forte proceder à sua denúncia.
Lei de defesa do consumidor.
Lei 24/96 de 31 de Julho – esta lei veio consagrar o direito à reparação dos danos patrimoniais e não
patrimoniais resultantes da prestação de serviços.
O art.12º nº 1 e 2 consagra a responsabilidade objectiva do produtor, já o art.16º estabelece o
carácter imperativo das normas que atribuem direitos ao consumidor e estabelece a nulidade das
cláusulas que obstem a esses direitos.
De referir ainda o DL 67/2003 de 8 de Abril, este DL resultou da transposição de uma directiva
comunitária e vem disciplinar os bens de consumo. Com efeito, vem estabelecer um regime diferente
ao consagrado no CC em relação à responsabilidade por defeitos.
2
No que concerne ás relações de consumo, o art.2º estabelece a obrigação do vendedor entregar os
bens conforme o estabelecido no contrato.
O art.4º estipula os direitos do consumidor no caso da entrega de bens defeituosos, são quatro os
direitos:
- Direito de reparação
- Direito de substituição da coisa
- Direito à redução do preço
- Direito à resolução do contrato
Nesse sentido, o art. 3º nº2 estabelece prazos mais alongados para efectuar a reclamação por
defeitos técnicos.
DL 143/2001 de 26 de Abril – este DL vem disciplinar contratos celebrados à distância, ex. venda por
catálogo ou por telefone.
O art.18º concede ao consumidor legitimidade de resolução do contrato num prazo de catorze dias,
isto sem necessidade de fundamentação nem obrigação de indemnizar a contraparte.
4-Principio da Proporcionalidade – deve informar e nortear toda a actuação das partes. Subjaz a
este princípio uma ideia de justiça comutativa. Nesse sentido, o equilíbrio que esteve na base do
acordo deve ser preservado ao longo da vigência do contrato, art.437º.
-A proporcionalidade deve reger a actuação dos sujeitos obrigacionais:
-Na ligação maior à manutenção do equilíbrio das prestações (art. 437º).
-Ao exercício ponderado de direitos (art.336º nº3; 337º nº1 e 793º nº2).
-Ao escalonamento das relações jurídicas (art.780º; 1221º e SS e DL 67/2003 art.4º).
-À modelação da regulação convencional da responsabilidade (art.812º).
A proporcionalidade reveste, ainda, um importante papel como reacção adequada à gravidade da
culpa do lesante e ao tipo de dano causado (art. 494º e 566º nº1).
Como exemplos da aplicação do princípio da proporcionalidade podemos referir:
A moderação que a lei faz ou pode fazer das cláusulas penais, art.812º. Como sabemos, as cláusulas
penais são disposições em que as partes, no âmbito da sua autonomia privada, estabelecem as
consequências do incumprimento contratual.
5-Principio da Responsabilidade Patrimonial – (matéria já abordada em sede do vinculo
obrigacional, a garantia).
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De acordo com este princípio, consagra-se o património do devedor como garantia geral das
obrigações, art.601º. Resulta desse facto a possibilidade conferida ao credor de agredir o património
do devedor caso este não cumpra.
A ordem jurídica não poderia apenas reconhecer ao credor um direito à prestação e ao devedor um
dever de prestar sem assegurar por alguma forma a realização desse direito ou cumprimento desse
dever. Nesse sentido a norma do art.817º.
O recurso aos tribunais faz-se normalmente enquanto a prestação é possível, para exigir essa mesma
prestação. É o já nosso conhecido instituto da Acção para cumprimento e execução.
Caso, porem, a realização da prestação já não seja possível em virtude de causa imputável ao
devedor, o credor apenas poderá reclamar um direito à indemnização. É o que sucede nos casos de
incumprimento definitivo, art.798º e 808º e de impossibilidade culposa de cumprimento, art.801º.
O direito à indemnização já não se identifica com o direito de crédito inicial tendo um fundamento
diferente: A responsabilidade civil pelos danos causados pelo ilícito obrigacional que consiste na
frustração do direito de credito.
Segundo Menezes Cordeiro o regime fundamental da responsabilidade patrimonial no nosso Direito
pode ser estabelecido através de três postulados principais, cada um com as suas excepções;
a) Sujeição à execução de todos os bens do devedor, art.601º.
b) Apenas dos bens do devedor.
c) Estando os credores em pé de igualdade
Primeiro postulado – da norma do art.601º resulta que a responsabilidade patrimonial é ilimitada, ou
seja estende-se a todos os bens do património do devedor. No entanto esta norma deixa antever duas
excepções a esse princípio, que se referem a casos de responsabilidade patrimonial limitada, são
elas:
- Os bens do devedor que não são susceptíveis de penhora
- A situação da separação de património
No que concerne aos bens do devedor que não são susceptíveis de penhora, eles são referidos nos
art.822º e 823º C. Processo C.
Trata-se de bens que, por desempenharem uma função essencial à subsistência ou à dignidade do
devedor, ou em virtude da função a que estão afectos ser superior à da garantia patrimonial dos
créditos a lei não autoriza a execução para fins da satisfação dos direitos de créditos.
Para lá desta duas situações, em cima referidas, a limitação da responsabilidade patrimonial pode
ocorrer por convenção das partes, art602º e 603º, em qualquer destas situações verifica-se, assim,
uma limitação da responsabilidade patrimonial do devedor.
A limitação pode ser positiva – o credor ou credores, apenas podem executar alguns dos bens do
devedor.
A limitação pode ser negativa – quando a lei exclui certos bens do devedor do poder de execução da
generalidade dos seus credores, só o permitindo a certos credores, art.1184º.
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Segundo postulado – é o de que apenas os bens do devedor podem ser objecto de execução pelos
credores, art.817º, regra geral.
No entanto esta regra sofre algumas excepções, a que nos faz referencia o art.818º.
As duas excepções referidas no art.818º referem-se a situação em que há bens de terceiro a
responder pela divida, o que sucede sempre que tenha sido constituída uma garantia pessoal
(art.627º, fiança), real abrangendo bens de terceiro (penhor ou hipoteca constituídos por terceiro
art.667º e 717º) ou quando tenha sido paulianamente impuganada a transmissão de bens do devedor
para terceiro, o que é possível em casos em que essa transmissão diminua ilegitimamente o
património do devedor em prejuízo do seus credores, art.610º e SS.
Terceiro postulado – regra geral, todos os credores estão em igual posição. Essa regra implica uma
não hierarquização dos direitos de credito pela ordem da sua constituição, tendo tanto os créditos
mais antigos como os mais recentes a mesma possibilidade de executar o património do devedor.
Com efeito, em caso de o património do devedor não chegar para pagar a todos, não há, em
princípio, hierarquização de credores, tendo o património do devedor que ser rateado para todos se
pagarem proporcionalmente (concurso de credores, art604º).
A consequência deste regime de responsabilidade patrimonial é a de que um credor comum não tem,
em princípio, qualquer garantia segura de que o seu crédito possa ser satisfeito através da execução
de património do devedor.
Existe um duplo risco na fase de execução.
1º- Possibilidade de o devedor, por acção ou inacção, fazer diminuir o património.
2º- Eventualidade de outros credores se anteciparem àquele credor no exercício do poder de
execução e penhorarem primeiramente os bens.
Este duplo risco é susceptível de ser evitado também de duas formas.
1ª- Quanto ao risco de variação do património do devedor, ele pode ser evitado através da concessão
aos credores, da possibilidade de reagir contra acções ou omissões do devedor de onde possa
resultar a diminuição do seu património.
Trata-se de meios de conservação da garantia geral das obrigações
- Declaração de nulidade, art.605º
- Acção sub-rogatória, art.606º
- Impugnação pauliana, art.610º
- Arresto, art.619º
2ª- Quanto ao risco de outros credores se anteciparem na execução do património do devedor, ele só
pode ser acautelado atribuindo-se ao credor que pretende evitar esse risco outra garantias para alem
do simples poder de execução do património do devedor.
São as denominadas garantias especiais das obrigações. Essas garantias podem ser pessoais
(fiança, art.627º) ou reais (604º nº2).
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Em conclusão, o princípio da responsabilidade patrimonial consiste na circunstancia de que quem
assume uma obrigação, responde em caso de não cumprimento, com todos ou parte dos seu bens.
Embora a responsabilidade seja conceptualmente distinta da divida, elas encontram-se em certa
medida associadas.
Quem assume uma divida assume também a responsabilidade, e, consequentemente, o risco de ver
o seu património diminuído em consequência do exercício da acção executiva pelos credores.
Normalmente, essa responsabilidade é ilimitada, mas, em certos casos, pode ser limitada, no entanto,
em qualquer caso, a segurança de satisfação do direito de credito está sempre dependente da
conservação do património do devedor e da não antecipação de outros credores na sua execução.
Para evitar essa situação é possível constituir garantias especiais, caso em que acresce à
responsabilidade patrimonial do devedor a responsabilidade patrimonial de outrem (garantias
pessoais) ou se constitui junto da responsabilidade patrimonial geral, uma responsabilidade matéria
sobre bens determinados, que atribui primazia ao seu titular na execução desses bens,
independentemente da sua pertença ou não, ao património do devedor.
6-Principio da Heteroresponsabilidade – em termos gerais, podemos enunciar este princípio como:
Sempre que exista uma razão de justiça, da qual resulte que o dano deva ser suportado por outrem,
que não o lesado, deve ser aquele e não a este que deve suportar o dano.
A transferência do dano do lesado para outrem opera-se mediante a constituição de uma obrigação
de indemnização, através da qual se deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido
o evento lesivo, art.562º.
A simples injustiça do dano sofrido não é, porem, suficiente para se ter direito à indemnização.
Efectivamente, por muito injusta que seja a situação, em principio o Direito tem que aceitar o veredicto
do destina, não atribuindo indemnização a quem veio a suportar um prejuízo material, a perder uma
vantagem ou a sofrer danos morais em virtude de qualquer circunstancia lesiva.
Dai que o dano seja normalmente suportado por quem o sofreu como fazendo parte do risco geral da
vida “casum sentit dominus, res perit dominus”, the loss lies were it falls.
Imputação de danos – ocorre a imputação de danos sempre que a lei considera existir, não apenas
um dano injusto para o lesado, mas também uma razão de justiça que justifica que esse dano seja
transferido para outrem.
A situação de alguém estar numa situação que o Direito considera mais adequada à suportação do
dano causado do que aquele que o sofreu é denominada por responsabilidade civil, art.483º e SS.
A razão de justiça que justifica a constituição em responsabilidade civil denomina-se por imputação de
dano.
A sua transferência para o património do lesante efectua-se mediante a constituição de uma
obrigação de indemnização.
3
Tradicionalmente, a única imputação que poderia servir de base à responsabilidade civil consistia na
culpa do lesante. O lesado, para ter direito à indemnização, teria que provar a culpa do lesante,
art.487 nº1.
No entanto, tem vindo a ser consagradas sucessivas presunções de culpa, por meio das quais, o
lesado é eximido desse ónus, art.491º, 492º, 493º.
Posteriormente, foi-se desenvolvendo a ideia de que a imputação de danos poderia mesmo dispensar
a culpa do lesante, passando a assentar simplesmente na criação de riscos específicos de que
outrem tiram proveito ou que pode controlar, tendo que indemnizar os danos abrangidos por essa
esfera de riscos.
Surge a responsabilidade pelo risco, art.483º nº2.
Inserem-se nesta categoria de responsabilidade os seguintes casos:
- Responsabilidade do comitente, art500º
- Responsabilidade do Estado e pessoas colectivas publicas, art.501º
- Danos causados por animais, art.502º
- Acidentes causados por veículos, art.503º
Cabe ainda referir os casos em que a imputação dos danos se baseia em permissões legais de
sacrificar bens alheios no interesse próprio que tem como contrapartida o estabelecimento de uma
obrigação de indemnização, art.81º nº2 e 339º nº2.
São situações em que alguém fica obrigado a aceitar um intervenção num direito seu, obtendo por
essa razão um direito a ser indemnizado.
Podemos então estabelecer três títulos de imputação de danos
a) Imputação por culpa
b) Imputação pelo risco
c) Imputação pelo sacrifício
Na imputação por culpa a responsabilidade baseia-se numa conduta ilícita e censurável do agente,
que justifica dever ele suportar, em lugar do lesado, os prejuízos resultantes dessa sua conduta.
Neste sentido, a responsabilidade civil desempenha uma dupla função; Reparatória e sancionatória,
sanção imposta ao agente pela violação culposa de uma norma.
Na imputação pelo risco, o fundamento reside numa concepção de justiça distributiva.
Segundo a doutrina do risco-proveito (risque-profit) – Aquele que tira proveito de uma situação
deve também suportar os prejuízos dela eventualmente resultantes, “ubi commoda ibi incomoda”.
Segundo a doutrina do risco profissional ou de actividade (risque-d`activité) – Aquele que exerce
uma actividade ou profissão que seja eventualmente fonte de riscos deve suportar os prejuízos que
dela resultem para terceiros.
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Segundo a doutrina do risco de autoridade (risque-d`autorité) – Sempre que alguém tenha poderes
de autoridade ou direcção relativamente a condutas alheias deve suportar também os prejuízos que
daí resultem.
A imputação pelo sacrifício corresponde à situação em que a lei permite, em homenagem a um valor
superior, que seja sacrificado um bem ou direito pertencente a outrem, atribuindo, porem, uma
indemnização ao lesado como compensação desse sacrifício.
Neste caso o fundamento da imputação tem sede numa ideia de justiça comutativa, ou seja, na
atribuição de uma vantagem como contrapartida do sacrifício suportado no interesse de outrem.
7-Principio da Auto-responsabilidade – os riscos ligados à condição humana (o risco geral de vida)
geram danos que não podem ser transferidos para um rsponsavel, integram a esfera do fortuito, da
pouca sorte (casum sentit dominus, res perit dominus).
Há, no entanto, comportamentos de risco que podem derivar em auto-lesão (ex. pratica de desportos
radicas, consumo de tabaco, álcool, etc...).
Outras situações haverão, em que, apesar do nosso dano resultar materialmente de um facto alheio
pode suceder que não possamos responsabilizar o causador (pelo menos totalmente) pela
circunstância de nos termos exposto a um perigo específico, sendo-nos imputada como autoresponsabilidade,
uma assunção de risco.
O caso mais importante de auto-responsabilidade tem que ver com a chamada culpa do lesado,
art.570º; Isto é, com as condutas descuidadas ou negligentes dos que sofreram ou agravaram o
dano.
Juridicamente, a culpa do lesado, permite aplicar (desfavoravelmente) o regime do art.570º, isto
desde que o lesante também tenha tido culpa, ou o art.505º nos casos em que a conduta do lesado
tenha sido determinante na verificação do acidente ou dos danos.
Factos constitutivos de Obrigações
Podemos distinguir varias fontes de obrigações em função do facto que está na sua origem.
Fontes voluntárias – resultam da vontade dos sujeitos. São:
- O contrato
- Os negócios jurídicos unilaterais
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Fontes involuntárias – resultam da lei. São:
- Gestão de negócios
- Restituição do enriquecimento sem causa
- Responsabilidade civil
O contrato
O contrato é, par da responsabilidade civil a fonte mais importante de obrigações.
Importa definir contrato, segundo a definição clássica, é o negócio jurídico bilateral ou plurilateral,
integrado por duas ou mais declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos que se
manifestam de acordo com a ordem jurídica por terem sido queridos pelas partes.
Segundo Antunes Varela, contrato é, o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações
de vontade (proposta/aceitação) contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam
estabelecer um composição unitária de interesses.
Já Almeida Costa refere duas ou mais declarações de vontade de conteúdo diverso mas que se
ajustam reciprocamente com vista à produção de efeitos jurídicos unitários.
Podemos ainda referir ainda o art.1º do projecto preliminar do código europeu dos contratos que, em
ligeiro paralelismo com a legislação italiana, refere que: contrato é o acordo de duas ou mais pessoas
destinado a constituir, regular, modificar ou extinguir uma relação jurídica que pode comportar
obrigações e outros efeitos mesmo que em relação a uma só parte.
Existe, entre nós, doutrina que peleja que o elemento essencial do contrato é a declaração, o acordo
entre declarações, acordo esse destinado à produção de efeitos.
Dá-se assim a deslocação do acento tónico do elemento vontade para o elemento declaração, (vejase
a contratação com autómatos).
A definição que nos é dada por Carlos Ferreira de Almeida vai nesse sentido, para este jurista,
contrato é: um acordo formado por duas ou mais declarações que produzem, para as partes
envolvidas, efeitos jurídicos conformes ao acordo obtido.
Critica-se ainda a definição clássica de contrato, no sentido de serem necessariamente contrárias as
declarações, com efeito, as declarações não terão de ser necessariamente contrárias como podemos
observar num contrato de sociedade, no qual as partes visam estabelecer uma relação de
cooperação entre si.
O código português vigente não define expressamente a figura do contrato, no entanto é de referir
que admite a constituição de obrigações com prestação de carácter não patrimonial, art.398º nº2.
Considera expressamente como contratos o casamento, art.1577º, do qual brotam relações
essencialmente pessoais, bem como o pacto sucessório, art.1701º, 2026º e 2028º, que é fonte de
relações mortis causa.
O contrato, pode hoje ser, não só fonte de obrigações (da sua constituição, transferência, modificação
ou extinção) mas de direitos reais, familiares e sucessórios.
3
Antunes Varela refere um acordo vinculativo de vontades opostas (ao invés da moderna doutrina do
contrato, entre outros, Flume) mas harmonizáveis entre si.
Logo, o elemento fundamental é o consenso.
Se as declarações de vontade das partes, apesar de opostas, não se ajustam uma à outra, não há
consenso, já que falta o mutuo consentimento, art.232º.
O mesmo autor, defende que, para que haja contrato, as vontades que integram o acordo contratual
embora concordantes ou harmonizáveis têm que ser opostas, de sinal contrário.
Com efeito, para Antunes Varela, quando as declarações são concordantes e paralelas não há
contrato, antes um acto colectivo ou acordo.
Já quando as declarações se fundem, não para formar um acordo sobre interesses contrapostos, mas
para apurar por sufrágio a vontade de um órgão colegial, também não há contrato, mas vinculação.
Segundo o autor, o contrato só vincula quem o aceitou, a deliberação pode impor-se a quem votou
contra ela.
Concepção normativista ou perceptivista do contrato
Uns vêm no contrato o acordo de vontades dos contraentes, gerador de obrigações ou de outros
efeitos jurídicos.
Outros consideram o contrato como a relação jurídica emergente do acordo.
E outros há, ainda, que identificam o contrato com as regras que por força do acordo, mas não se
confundindo com a vontade dos agentes, disciplinam o conflito de interesses suscitado entre as
partes.
De acordo com a concepção normativista do contrato, este é o mais genuíno expoente da autonomia
privada, precisamente porque através do instrumento contratual criam as partes, por sua livre
iniciativa, as normas reguladoras dos seus conflitos de interesses.
Antunes Varela afirma que esta tese dá flanco a inúmeras criticas, desde logo porque;
As regras nascidas das cláusulas contratuais, destinadas a regular pontualmente os interesses
concretos dos dois contraentes não podem ser equiparadas ás normas jurídicas, estas visam
disciplinar em termos abstractos, uma generalidade mais ou menos ampla de pessoas (nesse sentido,
Menezes Leitão).
À interpretação e integração das normas jurídicas são aplicáveis as normas dos art.9º a 15º, muito
diferentes daquelas que vigoram para as declarações contratuais, art.236º a 239º.
Enquanto as normas jurídicas podem, em princípio, ser alteradas por nova lei com eficácia
retroactiva, o mesmo não sucede com as cláusulas contratuais, cuja interpretação e integração
devem sempre ser realizadas à luz do direito vigente à data da celebração do contrato.
Se as partes, por acordo, alterarem a convenção por elas anteriormente estabelecida, é do novo
contrato, e não do precedente que a alteração procede, ao invés do que sucede se uma nova lei
imperativa modificar o seu conteúdo.
3
Passamos a analisar os princípios fundamentais em que assenta a disciplina legislativa dos
contratos.
1-Principio da Autonomia Privada
2-Principio da Confiança (pacta sunt servanda)
3-Principio da Justiça Comutativa
1-Principio da autonomia privada – reveste na área específica dos negócios jurídicos bilaterais ou
plurilaterais a forma de liberdade contratual.
Como tratamos, em sede dos princípios do Direito das Obrigações, uma coisa é, na verdade, a
faculdade reconhecida aos particulares de fixarem livremente, segundo o seu critério, a disciplina
vinculativa dos seus interesses, nas relações com os demais sujeitos (Autonomia privada).
Outra coisa, embora estritamente ligada com aquela, é o poder reconhecido ás pessoas, de
estabelecerem, de comum acordo, as cláusulas reguladoras (no plano do Direito) dos seus interesses
contrapostos que mais convenham À sua vontade comum (Liberdade contratual).
2-Principio da Confiança (pacta sunt servanda) – É presente na matéria de interpretação e
integração dos contratos, art.236º,238º,239º e 217º. E na regra da imodificabilidade do contrato por
actuação unilateral, art.406 nº1, “quod prius est libertatis postea fit necessitatis”.
É a protecção da legítima expectativa criada pelo recebimento da proposta contratual no espírito do
destinatário que explica a irrevogabilidade da proposta durante o período razoavelmente reservado à
reflexão e decisão daquele, art.230º.
3-Principio da Justiça Comutativa (equivalência das prestações) – Este princípio está plasmado
em várias, e importantes, disposições do nosso Direito constituído:
a) Anulação ou modificação de negócios usurários, art.282º e SS.
b) Possibilidade de redução oficiosa da clausula penal excessiva, art.812º
c) Direito à redução do preço em caso de venda de bens defeituosos, art.913º
d) Direito de resolução ou modificação por alteração das circunstancias, art.437º
Etc...
Conteúdo do Contrato
A que se deve atender para determinar o conteúdo contratual.
- À vontade das partes (clausulado estipulado pelas partes).
- À lei (enquanto normas imperativas, logo, limitadoras das liberdade contratual, ou por via de normas
supletivas, lá, onde as partes nada tenham disposto).
3
- Princípios Gerais, a boa-fé em papel concretizador.
Segundo Menezes Cordeiro o conteúdo do negócio corresponde à regulação por ele desencadeada,
isto é, ao conjunto de regras que, por ter sido celebrado um negócio, tenham aplicação ao espaço
sobre o qual as partes entenderam dispor.
O recurso à ideia de conteúdo visa proporcionar uma ponderação global da regulação promovida pelo
negócio: De outro modo, tudo se resumiria ao estudo analítico de diversas situações jurídicas,
perdendo-se traços importantes do regime em jogo. Este, tal como o seu equilíbrio global, deve ser
obtido na base de uma panorâmica de conjunto.
O negocio jurídico é algo mais complexo que a soma de todas a regras que o compõem. O conjunto
desencadeia efeitos novos, que só aí podem ser explicados.
Por isso considerar o conteúdo em detrimento de sectores isolados surge mais realista e permite um
melhor conhecimento da realidade.
Do conteúdo deve distinguir-se o objecto; Este tem que ver, não com a regulação em si, mas com o
quid sobre que irá recair a relação negocial propriamente dita.
Por exemplo, num contrato de compra e venda verifica-se que:
As regras aplicáveis, por via dele, ás partes, constituem o seu conteúdo; Assim a transmissão da
propriedade e as obrigações de entrega da coisa e pagamento do preço, art879º.
A coisa ou direito transmitidos formam o seu objecto.
Composição do Conteúdo
Elementos normativos – correspondem ás regras aplicáveis ex lege, isto é, àquelas que o Direito
associe à celebração dos negócios, independentemente de um expressa vontade negocial nesse
sentido. Podem ser:
Injuntivas – são aquelas que não podem ser afastadas pelas partes.
Supletivas – quando a sua aplicação se destine a suprir o silêncio ou a insuficiência do clausulado
negocial.
Elementos voluntários – estes têm que ver com as regras apontadas e fixadas pelas próprias
partes. Podem ser:
Necessários – correspondem a factores que embora na disponibilidade das partes, tenham por elas,
de ser fixados, sob pena de incompletude do negócio (ex. o preço, na compra e venda).
Eventuais – integram elementos que as partes poderão incluir no negócio se entenderem (ex.
condição).
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Tipo negocial
O tipo negocial em sentido estrito corresponde ao conjunto dos seus elementos normativos e
voluntários necessários.
Não correspondem ao tipo negocial os elementos que legitimamente afastem os factores normativos
supletivos e os elementos voluntários eventuais.
Plano pratico – o tipo negocial recorda que, na generalidade dos casos, as partes não se afadigam a
procurar regimes específicos para os seus interesses; Limitam-se a eleger um negócio e a completar
os elementos voluntários necessários. As tarefas de determinação das regras aplicáveis podem
assim, limitar-se à identificação do tipo negocial eleito pelas partes.
Do tipo negocial devem ser separadas as cláusulas típicas; Estas correspondem a dispositivos que
o Direito, por razões de tradição, ou pela sua frequência na vida civil, trata expressamente e que,
assim, ficam à disposição das partes, que para eles queiram remeter. Não formam, porem, um todo
coerente, antes se apresentando como instrumentos, em si desconectados e que quando eleitos,
integram elementos voluntários eventuais.
Exemplos de tipo negocial – Contratos civis, art.874º e SS
Exemplos de clausulas típicas – Condição, art.270º e SS; Termo, art.278º e 279º.
Para lá da relação linear, direito à prestação/dever de prestar e que aflora no teor do art.397º, há um
conjunto mais o menos intenso de vínculos de diversa ordem e que fazem parte do conteúdo normal
da relação contratual.
Importa aqui referir, seguindo Mota Pinto, a ideia de relação obrigacional complexa, esta
complexidade ordenada e com âmbito bilateral é típica dos contratos duradouros mas projecta-se
igualmente noutros contratos (bancários, de consumo) e no seio da obrigação de indemnização
resultante de responsabilidade civil extracontratual, se pensarmos nos deveres que surgem para o
lesante e lesado após, e antes, da verificação dos danos.
De facto, o contrato institui uma relação obrigacional complexa; Da celebração deste emergem varias
situações, deveres, ónus, estados de sujeição, etc...
Com efeito, e em regra, de um contrato surgem para ambas as partes, uma multiplicidade de direitos,
obrigações e situações de outra natureza (conjunto de vínculos emergentes do contrato, que unem
ambos os contraentes):
Este conjunto de obrigações e direitos estão organizados entre si em ordem à realização do contrato,
à protecção da própria pessoa e do património dos contraentes.
Na definição que nos é dada por Mota Pinto de relação obrigacional complexa podemos distinguir:
1-deveres principais de prestação – do contrato surgem deveres que são aqueles que imprimem
um determinado cunho, isto é, que permitem distinguir o contrato de todos os demais, ex. art.879º.
Com a realização dos deveres principais de prestação, a obrigação, normalmente extinguir-se-á
através do cumprimento.
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2-deveres secundários de prestação – complementam os deveres principais, estão ao serviço do
cumprimento, da efectivação dos deveres principais, ex. na compra e venda, o dever de transportar a
coisa.
3-deveres secundários autónomos – são sucedâneos dos deveres principais, seja substituindo-os,
seja coexistindo com eles.
Ex. Se uma das partes está em incumprimento e a execução especifica não é possível, há lugar ao
dever de indemnizar, ora, este dever vem substituir o dever principal, isto é, a coisa ou facto,
infungível, já não pode ser prestada, logo a parte tem o direito a ser indemnizada.
Diferente é o caso em que o devedor esteja em Mora, obtendo, por essa razão, o credor um direito a
ser indemnizado pelos prejuízos por ele havidos em virtude da mora. Neste caso o direito à
indemnização vai coexistir com o direito principal de prestação ainda possível, isto é, o credor vai ter
direito à prestação a que o devedor está adstrito e à indemnização em virtude da mora.
4-deveres laterais de conduta – estes não são deveres de prestação, antes de conduta. Não são
propriamente dirigidos ao interesse do cumprimento mas estão ligados à realização do fim perfeito do
contrato e à protecção pessoal e patrimonial dos contraentes.
Estes deveres laterais podem ter fontes diversas, tais como:
- Convenção das partes
- A lei
- A boa-fé, art762º nº2
São ainda deveres que não dependem da validade do contrato para se efectivarem, isto porque,
podem até existir na fase pré e pós-contratual, logo, a nulidade do contrato não obsta à existência
destes deveres.
A tipificação destes deveres não obedece a um modelo unitário, no nosso estudo iremos adoptar a
seguinte enumeração:
Deveres de aviso/comunicação – derivam de factos de que uma das partes tem conhecimento e
deve levar ao conhecimento da outra parte, por serem ou poderem ser, determinantes na formação da
vontade, são, como tal, ocorrências que podem afectar a execução do contrato.
Ex. O gestor deve avisar o dono do negócio do início da gestão.
Deveres de informação e esclarecimento – são preponderantes na fase pré-contratual para formar a
vontade de forma sã. Ex. Informação técnica, jurídica ou médica a prestar.
Deveres de cooperação – cooperação entre as partes em ordem à realização do fim contratual,
incidem também sobre o credor. O facto de o credor poder exigir de outrem determinada prestação
não o exime de, por exemplo, tornar possível essa prestação. Ex. O dono do bem, deve entrega-lo ao
transportador (no âmbito de um contrato de transporte).
Deveres de cuidado – cuidado com a pessoa e o património da contraparte. Devem as partes, para
alem de cumprirem o contrato, de o fazer de forma não lesiva para a contraparte.
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Deveres de lealdade/fidelidade – devem as partes adoptar um comportamento em ordem à
realização perfeita do contrato. Ex. Deveres de não concorrência.
A violação culposa destes deveres não significa incumprimento já que não se tratam de deveres de
prestação, no entanto implica a violação do contrato, uma violação positiva, portanto, gerando a
responsabilidade.
Apesar da violação, e como não estamos ante a violação de deveres de prestação a parte lesada não
poderá recorrer à acção de cumprimento. No entanto, ser-lhe-á concedida a possibilidade de resolver
o contrato, caso este decorra de uma relação particularmente estreita de confiança mútua e de leal
colaboração e caso haja um comportamento que afecte gravemente essa situação (Baptista
Machado), ainda que o dever de lealdade/fidelidade não seja um dever principal.
O contrato enquanto fonte de obrigações é precedido por uma fase de negociação, a qual, em alguns
casos (contratos de adesão) não tem qualquer relevancia.
Menezes Cordeiro refere os actos preparatórios, assinalando que estes podem ser materiais ou
jurídicos, consoante se traduzem em simples modificações do mundo material ou antes, impliquem
acatividades de puro significado jurídico.
Acto preparatório material – serão por exemplo os contactos preliminares através dos quais as
partes procuram conhecer-se e indagar dos seus interesses na possivel negociação.
Actos preparatórios jurídicos - podem ser vinculativos ou não vinculativos.
Conforme obriguem, ou não, as partes a praticas ulteriores (é vinculativo o contrato promessa; já a
proposta de qualquer facto preparatório não adstringe, por si, as partes a qualquer conduta).
Deveres principais de prestação
Deveres secundários de prestação
Deveres laterais de conduta
Deveres de aviso/comunicação Deveres de informação e esclarecimento
Deveres de cooperação Deveres de cuidado
Deveres secundários autónomos
Deveres de lealdade/fidelidade
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A natureza jurídica dos preliminares já foi controvertida, tratava-se, à altura, de saber se, no seu
decurso, as partes eram inteiramente livres de agir, ou se, pelo contrário elas deviam observar certas
regras. A resposta é, hoje em dia, pacifica.
No decurso dos preliminares as partes matem a liberdade de contratar; devem contudo respeitar a
boa-fé, pelo que tudo quanto façam, tem a esse nível relevância jurídica.
Portanto, actos preparatórios são um conjunto de actos que se insere no processo de formação do
contrato, mas não se reconduzem, quer à formação de uma proposta quer à de uma contra-proposta.
Nesse sentido, Menezes Cordeiro refere uma “contratação mitigada”, na medida em que traduz uma
situação em que as partes já estabeleceram vínculos entre si, mas de conteúdo fluido, tendo em vista
uma futura negociação
Por exemplo, os acordos de negociação. Por via destes vêm as partes reduzir a escrito um conjunto
de princípios que desejam que norteiem o contrato; exprimem a vontade das partes com vista à
celebração do contrato.
No entanto, estes acordos não exprimem uma vontade de vinculação.
Podem as partes, no início das negociações, já se vincularem, por exemplo situações em que as
partes se abstenham de negociar com outrem. Este acordo já é de natureza contratual; as partes não
sabem ainda se vão chegar a um consenso mas já se abstêm de negociar com terceiros.
Atente-se ainda na convenção sobre a forma do negócio (art. 222º e 223º) ou a convenção sobre o
valor do silêncio (art. 218º).
A par destas figuras existem outras, como o contrato de promessa e o pacto de preferência, estas já
vinculam as partes, não obstante tratarem-se de contratos preparatórios, pois visam a celebração de
um contrato futuro, definitivo.
Contrato quadro – já é uma figura contratual, mas com uma natureza própria. Vai estabelecer os
parâmetros dentro dos quais se vão desenvolver as actuações das partes, neste sentido vai se
estabelecer o relacionamento futuro das partes.
Convenção de arbitragem – esta convenção já é, também, um contrato. Não visa preparar um
contrato futuro, antes a resolução de litígios, por exemplo, as partes estabelecem uma cláusula
compromissória, em momento anterior ao da existência do litígio que pode, contudo, vir a ter lugar; ou
podem, por outro lado, caso o litígio já exista, estabelecer uma convenção de arbitragem.
Pacto de opção – é uma figura específica e que é admitida pela lei ao abrigo do art. 405º, no entanto,
não é disciplinado por lei. É um acordo (contrato) através do qual uma das partes emite uma
declaração negocial com vista à formação de um contrato futuro. Nesse sentido, fica a contraparte
com um direito (potestativo) de celebrar ou não o contrato. Esta figura é disciplinada pela legislação
Italiana como proposta irrevogável; não tem natureza preparatória.
O Contrato de Promessa art. 410º
O contrato promessa é um contrato que vincula ambos os contraentes, ou apenas um, à celebração
posterior de um contrato, o contrato prometido.
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Neste sentido, é um contrato que integra a categoria ampla dos chamados contratos preliminares, ou
seja, é um contrato cujos efeitos não se produzem em globo, mas de forma progressiva.
O contrato promessa contem já os elementos essenciais que irão integrar o contrato pormetido.
Os contraentes (ou um deles) auto vinculam-se a um facere pessoal e jurídico, surgindo para os
promitentes (ou para um deles) o direito de exigir esse comportamento declarativo.
A natureza obrigacional do contrato não é posta em causa na presença de uma cláusula de tradição
da coisa.
Do ponto de vista da vinculação o contrato diz-se bilateral, se ambos os contraentes (promitentes)
assumirem a obrigação de estipular o contrato prometido. Será unilateral (art. 441º) se apenas um
deles contrair essa obrigação.
Como se disse, os promitentes obrigam-se à emissão de uma declaração negocial (celebração do
contrato prometido) logo, o contrato promessa distingue-se do pacto de opção; neste existe, desde
logo, a emissão de uma declaração negocial de uma das partes.
Subjacente à promessa está uma vontade séria e firme de vinculação, no entanto existem ainda um
conjunto de obstáculos materiais e/ou jurídicos impeditivos de uma imediata contratação definitiva. O
contrato prometido é então remetido para um momento ulterior por razões materiais, jurídicas ou até
de mera conveniência.
Segundo Antunes Varela o contrato promessa é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas
uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressuposto, a celebrar
determinado contrato.
Nesse sentido, o contrato promessa cria a obrigação de contratar, ou mais concretamente, a
obrigação de emitir a declaração de vontade atinente ao contrato prometido. A obrigação assumida
por ambas os contraentes ou por um deles (caso a seja uma promessa unilateral) tem por objecto
uma prestação de facto positivo, um facere oportere. E o direito correspondente atribuído à
contraparte traduz-se numa verdadeira pretensão.
Contrato promessa VS Pacto de preferência (art. 414º)
Venda a retro (art. 927º)
Pacto de opção
Pacto de preferência – a pessoa não se obriga a contratar, como acontece no contrato promessa,
apenas se obriga, caso se decida a contratar a; em igualdade de circunstâncias com terceiro,
escolher o preferente.
Venda a retro – o comprador não promete celebrar uma outra venda com o vendedor, fica antes
sujeito a que este, mediante uma simples notificação, resolva celebrar o contrato sem necessidade
portanto de qualquer nova declaração contratual por parte do vendedor.
Pacto de opção – uma das partes emite logo a declaração correspondente ao contrato que pretende
celebrar; enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar ou declinar o contrato dentro de certo
prazo. Aceitando o contrato aperfeiçoa-se sem necessidade de qualquer nova declaração da
contraparte, ao contrario do que sucede na promessa unilateral, onde se torna necessário um acordo
posterior para dar vida ao contrato definitivo.
Da promessa unilateral deriva para o não promitente uma verdadeira pretensão à celebração do
contrato prometido; do pacto de opção deriva um direito potestativo à aceitação da proposta
contratual emitida e mantida pela outra parte.
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Promessa unilateral VS Proposta contratual
A promessa unilateral também não se confunde com a proposta contratual. Nesta prescinde-se de
nova manifestação de vontade proponente para que o contrato se aperfeiçoe, na promessa unilateral
não. Pois o promitente obriga-se apenas à celebração de um contrato futuro, isto é, à emissão de
uma declaração de vontade respeitante ao contrato prometido.
Alem disso, enquanto a promessa unilateral assenta sobre um contrato consumado, a proposta é uma
simples declaração de vontade emitida por uma das partes, que só se converte em contrato com a
aceitação do outro contraente, que ela visa provocar.
Sinal – consiste na coisa (dinheiro ou outra coisa fungível) que uma das partes entrega à outra no
momento da celebração do contrato ou em momento posterior, como prova da seriedade do seu
propósito negocial e garantia do seu cumprimento, ou como antecipação da indemnização devida ao
outro contraente, na hipótese de o autor do sinal se arrepender do negocio e voltar atrás.
No primeiro caso diz-se um sinal de natureza confirmatória (arras confirmatórias), no segundo caso
diz-se um sinal penitencial.
Logo, o contrato promessa é uma convenção autónoma, enquanto a constituição de sinal é uma
cláusula dependente de outro negócio na qual se insere.
A constituição de sinal tanto pode acompanhar um contrato promessa como um contrato definitivo.
No contrato promessa, em que um dos contraentes entregue ao outro qualquer quantia em dinheiro
ou outra coisa, mesmo que a coisa coincida no todo ou em parte com a prestação correspondente ao
contrato prometido, a entrega tanto pode representar a constituição do sinal como uma antecipação
de pagamento, consoante as circunstancias.
Na promessa de compra e venda é que se presume, até prova em contrário, que reveste o sentido de
sinal, toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor (art. 441º e 350º
nº2), ainda que a título e antecipação ou princípio de pagamento.
Principio da equiparação art. 410º
Nesta sede teremos de proceder à distinção entre o contrato promessa e o contrato prometido, ou
seja, a promessa da compra e venda por um lado, e a compra e venda propriamente dita por outro.
Este princípio é a directiva de ordem geral que a lei estabelece quanto ao regime do contrato
promessa e consiste em aplicar, como regra, aos requisitos e aos efeitos do contrato promessa as
disposições relativas ao contrato prometido.
O princípio da equiparação admite, no entanto duas excepções, são elas:
a) Excepção no plano formal (relativa à forma do contrato)
b) Excepção no plano substancial
Excepção no plano formal (relativa à forma do contrato) – a solução aplicável ao contrato
promessa traduz-se nos seguintes preceitos:
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1 – Se para o contrato prometido a lei exigir documento (seja autentico ou particular), como sucede
para a venda ou doação de coisas imóveis, o respectivo contrato promessa soo é valido se constar de
documento escrito pelos promitentes (art. 410. nº2).
2 – Tratando-se de contrato promessa relativo à celebração de contrato oneroso de transmissão ou
constituição de direito real sobre edifício, já construído, em construção, ou que deva vir a ser
construído, o documento necessita de ter o reconhecimento presencial das assinaturas dos
outorgantes; bem como a certificação notarial da existência da licença de utilização ou de construção.
3 – Se o contrato prometido estiver subordinado a qualquer outra formalidade, que não seja a redução
a documento, vale para a respectiva promessa a regra geral da liberdade de forma (art. 219º).
Duvidas suscitadas relativamente à forma do contrato
a) Falta do requisito - intervenção notarial
Assentos de 28 de Junho de 1994 e de 1 e Fevereiro de 1995
O artigo 410º nº3, ao sujeitar os negócios nele previstos a um regime excepcional vem acautelar que
o promitente-comprador não seja lesado pela promessa de compra de construções ainda não
legalizadas (nomeadamente as chamadas construções clandestinas).
O STJ veio esclarecer quem poderia invocar a falta dos requisitos estabelecidos no art. 410º nº3,
através do assento 15/94.
Este assento estabeleceu que a omissão das formalidades não pode ser invocada por terceiros
alheios ao negócio. Já o assento 3/95 determinou que também o tribunal não poderia conhecer,
oficiosamente a omissão desses requisitos.
Em ambos os casos o Supremo consagrou a doutrina propugnada por Calvão da Silva.
Com efeito o STJ veio a consagrar uma nulidade atípica, pois exclui da norma do art. 286º “todos os
interessados”.
Calvão da Silva, na senda da protecção da parte mais débil, funda a sua doutrina nos seguintes
argumentos:
1 – O art. 220º in fine estabelece “quando outra não seja a sanção prevista na lei”, nessa linha,
também o art. 285º no inicio refere “na falta de regime especial”. Com efeito, para este autor, a norma
do nº 3 do art. 410º in fine, consagra e funda a referida nulidade atípica.
2 – Se com esta norma (410º nº3) se visa a protecção do adquirente, não poderia aceitar-se que a
referida nulidade pudesse ser invocada por terceiros alheios ao negócio, que assim vinham por em
causa um contrato que poderia ser favorável ao promitente-comprador.
3 – Nesse trilho, veda-se também a possibilidade de a nulidade ser invocada pelo promitente
vendedor (salvo a excepção do 410º nº3 in fine, que estabelece essa possibilidade caso o vicio seja
fundado pela actuação do promitente-comprador).
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No entanto, Antunes Varela refere que nenhuma sanção especial a lei civil comina para a violação do
art. 410º nº3; e que nenhum regime especial nela prevê, a não ser no que estritamente se refere ao
promitente culpado, ou presuntivamente culpado da omissão.
O ilustre jurista vai mais longe, com efeito, considera que a não possibilidade da invocação da
nulidade por terceiros decorrente da violação do art. 410º nº3 e a mesma impossibilidade do tribunal
de a conhecer oficiosamente se traduz numa violação, por parte do STJ do art. 8º nº2.
Também Almeida Costa se insurge contra esta decisão, para este autor a omissão das licenças de
construção ou utilização deve ser do conhecimento oficioso do tribunal, já que está aqui em causa a
defesa de um interesse publico, a chamada ordem publica económica de direcção.
b) Falta do requisito – assinatura de uma das partes em contrato promessa bilateral
Levantou o problema, que se encontra actualmente resolvido, e que consistia em saber se, na
hipótese de celebração de um contrato promessa bilateral no qual apenas constasse assinatura de
um dos promitentes, se deveriam considerar os contratos promessa celebrados em tal condição como
nulos, ou por outro lado, se se deveria aproveitar a parte válida dos mesmos?
Actualmente, preconiza-se a posição do aproveitamento da parte válida, não viciada do contrato
promessa. A dúvida subsiste, porém, sobre se esse mesmo aproveitamento é desencadeado através
da figura da redução do negócio jurídico ou através da conversão do negócio jurídico totalmente nulo
num outro negócio jurídico válido.
O Assento do STJ de 29 de Novembro de 1989 veio considerar que nestas hipóteses, o contrato
promessa seria nulo, admitindo-se porém a sua validade como promessa unilateral, desde que essa
tivesse sido a vontade das partes. Preconizou o Tribunal, portanto, a tese do Aproveitamento parcial
do contrato promessa, designadamente da sua parte válida. A doutrina, porém, continuou dividida
quanto a esta situação:
a) Almeida Costa defende que o STJ aderiu à via da redução do negócio jurídico
b) Antunes Varela considerou que o mesmo Tribunal contemplou a tese da conversão do negócio
jurídico em causa
A posição de Brandão Proença vai de encontro à tese defendida por Almeida Costa e Carvalho
Fernandes, que consideram que, tendo em conta o preceituado no art. 292º, a redução do negócio se
destina à manutenção da parte válida do mesmo, presumindo-se a vontade hipotética das partes no
sentido desta divisibilidade, presunção essa livremente afastável pelo contraente que não esteja
interessado na validade parcial do contrato promessa celebrado, mediante a prova e alegação de
factos ilisivos da presunção.
Redução: o ónus da prova cabe ao que não assinou
Conversão: cabe ao que assinou
Excepção no plano substancial – relevam nesta sede os efeitos dos contratos promessa. Nem
todas as disposições que se aplicam ao contrato prometido são aplicáveis ao contrato promessa.
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Com efeito, e como refere o Prof. Brandão Proença, o facto de a promessa originar apenas a
obrigação de emitir as declarações negociais correspondentes ao contrato prometido, torna
inaplicáveis as normas que estão conexionadas com um eficácia translativa ou constitutiva do
contrato.
Por exemplo, não fará sentido aplicar o art.879º relativamente a um contrato promessa, com efeito, a
não aplicação das normas que tenham que ver com a eficácia real (translativa ou constitutiva) ao
contrato promessa é-nos conferida pelo art. 410. nº1 in fine quando refere “ as que pela sua razão de
ser, não se devem considerar extensivas ao contrato promessa.
O contrato promessa, criando para o promitente uma obrigação de contratar, cujo objecto é uma
prestação de facto jurídico, goza apenas, em principio de eficácia meramente obrigacional, restrita por
conseguinte às partes contratantes, ao invés do contrato prometido, quando se trate de contrato de
alienação ou oneração de coisa determinada, que goza de eficácia real.
Portanto, é precisamente no capítulo dos efeitos da promessa que tem pleno cabimento a segunda
das excepções admitidas ao princípio da equiparação.
Para sabermos se determinada regra do contrato prometido é aplicável ou não ao regime do
respectivo contrato promessa há que apurar, em obediência à directriz traçada, a razão de ser dessa
regra, a ratio legis da norma que a consagra.
Com efeito, e no seguimento do que até aqui foi dito, não se consideram aplicáveis ao contrato
promessa as seguintes normas:
Alínea a) do 879º e na sequencia lógica da não aplicação deste preceito o art. 796º. Ainda o art. 886º.
De igual modo não se considera aplicáveis ao contrato promessa a proibição da venda de bens
alheios (art. 892º); a proibição de venda de coisa comum (indivisas) por um só dos condóminos (art.
1403º e 1408º)
É igualmente inaplicável à promessa de venda de bens imóveis o nº1 do art. 1682 – A.
Eficácia real da promessa
O contrato promessa tem uma mera eficácia obrigacional (inter partes) ao gerar um direito de crédito,
bilateral ou unilateral, à celebração do contrato prometido.
Ao partilhar da característica da relatividade, (art. 406º) o direito surgido apenas é oponível às partes,
podendo, em virtude dessa razão, ser posto em causa no caso do promitente vendedor transmitir o
seu direito real a terceiro alheio ao contrato promessa.
Independentemente do recurso, mais falível, aos procedimentos cautelares, a forma de prevenir essa
fragilidade da promessa consiste na celebração do contrato promessa dotando-o de eficácia real, (art.
413º).
A atribuição de eficácia real ao contrato promessa está sujeita a quatro requisitos cumulativos e que
são condição sine qua non para que essa atribuição possa ser realizada.
Art. 413º
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1º - Bens imóveis ou movei sujeitos a registo
2º - Declaração expressa ou alusão inequívoca à eficácia real da promessa (erga omnes) da
promessa.
3º - O contrato promessa terá de ser inscrito no registo
4º - Eventualmente o contrato será outorgado em escritura pública
Uma vez verificados estes requisitos a promessa, enquanto não for revogada, declarada nula ou
anulada ou não caducar, prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) de constituição
posterior em relação à coisa, tudo se passando, em relação a terceiros, como se a alienação ou
oneração prometida se houvesse realizado na data em que a promessa foi registada.
Na falta dos requisitos exigidos, o contrato promessa, ainda que valido, terá eficácia meramente
obrigacional.
É especialmente nos casos em que o contrato promessa, podendo ter eficácia real carece dos
requisitos para tal exigidos, que mais se acentua a sua eficácia relativa (obrigacional).
Os direitos nascidos do contrato não valem contra terceiros, não podem ser opostos a terceiros, nem
destes pode ser exigida qualquer indemnização pela eventual violação da promessa.
Transmissão dos direitos e obrigações dos promitentes
Os direitos e obrigações resultantes da promessa contratual são, em princípio transmissíveis inter
vivos e mortis causa, art.412º.
Se para um dos contraentes a promessa cria apenas um direito de crédito, ele poderá cedê-lo nos
termos dos art.577º e SS. Já quando do contrato promessa lhe advenham ao mesmo tempo direitos e
obrigações, como no caso da promessa de compra e venda, ele poderá ceder a sua posição
contratual em conformidade com o art.424º e SS.
No caso de falecimento de qualquer das partes, a posição de de cujus transmite-se aos seus
sucessores de acordo com as regras da sucessão, art.2597º e SS.
Consideram-se excluídos da regra da transmissão os direitos e obrigações em cuja constituição,
segundo a vontade das partes, ou as próprias circunstâncias do contrato, tenham exercido papel
decisivo as qualidades ou atributos pessoais do promitente ou da contraparte.
É a estes direitos ou obrigações constituídos intuitu personae, que o art.412º se refere com a
expressão “direitos e obrigações exclusivamente pessoais”.
Ex. Promessa de mandato; promessa de arrendamento em relação ao arrendatário etc.
Execução especifica e demais sanções aplicadas ao inadimplente
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Durante muito tempo prevaleceu na doutrina a ideia de que a obrigação de emitir uma declaração de
vontade, nascida do contrato promessa, para ambos os contraentes ou para um deles, como
obrigação de facere que é, constituía um facto incoercível (nemo potest precise cogi ad factum) e de
que à falta de cumprimento do promitente, quando se verifiquem os pressupostos necessários à
responsabilidade do devedor, não poderiam senão corresponder as sanções previstas na lei ou
estipuladas pelos contraentes, (tais como a perda do sinal, a restituição deste em dobro, uma
indemnização pelos danos sofridos pela contraparte) para a não realização irremediável e insuprível
do contrato prometido.
Por conseguinte, a única, ou pelo menos a principal sanção prevista para o não cumprimento da
promessa de contratar, tal como para o não cumprimento de qualquer outra obrigação, era a da
indemnização do credor pelos prejuízos que ele tivesse havido em função do incumprimento.
A partir de certo momento, contudo, os autores começaram a distinguir entre coercibilidade e
fungibilidade da prestação a que o promitente faltoso se encontrava adstrito, e a admitir que o tribunal
pudesse suprir a falta de cumprimento, com o fundamento de que a vontade de estipulação do acto
prometido não era uma vontade livre, antes vinculada, uma vontade de cumprimento.
Dirigida às necessidades do nosso tempo, foi consagrada a actual norma do art.830º.
Nos casos em que haja lugar à sua aplicação, tratar-se-á de uma verdadeira acção declarativa
constitutiva, na qual a parte fiel requer ao tribunal a obtenção de uma sentença que produza os
efeitos da declaração negocial omitida por parte do faltoso, isto é, que supra a falta de manifestação
de vontade da parte ofensora.
Será como se o próprio contrato prometido seja celebrado por via de sentença.
A problemática do Sinal (regime inicial do CC de 1966 e regime actual)
O regime da falta de cumprimento, quando houvesse prestação de sinal, era muito simples, pois se
mantinha fiel ao pensamento das arras penitenciais.
1 – Se quem faltava ao cumprimento era o autor do sinal, o faltoso perdia o que houvesse prestado, e
a parte contrária podia fazê-lo definitivamente seu, a titulo de indemnização ou de compensação pelo
malogro da sua expectativa quanto à realização do contrato prometido (art.442º nº2, 1ª parte da
versão inicial).
2 – Já se o faltoso fosse o contraente que recebera o sinal, ele tinha que restituir à contraparte o
dobro do que ela tivesse prestado, isto é, o dobro do sinal recebido, para que no fundo a sanção por
ele sofrida fosse igual à sanção aplicável ao outro contraente, quando fosse este o faltoso. (art. 442º
nº2, 2ª parte da versão inicial).
Em principio, havendo sinal, não podia, o contraente interessado no cumprimento recorrer à execução
especifica, (art.830º nº2 da versão inicial) nem o contraente faltoso podia sofrer qualquer outra sanção
pelo facto do não cumprimento, isto por se presumir que as partes davam à sinalização do contrato o
sentido clássico das arras penitenciais.
Alterações introduzidas pelo DL 236/80 de 18 de Julho
Este DL, a pretexto de que a continua desvalorização, tornaria a sanção aplicável (a restituição do
sinal em dobro) praticamente ineficaz veio, através de uma nova redacção dada ao art.442º, sujeitar o
accipiens do sinal a duas novas sanções.
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1ª – Exigir a restituição do sinal em dobro
2ª – Reclamar como indemnização o valor da coisa (objecto do contrato prometido) à data do
incumprimento.
3ª – Recorrer à execução específica.
Além disso, na nova redacção dada ao art.830º, o legislador (eliminando o antigo texto do nº2 dessa
disposição) deixou de considerar a constituição de sinal e a estipulação de cláusula penal como
presunções de reserva do direito de arrependimento para ambos os promitentes.
A eliminação desse preceito e a nova definição do campo de aplicação da execução especifica da
promessa (art.830º nº1, redacção de 1980) levaram os nosso tribunais (esquecendo a redacção do
novo art.442º nº2) a considerar admissível o recurso à execução especifica (por parte do autor do
sinal), quer tivesse havido ou não entrega de sinal (ou estipulação de clausula penal), quer tivesse
havido ou não tradição de coisa.
O diploma de 1980 veio ainda conferir ao promitente-comprador, no caso de haver tradição da coisa,
o direito de retenção sobre esta, para garantia dos créditos provenientes do incumprimento do
promitente vendedor.
Como o direito de retenção goza, inclusivamente de preferência sobre a hipoteca anterior que onere o
(mesmo) imóvel (art.759º nº2) o promitente-comprador passou a gozar duma tutela manifestamente
excessiva e injusta.
Emendas introduzidas pelo DL 379/86 de 11 de Novembro.
Por via deste decreto-lei veio o legislador tentar corrigir a sua intervenção da disciplina do contrato
promessa efectuada pelo DL 236/80. O regime introduzido por aquele DL é visível, desde logo na
segunda sanção prevista no anterior diploma.
Analise da questão do sinal no regime actual. Segundo Menezes Leitão.
Portanto, o sinal consiste numa cláusula acessória dos contratos onerosos, mediante a qual uma das
partes entrega à outra, por ocasião da celebração do contrato, uma coisa fungível (o Prof. Menezes
Leitão propugna pela impossibilidade de o sinal consistir em uma coisa infungível. Nota o ilustre
jurista que, apesar de a lei não restringir expressamente o sinal a coisas fungíveis, não é de todo em
todo concebível que ele consista numa coisa infungível, pois que não faria sentido, nesse caso, a
sanção da sua restituição em dobro), que pode ter natureza diversa da obrigação contraída ou a
contrair. O sinal funciona, então, como fixação das consequências do incumprimento, uma vez que se
a parte que constituiu o sinal deixou de cumprir a sua obrigação, a outra parte tem o direito de fazer
sua a coisa entregue. Se o inadimplemento partir de quem recebeu o sinal, tem este que o devolver
em dobro (art. 442º nº2 1ª parte). Caso, porém, se verifique o cumprimento do contrato, a coisa
entregue será imputada na prestação devida – valendo como princípio de pagamento – ou restituída,
caso essa imputação não seja possível (442º nº 1).
No entendimento de Menezes Leitão, o sinal representa um caso de datio rei, pois que transmite a
propriedade com uma função confirmatória-penal, podendo, por isso, qualificar-se como um contrato
real simultaneamente quoad constitutionem e quoad effectum, uma vez que terá eficácia real e a sua
válida constituição necessita de um acto real (ex. Mútuo, art.1142º).
5
Em sede de contrato de promessa, a datio rei realizada pelo promitente-comprador nunca pode ser
coincidente com a prestação a que este fica adstrito, pelo que nunca se poderá qualificar como
antecipação do cumprimento de uma obrigação vigente. Como sabemos, o contrato de promessa
institui apenas obrigações de prestação de facto jurídico de que a entrega de coisa nuca poderia
constituir cumprimento. Por tal motivo, é excluída a aplicação do art. 440º, fazendo-se antes a do
art.441º.
Da norma do art. 441º resulta que a entrega de quantias em dinheiro, pelo promitente comprador ao
promitente vendedor constitui a presunção da estipulação de sinal por essa via, isto mesmo que as
quantias entregues o sejam a título de antecipação de pagamento do preço.
A lei estabelece uma distinção no regime do sinal, consoante este seja aplicado genericamente a
todos os contratos, ou especialmente ao contrato de promessa. No entanto o art. 442º não distingue
entre estas duas situações, cabendo à doutrina fazê-lo.
Resulta da distinção doutrinária que o disposto no art. 442º nº1 e nº 2 primeira parte se refere ao
regime do sinal em geral (que não importa agora tratar); já o disposto no 442ºnº2 segunda parte
incide especificamente sobre o funcionamento do sinal no contrato de promessa.
A ratio da norma do art. 442º nº2 segunda parte reside no facto de, na década de 1980, se ter
verificado um período de forte inflação e especulação imobiliária, com a inerente desvalorização das
quantias em dinheiro e valorização dos bens imóveis. Facilmente se entende que, a demora na
efectivação dos contratos de promessa levava naturalmente a que deixasse de existir
correspondência económica entre o preço estipulado para o contrato definitivo e a coisa prometida
vender. A referida desvalorização pecuniária acabava por tornar platónica a sanção da restituição do
sinal em dobro, uma vez que a valorização da coisa compensava o pagamento dessa indemnização à
contraparte. Por esses motivos, os promitentes vendedores eram torticeramente levados a incumprir
os contratos de promessa.
O DL 379/86 veio pôr termo à imprecisão verificada no seu antecessor (DL 236/80). Com efeito,
actualmente, o que o promitente-comprador pode exigir, em caso de incumprimento pelo promitente
vendedor, é a valorização obtida pela coisa entre o momento da celebração do contrato e o momento
do não cumprimento; valor que se obtém subtraindo ao valor actual da coisa o preço convencionado,
sendo que a este montante acresce a restituição do sinal em singelo e da parte do preço que tenha
sido paga (442º nº2 segunda parte).
Figuremos a seguinte hipótese (exemplo referido por Menezes Leitão)
A promete vender a B e este promete comprar-lhe uma casa pelo preço de 50.000 euros, pagando B
25.000 euros como sinal, e sendo efectuada a tradição da coisa. Posteriormente, no entanto, o valor
da casa sobe para 200.000 euros. Se A apenas tivesse que restituir o sinal em dobro, entregaria a B
50.000 euros, e iria ganhar 150.000 euros, através da alienação da casa a terceiro, o que tornaria
para ele o incumprimento do contrato mais vantajoso do que o seu cumprimento.
Portanto, podendo B optar pela valorização da coisa, A teria de lhe pagar o seu valor actual, com
dedução do preço convencionado e restituir-lhe o sinal em singelo, isto é:
200.000 – 50.000 + 25.000 = 175.000 Euros. O que torna desvantajosa a opção pelo incumprimento.
Coloca-se a questão de saber se a exigência do aumento do valor da coisa pressupõe que tenha sido
constituído sinal ou basta-se apenas com a tradição da coisa.
5
O Prof. Menezes Cordeiro peleja pela exigência de constituição de sinal, pois que na sua falta, a
tradição da coisa para o promitente comprador apresenta-se como um acto de mera tolerância do
promitente vendedor não havendo razão para que ele seja prejudicado por esse acto. Em sentido
inverso, o Prof. Galvão Telles, pronuncia-se pela desnecessidade de existência de sinal.
Nota Menezes Leitão que o regime estabelecido no art. 442º nº2 segunda parte visa, primacialmente,
evitar, nos casos em que houve tradição da coisa, que o funcionamento tradicional do sinal se torne
uma sanção platónica para o promitente vendedor. Trata-se, pois, de uma disposição excepcional,
destinada a corrigir um funcionamento desvirtuado do sinal, que não pode, por isso, ser aplicada fora
desse âmbito.
Caso não exista a constituição de sinal, o caso será diferente, pois que não ficará, o promitentecomprador,
limitado a uma indemnização pré convencionada, podendo exigir quer a execução
específica do contrato (art. 830º nº1) quer uma indemnização pelos prejuízos havidos em virtude do
incumprimento (art. 798º).
O art. 442º nº3 primeira parte estabelece que o recurso à execução específica é possível em qualquer
dos casos do número anterior. Com efeito, trata-se de uma disposição errónea uma vez que nem
sempre poderá o contraente não faltoso recorrer àquele instituto, como aliás estabelece o art. 830º
nº2, pois que havendo sinal, presume-se que as partes efectuam uma estipulação contrária à
possibilidade de recurso à execução, só podendo funcionar quando as partes afastem aquela
presunção ou se trate da hipótese estabelecida no nº 3 do art. 830º.
Portanto, o que o 442º nº3 primeira parte quer referir é que a execução específica é possível, haja ou
não tradição da coisa a que se refere o contrato de promessa.
No caso do art.442º nº3 segunda parte, o legislador consagrou a solução defendida por Menezes
Cordeiro, em face do DL 236/80 e que vai no sentido de admitir que a oferta do cumprimento da
promessa, por parte do faltoso, paralisasse o direito ao aumento do valor da coisa ou do direito pela
outra parte, salvo nos casos previstos pelo art. 808º (mecanismo qualificado pelo autor como
“excepção do cumprimento do contrato de promessa).
A questão suscitada pelo DL 379/86 (na redacção que deu ao art. 442º nº3) atinente à exigência do
incumprimento definitivo ou, pelo contrário da simples mora na constituição dos direitos do promitente
não faltoso.
A norma do art.808º refere-se aos casos em que a mora se transforma em incumprimento definitivo,
pelo que a ressalva desta disposição no art. 422º nº3 fará pressupor que o incumprimento definitivo
ainda não se tenha verificado. Sendo a previsão do art. 422º nº3 a opção pelo aumento do valor da
coisa, o que por sua vez, aparece no 422º nº2 como alternativa à perda do sinal ou a sua restituição
em dobro, pareceria que todos estes efeitos seriam consequência da simples mora no cumprimento. A
isto acresce que a oferta de um cumprimento em relação a um contrato de promessa definitivamente
incumprido faria pouco sentido.
A tese da aplicação do 422º nº2 aos casos de simples mora foi defendida pelos Professores Antunes
Varela e Menezes Cordeiro; em sentido contrário, propugnando pela necessidade do incumprimento
definitivo foi o entendimento dos Professores Galvão Telles e Calvão da Silva.
O entendimento do Prof. Menezes Leitão vai no sentido de considerar o incumprimento definitivo, no
que concerne ao regime geral do sinal (art. 422º nº1 e 2 primeira parte).
Já no referente ao contrato de promessa, o autor reafirma a mesma tese. Com efeito, nada há que
justifique a perda ou restituição do sinal em dobro em caso de simples mora.
5
Portanto, a única decisão correcta será a de exigir a transformação da mora em incumprimento
definitivo, por objectiva perda do interesse ou pela fixação de um prazo suplementar de cumprimento,
a chamada interpelação admonitória, esta importa a fixação de um termo peremptório, com referência
expressa à cominação correspondente à sua inobservância.
Mas se aqueles efeitos do sinal ocorrem apenas em caso de incumprimento definitivo, já a adopção
pelo aumento do valor da coisa ou do direito pode ocorrer antes, em caso de simples mora, valendo
esta como renuncia do promitente comprador a desencadear o mecanismo do sinal em caso de
incumprimento definitivo. Neste caso, o promitente-comprador, ante a mora, avisa o promitente
vendedor que caso venha a incumprir definitivamente a obrigação, não poderá valer-se da estipulação
da indemnização através do sinal.
Perante esta opção, o promitente vendedor tem ainda como alternativa cumprir a obrigação, a menos
que se venha a verificar o incumprimento definitivo, pela perda de interesse ou pela ultrapassagem
suplementar do prazo de cumprimento (art. 808º), caso em que terá sempre que pagar o aumento do
valor da coisa.
Chega-se, desta forma, a uma grande harmonia de soluções. A perda do sinal ou a sua restituição em
dobro pressupõem o incumprimento definitivo (art. 422º nº2). Já a opção pelo aumento do valor da
coisa, na medida em que admita ainda um posterior cumprimento, pode ocorrer em caso de simples
mora. Aliás, esta opção vem referida no art. 422º nº3 onde também se prevê a execução específica,
cujo pressuposto é, como se sabe a mora e não o incumprimento definitivo.
Cabe agora indagar sobre a natureza deste direito ao aumento do valor da coisa que se reconhece ao
promitente-comprador, que recebeu a tradição da coisa, em caso de incumprimento da outra parte.
Antunes Varela defende que será uma espécie de sanção pecuniária compulsória, por outro lado
Galvão Telles refere que se trata de uma indemnização compensatória destinada a ressarcir os
prejuízos causados pelo incumprimento, atento o facto de surgir com a exigência do sinal em dobro.
Para Menezes Leitão o princípio que serve de base a este regime é o da restituição do
enriquecimento injustificado. Efectivamente, perante uma situação em que o promitente vendedor,
tendo antecipadamente realizado a tradição da coisa, se enriqueceria à custa do promitente
comprador através da restituição do sinal em dobro, atenta a valorização entretanto verificada na
coisa entregue, a lei vem determinar que essa valorização possa ser atribuída ao promitente
comprador, em alternativa à indemnização convencionada.
O jurista refuta pois ambas as teses expostas, pois que, a tese defendida por Antunes Varela esbarra
no facto de, uma vez tratando-se de uma sanção pecuniária compulsória o direito dever-se-ia
extinguir sempre que o devedor de dispusesse a cumprir, e tal não se verifica se estiverem reunidos
os pressupostos que ditam a aplicação do art. 808º.
Passamos, por fim à análise das possíveis funções do Sinal no contrato de promessa
No direito português actual, a natureza do sinal tem sido controvertida.
Para Galvão Telles, o sinal não tem natureza penitencial, antes confirmatória-penal, já que a
indemnização convencionada não funciona como preço de arrependimento, mas antes como sanção
para um acto ilícito, o incumprimento. Nada impediria, porém, as partes de fixarem um sinal
penitencial, para o que se deveria reservar o nome de arras.
Para António Pinto Monteiro o sinal tem natureza penitencial no contrato de promessa, face ao
disposto no art. 830º nº2.
Já Menezes Cordeiro refere que o regime vigente procedeu a uma junção das diversas funções do
sinal, uma vez que o sinal tem natureza confirmatório-penal, na medida em que dá consistência ao
contrato e funciona como indemnização e natureza penitencial, quando funcione como preço de
5
arrependimento, permitindo ao interessado resolver o contrato, mediante o pagamento que resulte do
próprio sinal. A primeira hipótese ocorrerá sempre que a possibilidade de execução específica
coexista com a convenção de sinal, tendo o sinal natureza penitencial, quando a sua estipulação
funcione como convenção contrária à execução específica.
Menezes Leitão propugna pela não consideração do sinal como sendo dotado de natureza
penitencial. Nota o jurista que, mesmo quando a lei admite que aquele vede o acesso à execução
especifica, efectivamente, o sinal só pode ser exigido em caso de incumprimento definitivo da
obrigação pela outra parte, funcionando como predeterminação das consequências desse
incumprimento. Não é, por essa razão, um preço de arrependimento, não sendo por isso penitencial.
Conclui-se, portanto, pela natureza confirmatório-penal do Sinal.
O Pacto de Preferência, art.414º e SS
Pacto de preferência é o contrato pelo qual alguém assume a obrigação de, em igualdade de
condições, escolher determinada pessoa como seu contraente, no caso de se decidir a celebrar
determinado negócio.
De modo geral pode dizer-se que os pactos de preferência são admitidos em relação à compra e
venda (art.414º) e relativamente a todos os contratos onerosos em que tenha sentido a opção por
certa pessoa sobre quaisquer outros concorrentes, art.423º.
Do pacto de preferência nasce (conforme entendimentos distintos) uma de duas obrigações:
a) Non facere – obrigação de o obrigado à preferência não contratar com terceiro, se o preferente
se dispuser a contratar em iguais condições.
b) Facere – querendo contratar, o obrigado à preferência terá de escolher o preferente, isto é,
informar este do projecto de venda.
Face à obrigação do obrigado à preferência, fica a plena liberdade de o preferente aceitar ou não a
celebração do contrato, nos termos em que o obrigado se propõe realizá-lo.
Figuras próximas
Pacto de preferência VS Contrato promessa
Promessa unilateral
Contrato promessa – neste há uma obrigação recíproca de contratar, já no pacto de preferência
apenas um dos contraentes se vincula.
Promessa unilateral – nesta o promitente compromete-se a contratar, enquanto no pacto de
preferência o vinculado não se obriga a contratar, promete apenas, no caso de se decidir a contratar,
preferir certa pessoa (em igualdade de circunstancias) a qualquer outro interessado. Segundo
Antunes Varela “havendo, quando muito, uma promessa unilateral condicional”.
Pacto de preferência VS pacto de opção
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O pacto de preferência prevê a celebração de um novo contrato (eventual).
Já no pacto de opção, existe uma declaração contratual de uma das partes que vincula quem a emite
cabendo à contraparte a possibilidade de concluir a relação contratual, de tal modo que podemos
dizer quer a parte que emite a declaração fica num estado de sujeição, sujeita como está, à
aceitação, ou não, pela contraparte.
Forma
Se a preferência respeita a contrato para cuja celebração a lei exige documento autêntico ou
particular (ex. venda de imóveis), o pacto apenas será válido se constar de documento escrito
assinado pelo obrigado à preferência (visto que a contraparte, o preferente, não é promitente) o
disposto decorre da norma do art.415º que manda aplicar o disposto no art.410º nº2.
Eficácia da preferência
À imagem da promessa, a preferência apenas possui eficácia inter partes, isto é, relativa.
Pode, no entanto, produzir efeitos em relação a terceiros, portanto, gozar de eficácia real. Para tal se
verificar são necessários os seguintes requisitos (art.421º→413º):
1 – A preferência terá de respeitar a bens imóveis ou movei sujeitos a registo
2 – Declaração expressa ou alusão inequívoca à eficácia real da preferência
3 – O pacto de preferência terá de ser inscrito no registo
4 – Eventualmente outorgado em escritura publica.
Quando preenchidos os requisitos referidos, a preferência torna-se um verdadeiro direito real de
aquisição.
Será, desde logo, oponível ao terceiro adquirente da coisa e vai ser igualmente atendível nos
processos de execução ou de liquidação, como a falência, onde os direitos de origem convencional,
devido à sua eficácia erga omnes, serão tratados como os direitos legais de preferência, sem prejuízo
da prioridade devida a estes últimos (art.422º).
Exercício do direito de preferência
A preferência funciona de duas grandes formas antagónicas:
1ª – O obrigado à preferência cumpre o pacto.
2ª – O obrigado não cumpre o pacto, pois que celebra contrato com terceiro sem disso dar
conhecimento ao preferente.
Notificação para preferência (comunicação para preferir), art.416º
O obrigado comunicará ao preferente, por meio de notificação judicial ou extra judicial, não apenas a
sua intenção de contratar. Mas também os elementos essenciais do contrato, tais como:
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- Preço da coisa
- Modalidades de pagamento
- Eventualmente (a menos que exista um dever de sigilo) a pessoa do terceiro.
Note-se que a existência de terceiro (não o conhecimento da sua identidade) é conditio sine qua non
para se considerar a existência de pacto de preferência. H. Mesquita
Como tal, reveste extrema importância a distinção entre notificação para preferência e proposta
contratual.
Ocorre com relativa frequência que o obrigado à preferência, decidindo-se a contratar em
determinadas condições antes de ter qualquer projecto negocial assente com terceiro, comunica ao
preferente a sua vontade, indagando junto deste se deseja exercer o seu direito.
Nessas situações não existe notificação para preferir, antes uma simples proposta contratual,
independentemente da designação que o autor dê à sua notificação.
A circunstância de o dever de notificação para preferência, configurar um verdadeiro dever jurídico, e
não um simples ónus, implica o possível surgimento de uma obrigação de indemnização a favor de
preferente, tendo em conta o ilícito praticado.
Violação da preferência e Acção de preferência
Figuremos a seguinte hipótese: A, obrigado à preferência, aliena a coisa objecto do pacto a terceiro,
sem notificar o preferente, B.
Neste caso, pode o preferente lançar mão da acção de preferência (art.1410º), mas para tal,
necessita que o pacto goze de eficácia real (art.421ºnº1).
Caso o direito de preferência goze de mera eficácia obrigacional, terá o preferente (B) de contentar-se
com uma indemnização concedida por A, por violação do pacto.
Recorrendo à acção de preferência, o titular lesado tem a faculdade de haver para si a coisa alienada,
portanto, de se colocar na posição do terceiro adquirente, como se o contrato tivesse sido concluído
consigo desde o início. Terá, para tal de preencher os requisitos estabelecidos pelo art.1410º nº1, são
eles:
1º - Terá de o requerer nos seis meses subsequentes ao conhecimento dos elementos essenciais da
alienação.
2º - Terá de depositar judicialmente o objecto da prestação que lhe cumpre efectuar (deposito do
preço).
Segundo o Prof. Brandão Proença, na linha de Oliveira Ascensão e Menezes Leitão, o preço
depositado deverá se o preço tout court; que não o preço propriamente dito. E o quantitativo das
despesas a cargo do comprador.
Contra quem deve ser intentada a acção de preferência?
Segundo o Prof. Brandão Proença a tese mais acertada é a defendida por Antunes Varela e Menezes
Leitão, esta propugna pela necessidade do litisconsórcio necessário passivo, isto é, a acção deve ser
proposta contra o alienante e o terceiro.
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Isto porque, deverá invocar-se o interesse que o obrigado à preferência tem de estar na acção,
sobretudo porque a demanda do preferente foi provocada exactamente pelo obrigado à preferência.
Por outro lado, o CC destaca, no art.416º e SS, o lado obrigacional do direito de preferência sendo
que o problema da legitimidade para a acção destinada a exercer o direito não pode ser solucionado
como se a acção de preferência não nascesse dum facto ilícito do alienante e continuasse a ser uma
simples acção de substituição ou sub-rogação do adquirente.
A solução do litisconsórcio necessário passivo deve ser considerada como a que melhor corresponde
ao pensamento da lei (art. 9º nº3).
A procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição do adquirente pelo autor,
com efeito retroactivo, no contrato celebrado.
De notar que, ao invés da promessa, a preferência não é transmissível (art.420º), pois que esta é
concedida intuitu personae.
No entanto a lei admite disposição em contrario (art.420º in fine), tal pode resultar, eventualmente, e
de forma tácita do contrato.
Venda do objecto da preferência juntamente com outras coisas
Pode suceder que o obrigado à preferência pretenda alienar por um preço global, uma ou mais coisas
juntamente com a que é objecto da preferência (art.417º), ou que ele receba, de terceiro, que
pretende adquirir a coisa, a promessa de uma prestação acessória que o titular do direito de
preferência não possa satisfazer (art.418º).
No caso do art.417º nº1 (venda juntamente com outras coisas), não sendo justo agravar os
pressupostos da preferência acordados no pacto, concede-se ao respectivo titular da preferência, a
faculdade de restringir o seu direito à coisa a que o pacto se refere, reduzindo o preço devido à
importância que proporcionalmente corresponde a essa coisa dentro do preço global estabelecido.
O obrigado pode, contudo, opor-se à separação (art.417º nº1 in fine) das coisas, se ela envolver um
prejuízo apreciável para os seus interesses. Nessa caso o preferente terá de exercer o seu direito, se
o não quiser perder, relativamente ao conjunto das coisas alienadas, pelo preço global fixado.
Já no caso do art.418º, a prestação acessória que o preferente não pode satisfazer é irrelevante, se
tiver sido convencionada com o mero intuito de afastar a preferência (art.418º nº2). Também nenhum
efeito terá se, não sendo avaliável em dinheiro, não for essencial ao contrato que o obrigado pretende
celebrar.
Caso a prestação seja essencial e não haja intuito fraudulento das partes, a preferência fica excluída,
sem prejuízo da indemnização a que o preferente tenha direito (art.418º nº1).
Se a prestação acessória, não fraudulenta, for avaliável em dinheiro o preferente que pretenda
exercer o seu direito terá de acrescentar o valor dela ao peço convencionado.
Pluralidade de preferentes
Podem configurar-se duas hipóteses:
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1ª – Aquela em que a preferência deve ser exercida conjuntamente por todos os seus titulares (caso
de dois ou mais herdeiros sucederem ao titular de direito que os interessados consideram
transmissível mortis causa, art.420º) e caso algum dos interessados não possa ou não queira usar da
preferência o direito dos restantes amplia-se imediatamente a todo o objecto do pacto (fenómeno
semelhante ao direito de não decrescer, art.419º nº1).
2ª – Situação em que a preferência deve ser exercida por um só dos titularese não por todos em
conjunto.
Na falta de critério estabelecido pelo pacto, e caso não exista qualquer outro processo de graduação
dos interessados abrir-se-á licitação entre eles, a partir do preço estipulado, revertendo o excesso
para o alienante (art.419º nº2).
Contratos típicos ou nominados
Os contratos em especial (titulo II do livro II, art. 874º e SS) correspondem ao que na doutrina e
também na jurisprudência se chama contratos típicos (ou nominados).
Dizem-se típicos ou nominados os contratos que, além de possuírem um nome próprio, um nomen
iuris (ex. “compra e venda”), que os distingue dos demais, constituem objecto de uma regulamentação
legal especifica.
Os contratos típicos, que a lei chama a si a fim de os disciplinar, correspondem ás espécies negociais
mais importantes no comércio jurídico.
A disciplina específica traçada na lei para cada um dos contratos ditos típicos obedece a um tríplice
objectivo do legislador.
1º - Por se tratarem dos acordos negociais mais valorizados, a lei pretende auxiliar as partes e os
tribunais, fixando subsidiariamente a disciplina jurídica aplicável aos pontos em que, não obstante a
importância que revestem, as convenções das partes são frequentemente omissas.
2ª – A lei aproveita o esquema negocial típico do contrato nominado para, a propósito do conflito de
interesses particulares subjacente a cada um deles, fixar as normas imperativas, ditadas pelos
princípios básicos do sistema.
3º - Na disciplina de cada contrato típico figuram ainda as normas dispositivas, que constituem o
núcleo de longe mais numeroso das disposições reguladoras desse contrato, em larga medida
inspiradas na vontade presuntiva das partes.
Segundo Brandão Proença, contratos típicos são aqueles que, divido às exigências peculiares da vida
societária, estão previstos e regulados na lei.
A tipicidade do contrato traduz:
- A adequação entre o contrato hipotético normativo e o contrato em concreto.
- Radica na causa (objectiva) do contrato, na função que desempenha ou no fim que as partes
procuram.
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Podemos ainda distinguir tipicidade legal e tipicidade social:
Tipicidade social – serve para referir os contratos que, embora desprovidos de disciplina legal, são de
tal forma frequentes a ponto da doutrina os ter autonomizado.
Contratos atípicos ou inominados
Aqueles que as partes criam fora dos modelos traçados e regulados pela lei, ao abrigo do princípio da
liberdade contratual (art.405º nº1).
Os contratos atípicos desempenham uma enorme importância prática, dado corresponderem a
verdadeiras necessidades económico-sociais.
Regime
No que concerne ao seu regime, há que atender, desde logo, ao estatuído pelos contraentes. Devem
ainda aplicar-se os princípios gerais que regem toda e qualquer contratação e as normas dos
contratos típicos que mais se aproximem do contrato em causa (ex. art. 1156º).
Antunes Varela refere a importância de se saber quando é que as clausulas aditadas pelas partes
respeitam ainda o tipo contratual fixado na lei e quando é que essas clausulas, pelo contrario,
envolvem já o abandono dos tipos negociais legalmente previstos, com a consequente formação de
um contrato atípico.
Para tal, torna-se necessário conhecer o esquema essencial de cada contrato típico.
Todo o contrato típico possui uma função económico-social própria que se reflecte numa estrutura
privativa a que na doutrina italiana se dá o nome de causa do contrato e que constitui o verdadeiro
cartão de identidade de cada contrato típico.
Ex. A causa (hoc sensu) da compra e venda é a transmissão de um direito mediante um preço.
Logo, sempre que na convenção celebrada entre as partes se instale um dos modelos previstos na lei
e as clausulas acrescentadas pelas partes não destruam o núcleo essencial do seu acordo, nem lhe
aditem qualquer outro dos esquemas legalmente autonomizados, o contrato continuara a pertencer ao
tipo correspondente a esse esquema. Quando assim não suceda, a convenção negocial das partes
entrará já n ovasto domínio dos contratos atípicos.
A posição de Menezes Leitão.
Segundo este jurista os contratos podem ser nominados e inominados mas também típicos e atípicos,
senão vejamos:
O contrato dir-se-á nominado quando a lei o reconheça como categoria jurídica através de um nomen
iuris.
Por outro lado, o contrato será inominado quando a lei não o designe através de um nomen iuris, não
o reconhecendo assim nas suas categorias contratuais.
5
A integração do contrato entre as categorias legais opera-se através da sua qualificação e depende
da circunstância de os elementos principais do contrato corresponderem aos elementos principais do
tipo legal.
Esta classificação não deverá ser confundida com a distinção entre contratos típicos e atípicos.
O contrato diz-se típico quando o seu regime se encontra previsto na lei, sendo atípico quando tal não
suceda.
Logo
Sendo que o contrato inominado é sempre atípico. De facto, não julga o jurista ser possível a lei
estabelecer um regime para certo contrato, sem lhe atribuir qualquer designação, pelo que não
poderá haver contratos inominados típicos.
Ex. A compra e venda (art.874º) é um contrato nominado e típico, pois que, além de possuir um
nomen iuris, tem estabelecido um regime jurídico na lei.
Em sentido inverso, a hospedagem é um contrato nominado e atípico, visto que, apesar de a lei o
reconhecer como categoria jurídica (art.755º al.b)) não estabelece qual o seu regime.
Caso as partes celebrem um contrato que a lei desconheça por completo, tratar-se-á de um contrato
inominado e atípico.
Contratos Mistos
Denomina-se de contrato misto aquele que reúne em si regras de dois contratos total ou parcialmente
típicos (art.405 nº2).
Segundo Menezes Leitão, o contrato misto assume-se como contrato atípico, visto não corresponder
integralmente a nenhum tipo contratual regulado por lei.
No entanto, como a sua atipicidade deriva da adopção de regras de dois ou mais contratos típicos,
coloca-se o problema de conflito entre regimes aplicáveis, o que justifica a autonomização do contrato
misto.
Os contratos nominados podem ser:
Típicos, ex. Compra e venda
Atípicos, ex. Hospedagem
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Podemos distinguir as seguintes categorias de contratos mistos:
- Contratos múltiplos ou combinados
- Contratos de tipo duplo ou geminados
- Contratos mistos stricto sensu
- Contratos complementares
Contratos múltiplos ou combinados – são aqueles contratos em que as partes estipulam que uma
delas deve realizar prestações correspondentes a dois contratos típicos distintos, enquanto a outra
realiza uma única contraprestação comum.
Contratos de tipo duplo ou geminados – aqueles em que um parte se encontra obrigada a uma
prestação típica de certo tipo contratual, enquanto a contraparte se encontra obrigada a uma
contraprestação oriunda de outro tipo contratual.
Contratos mistos stricto sensu – aqueles contratos em que é usada uma estrutura própria de um
tipo contratual para preencher um função típica de outro tipo contratual.
Ex. A vende a B uma casa pelo preço de 1000 Euros. A estrutura utilizada é típica do contrato de
compra e venda (transferência de um direito contra um preço), mas o preço é tão baixo que assume
cariz meramente simbólico, desempenhado por isso o contrato a função própria da doação
(realização de uma liberalidade).
Contratos complementares – são aqueles em que são adoptados os elementos essenciais de um
determinado contrato, mas aparecem acessoriamente elementos típicos de outro ou outros contratos.
Ex. A vende a B um carro, com a obrigação acessória de A realizar a manutenção do veículo.
Em sede de contratos mistos coloca-se frequentemente a questão de saber qual o regime que lhes
deve ser aplicado, uma vez que as partes, ao reunirem no mesmo contrato regras de dois ou mais
negócios total ou parcialmente regulados na lei, provocam sempre um conflito de regimes legais
potencialmente aplicáveis.
Qual a teoria a aplicar com vista à regulação do contrato misto?
- Teoria da absorção (LOTMAR)
- Teoria da combinação (RÜMELIN e HONIGER)
- Teoria da analogia (SCHREIBER)
Teoria da absorção – esta teoria defende que o conflito de regime deve ser resolvido pela opção a
favor de um único regime contratual; o que se pudesse considerar dominante, e que absorveria as
regulações respeitantes aos outros tipos contratuais.
Teoria da combinação – esta sustenta que o conflito entre regimes não deve ser resolvido pela
opção a favor de um deles, antes se deve realizar um aplicação combinada dos dois regimes.
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Teoria da analogia – esta teoria vem sustentar que o conflito de regimes contratuais deve implicar a
não aplicação de qualquer deles, configurando-se por isso o contrato misto como um contrato
integralmente atípico, não regulado por qualquer tipo contratual, mas apenas pela parte geral do
direito das obrigações; sendo as questões do seu regime consideradas como lacunas na lei a resolver
através da integração analógica, com base na norma mais próxima em termos de situação de
interesses e fim da lei.
Posição da doutrina portuguesa
Esta tem hesitado sobre a solução aplicável. Galvão Telles sustenta que os contratos múltiplos ou
combinados e os contratos de tipo duplo ou geminados se deveriam reger pela teoria da combinação.
Já ou contratos mistos stricto sensu (cumulativos) e os contratos complementares se deveriam reger
pela teoria da absorção.
Por outro lado, Antunes Varela, propugna que, sempre que a lei não estabeleça um regime para o
contrato misto, não será de estabelecer uma solução em abstracto, antes havendo que ponderar em
concreto, perante cada contrato misto se o seu regime deveria ser estabelecido através da absorção
ou da combinação.
Já Almeida Costa faz apelo aos critérios de integração dos negócios jurídicos (art.239º) mas sustenta
que deve ser em primeiro lugar averiguada a possibilidade de aplicação analógica da disciplina de
algum ou alguns contratos típicos (teoria da analogia).
Menezes Cordeiro, por seu turno, defende uma aplicação menos rígida da solução proposta por
Galvão Telles, entendendo, à semelhança de Antunes Varela, que a ponderação concreta de cada
contrato misto poderá ditar uma solução diferente da resultante daquele modelo abstracto.
No entender de Menezes Leitão, apenas a teoria da analogia deve ser liminarmente afastada.
Efectivamente, defender a exclusão simultânea da aplicação das regras dos dois regimes implica
desvirtuar a natureza do contrato misto, que passa a ser considerado um contrato totalmente atípico,
o que não corresponde à sua natureza, que é antes a da reunião de regras de dois negócios total ou
parcialmente típicos.
Contratos coligados ou União contratual
Os contratos coligados distinguem-se dos contratos mistos pela circunstância de os diferentes
contratos conservarem a sua autonomia apesar da existência de um nexo intercorrente.
Segundo Menezes Leitão, no contrato misto, ainda que se recolham elementos de vários tipos
contratuais, existe um único contrato, já que esses elementos se dissolvem para formar um contrato
único.
Na união de contratos, pelo contrário, essa dissolução não ocorre verificando-se antes a celebração
conjunta de diversos contratos, unidos entre si. A união de contratos permite que cada contrato
mantenha a sua autonomia, possibilitando a sua individualizaçãoem face do conjunto.
Como, porém, existe alguma ligação entre os diversos contratos, esse nexo justifica que se fale, não
em vários contratos, mas em reunião de contratos.
Menezes Leitão refere como sendo três as possíveis formas da união contratual.
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União externa – fala-se nesta modalidade quando a ligação entre os diversos contratos resulta
apenas da circunstância de serem celebrados ao mesmo tempo, já que as partes não estabeleceram
qualquer nexo de dependência entre os diferentes contratos.
União interna – os contratos apresentam-se ligados entre si por uma relação de dependência, já que,
na altura da celebração uma das partes estabeleceu que não aceitaria celebrar um dos contratos sem
o outro.
Essa dependência pode ser unilateral, quando apenas um dos contratos depende do outro, ou
bilateral, quando ambos estão dependentes entre si.
Em qualquer dos casos as partes querem um dos contratos, ou ambos, como associados
economicamente, pelo que a validade e a vigência de um ou de ambos os contratos ficará
dependente da validade e vigência do outro.
Ex. A afirma que apenas compra determinado computador se lhe for também vendida a impressora X.
União alternativa – as partes declaram pretender ou um ou outro contrato, consoante ocorra ou não
a verificação de determinada condição. A verificação da condição implica assim, a produção de efeitos
de um dos contratos, ao mesmo tempo que exclui a produção de efeitos do outro.
Os contratos, numa fase inicial, encontram-se unidos entre si, mas essa união é meramente ocasional
e virá a ser resolvida a favor da permanência de apenas um dos contratos.
O Subcontrato
Este caracteriza-se pela existência de um contrato principal ou contrato mãe “apto a reproduzir e a
gerar um outro contrato semelhante” o dito contrato filho ou contrato derivado.
Efeitos dos Contratos
A eficácia jurídica reconduz-se à produção de efeitos de direito e estes, sendo necessariamente
reportados a pessoas, dão origem a situações jurídicas.
Segundo Menezes Leitão e Menezes Cordeiro, a eficácia jurídica classifica-se em eficácia jurídica
constitutiva, transmissiva, modificativa ou extintiva, consoante, respectivamente a situação
jurídica se constitua numa esfera jurídica, transite de uma para a outra esfera jurídica, se modifique
ou se extinga.
Nos contratos, a produção dos efeitos jurídicos resulta da livre decisão das partes ao abrigo da
autonomia privada. Consequentemente, qualquer destes tipos de eficácia jurídica pode ser estipulado,
podendo, por essa razão, falar-se em contratos constitutivos, modificativos, transmissivos ou
extintivos de direito e obrigações.
Para Menezes Leitão a mais importante classificação dos contratos
E a que distingue os contratos consoante o tipo de situações jurídicas a que dão origem.
Neste caso fala-se em contratos reais ou obrigacionais, consoante a situação jurídica em questão
se reconduza e um direito real sobre uma coisa corpórea ou apenas dê origem a direitos de crédito.
Os contratos obrigacionais reconduzem-se à criação de direitos de crédito e obrigações, sendo a
sua eficácia sobre a esfera jurídica das partes imediata.
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Os contratos reais (quoad effectum) colocam um problema particular, uma vez que pode suceder
que a sua eficácia não seja imediata, o que sucede sempre que não estejam preenchidos, no
momento da celebração do contrato, os requisitos necessários para que o contrato dê origem a uma
situação jurídica de natureza real.
Note-se, antes de avançar-mos que os contratos reais que aqui analisamos são-no porque têm
eficácia real (quoad effectum) e não pelo facto de a sua perfeição necessitar de um acto real de
entrega (quoad constitutionem), como por exemplo os contratos de comodato (art.1129º) de mutuo
(art.1142º) e de depósito (art.1185º).
A regra geral é a de que a transmissão de direitos reais sobre coisa determinada ocorre por mero
efeito do contrato (art.408º nº1), consagra-se assim, o principio consensus parit proprietatem, também
chamado de sistema do titulo, isto significa precisamente que a transmissão dos direitos reais ocorre
apenas em virtude do próprio contrato, não ficando dependente de qualquer acto posterior, como a
tradição da coisa ou o registo.
No sistema do título, a constituição ou transferência dos direitos reais depende unicamente da
existência de um título de aquisição (titulus adquirendi), sendo assim o contrato, enquanto negócio
causal, suficiente para operar a transmissão do direito real.
Daqui resulta a importante consequência de que o adquirente da coisa, sendo considerado
proprietário a partir do momento da celebração do contrato sofre o risco da sua perda ou deterioração
a partir desse momento (art.796º nº1).
No entanto, esta transmissão da propriedade no momento da celebração do contrato apenas ocorre
relativamente a coisas que já possuam os requisitos necessários para, sobre elas ser constituído um
direito real, que só pode incidir sobre coisas presente, determinadas e autónomas de outras coisas.
Caso as coisas ainda não possuam esses requisitos, refere-nos o art.408. nº2 que a transferência da
propriedade á diferida para momento posterior ao da celebração do contrato.
Coisas futuras – o momento da transferência da propriedade é o da aquisição da coisa pelo
alienante, regime que se aplica quer se trate de coisas relativamente futuras (art.211º); de coisas
como as que não estão em poder do disponente ou a que este ainda não tem direito ao tempo da sua
declaração negocial, quer ainda de coisas absolutamente futura, isto é, as que ainda não existam ao
tempo da declaração.
Esta norma é essencialmente aplicável à compra e venda (art.880º), visto que a doação não pode
abranger bens futuros (art.942º nº1).
Coisas indeterminadas – relativamente a estas a transferência ocorre no momento em que a coisa é
determinada com conhecimento de ambas as partes.
Deste regime são exceptuadas as obrigações genéricas (art.539º e SS) em que a transmissão da
propriedade ocorre com a concentração da obrigação, a qual ocorre com a concentração da
obrigação a qual se verifica geralmente apenas com o seu cumprimento (art.540º) salvo os casos do
art.541º.
No entanto é já aplicável às obrigações alternativas (art.543º e SS), onde a transferência do direito
real se verifica quando a escolha da prestação, efectuada por aquele a quem compete, em regra o
devedor (art.543º nº2) chega ao conhecimento da contraparte.
Coisas ligadas a outras (frutos naturais) e partes componentes ou integrantes – nestes casos, a
transferência da propriedade verifica-se no momento da colheita ou da separação.
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Ex. A vende a B todos os frutos do seu pomar antes da sua colheita. A propriedade só se transfere
quando a colheita é efectuada. A colheita ou separação constituem, neste caso, a obrigação do
vendedor (art.880º).
No entanto, em todos estes casos, a transmissão da propriedade continua a realizar-se por efeito do
contrato já que, embora não ocorra no momento da sua perfeição, continua a ser consequência
directa deste, e não de qualquer outro segundo acto a praticar pelo alienante, que o nosso sistema
dispensa totalmente.
A reserva de propriedade, art.409º (pactum reservati dominii)
O princípio da transferência imediata do direito real constitui a regra dos contratos de alienação de
coisa determinada (art.408º), no entanto, não se trata de um princípio de ordem pública. É uma pura
regra supletiva, como tal, pode ser afastada pelas partes nomeadamente através do estabelecimento
de uma cláusula de reserva da propriedade.
Vaz Serra nota que a cláusula de reserva de propriedade não se confunde com a promessa de
venda, na qual os contraentes se obrigam a celebrar futuramente um venda. Na reserva de
propriedade, o contrato de alienação não carece já de nenhuma declaração futura, apenas um dos
seus efeitos fica diferido por vontade das partes, mas a produção desse efeito dá-se logo que o
evento previsto se verifica, independentemente de qualquer nova declaração dos contraentes.
Segundo Antunes Varela a reserva de propriedade, prevista no art.409º (art.934º quanto à reserva na
venda a prestações), consiste na possibilidade conferida ao alienante de coisa determinada, de
manter na sua titularidade o domínio da coisa até ao cumprimento (total ou parcial) das obrigações
que recaiam sobre a outra parte, ou até à verificação de qualquer outro evento.
Com efeito é uma cláusula que naturalmente há-de convir, por excelência, às vendas a prestações e
às vendas com espera de preço.
Menezes Leitão refere que, ocorrendo a transferência da propriedade sempre em virtude da
celebração do contrato e nomeadamente no momento dessa celebração, a transmissão dos bens é
extraordinariamente facilitada, em prejuízo dos interesses do alienante.
Figuremos a seguinte hipótese: A (adquirente) torna-se, em virtude de um contrato de compra e
venda, imediatamente proprietário do bem vendido, podendo, em função dessa posição, voltar a
aliena-lo, mesmo que este não lhe tenha sido entregue ou o preço respectivo ainda não tenha sido
pago. A B, vendedor, resta-lhe apenas a possibilidade de cobrar o preço. Este é, porém, um mero
direito de crédito, que não lhe atribui qualquer preferência no pagamento, o que implica para o
vendedor ter de concorrer com todos os credores comuns do comprador sobre o património deste
(art.604º nº2).
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Assim, caso o comprador não possua bens suficientes para pagar a todos os seus credores, o
vendedor não terá a possibilidade de cobrar a totalidade do preço.
A compra e venda a crédito (venda a prestações ou venda com espera de preço) apresenta-se por
isso como um negócio que envolve riscos elevados para o vendedor, pois a celebração do contrato
acarreta para ele a mudança de uma situação de proprietário de um bem para a de um mero credor
comum, sem qualquer garantia especial nem sequer sobre o bem vendido.
Mais, a lei, para facilitar a transmissão dos bens e evitar que esta seja revertida, vem, através ao
art.886º, retirar ao vendedor a possibilidade de resolução do contrato por incumprimento da outra
parte (art.801º nº2), a partir do momento em que ocorra a transmissão da propriedade e a entrega da
coisa.
Em virtude dessas consequências gravosas, tornou-se comum nos contratos de compra e venda a
credito, a celebração de uma cláusula de reserva de propriedade.
A clausula de reserva de propriedade pode ser celebrada em relação a quaisquer bens, no entanto, a
lei dispõe que, no caso de bens imóveis ou movei sujeitos a registo, só a clausula constante do
registo é oponível a terceiros (art.409º nº2).
Nos restantes casos não será exigida qualquer publicidade, para se poder opor a reserva a terceiro,
mesmo estando este de boa-fé e tenha obtido a propriedade por transmissão do adquirente sob
reserva.
Parece-nos que a existência de registo não deva ser requisito do exercício da cláusula de reserva,
pois que admitir essa dependência era atentar à própria natureza da cláusula de reserva de
propriedade.
A cláusula de reserva implica assim que, por acordo entre vendedor e comprador, a transmissão da
propriedade fique diferida para o momento do pagamento integral do preço.
A função desse acordo não é, porém, permitir ao vendedor a continuação do gozo sobre o bem (uma
vez que este é entregue ao comprador) mas apenas defender o vendedor das eventuais
consequências do incumprimento do comprador.
Efectivamente, a conservação da propriedade no vendedor até ao pagamento impede os credores do
comprador de executarem o bem, podendo o vendedor reagir contra essa execução através de
embargos de terceiros (art.351º CPC).
Por outro lado, em caso de inadimplência por parte do comprador, o vendedor continua a poder
resolver o contrato nos termos do art.801º nº2, visto que a exclusão deste direito pelo art.886º só se
verifica se tiver ocorrido a transmissão da propriedade da coisa.
No entanto, no caso de venda a prestações, o art.934º exclui imperativamente a possibilidade de
resolução do contrato se o comprador faltar ao pagamento de uma única prestação e esta não
excedera oitava parte do preço.
Haverá, no entanto, lugar à resolução do contrato, se o comprador faltar ao pagamento de duas
prestações, mesmo que estas em conjunto não excedam a oitava parte do preço.
Qual a posição jurídica do comprador relativamente à coisa, a partir da celebração da clausula
de reserva?
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A doutrina tradicional, propugnada por Antunes Varela, Galvão Telles e Almeida Costa, considera
que a reserva de propriedade deve ser qualificada como um condição suspensiva, na medida em que
a transmissão da propriedade ficaria subordinada a um facto futuro e incerto (pagamento do preço).
Esta posição permitiria ver a posição jurídica do comprador como a de adquirente condicional.
Essa qualificação permitiria aplicar ao comprador, o regime dos art.273º e 274º, daí resultando no
entanto que o risco do perecimento da coisa, durante o período da condição correria por conta do
vendedor, ainda que a coisa já tivesse sido entregue ao comprador (art.796º nº3 in fine).
Ora para Menezes Leitão, a solução de que o vendedor, na venda com reserva de propriedade,
suporta o risco pela perda ou deterioração da coisa, mesmo após a entrega ao comprador é
claramente inaceitável, uma vez que a partir da entrega, o comprador fica já integralmente investido
nos poderes de uso e fruição da coisa, servindo a manutenção da propriedade no vendedor apenas
para assegurar a recuperação do bem, em caso de não pagamento do preço.
Ora, devendo o risco correr por conta de quem beneficia do direito, parece claro que, a partir da
entrega, é por conta do comprador que o risco deve correr, não ficando este exonerado do pagamento
do preço em caso de perda ou deterioração fortuita da coisa.
Como tal, segundo Menezes Leitão, a qualificação da reserva de propriedade como condição
suspensiva deve ser rejeitada.
Com efeito, o jurista conclui pela impossibilidade de classificação da reserva de propriedade como
condição. Na verdade, a cláusula de reserva de propriedade deve ser considerada como uma
cláusula acessória do negócio jurídico que determina a subordinação dos seus efeitos a um
acontecimento futuro e incerto.
Na reserva de propriedade não se subordinam os efeitos do negocio a um evento exterior ao mesmo,
antes se faz depender um dos efeitos do negocio do prévio cumprimento de uma obrigação, que é um
dos efeitos essenciais desse mesmo negocio.
Não há assim qualquer condição, antes uma alteração da ordem de produção dos efeitos negociais.
Sem a reserva, a transmissão da propriedade ocorre antes do pagamento do preço. Com a reserva,
ela passa a ocorrer posteriormente a ele.
Conclui-se, em sede de determinar a posição jurídica do comprador, que a conservação da
propriedade no vendedor visa essencialmente funções de garantia do pagamento do preço, uma vez
que o negócio translativo já foi celebrado. Assim sendo, esse negocio já confere ao comprador uma
expectativa jurídica de aquisição do bem, a qual deve ser considerada oponível a terceiros. Trata-se
por isso, de uma expectativa real de aquisição que por ser inerente à coisa, deve ser incluída no
âmbito dos direitos reais.
Como tal, não pode considerar-se o comprador como mero detentor, uma vez que a celebração da
compra e venda torna-o possuidor em nome próprio.
Esta expectativa real atribui-lhe, assim o poder de fruir a coisa, apenas lhe estando vedada a sua
disposição por tal ser incompatível com a função de garantia visada com a conservação da
propriedade no vendedor.
Distribuição do risco
Assim, tanto o vendedor como o comprador são titulares de situações jurídicas reais, havendo que
distribuir o risco de acordo com o proveito que cada um tirava da respectiva posição jurídica.
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Como o vendedor conservava apenas a propriedade com função de garantia, deve apenas suportar o
risco da perda dessa garantia. Pelo contrário, como o comprador já se encontrava a tirar todo proveito
da coisa, é a ele que competirá suportar o risco pela sua perda ou destruição.
Efeitos dos contratos relativamente a terceiros
Como sabemos, a regra é a de que terceiros, alheios ao contrato, não são por ele beneficiados e, por
maioria de razão, também não serão prejudicados, altere stipulare nemo potest (art.406º nº2).
Como tal, o contrato terá, em princípio, eficácia inter partes.
No entanto configuram-se algumas excepções a esta regra. Desde logo os contratos com efeitos
favoráveis directos (contrato a favor de terceiro), os contratos com efeitos favoráveis reflexos
(contrato com eficácia de protecção para terceiro) e ainda os contratos com efeitos desfavoráveis
(contrato promessa ou pacto de preferência, dotados de eficácia real).
Contratos com eficácia de protecção para terceiros
Cumpre, desde já, assinalar a diferença deste instituto face ao que a seguir será objecto de estudo (o
contrato a favor de terceiro)
No contrato com eficácia de protecção para terceiro, ao invés do que sucede no contrato a favor de
terceiro, não pode o terceiro abrangido exigir a prestação ao devedor, isto é, através deste contrato
não se confere a terceiro qualquer direito a uma prestação.
No entanto, legitimam um pedido indemnizatório se o devedor violar certos deveres laterais de
cuidado.
Para Mota Pinto, terceiros são aqueles que estão envolvidos (por força da sua situação face ao
credor, e da sua proximidade com a prestação) no círculo do contrato.
Note-se ainda que os perigos ligados a certa prestação podem afectar esses terceiros tão fortemente
como ao credor.
O Contrato a favor de terceiro
O contrato a favor de terceiro (art.443º e SS) pode ser definido como o contrato, através do qual, uma
das partes (o promitente) se obriga perante outra (o promissário) a efectuar uma atribuição
patrimonial em benefício de outrem, estranho ao negócio (o terceiro beneficiário)
A atribuição patrimonial consiste normalmente, na realização de uma prestação (art.443º nº1). Pode,
no entanto, consistir na liberação de uma obrigação, ou na cessão de um crédito, bem como na
constituição, modificação, transmissão ou extinção de um direito real (art.443 nº2).
Como nota Antunes Varela, essencial ao contrato a favor de terceiro é que os contraentes procedam
com a intenção de atribuir, através dele, um direito a terceiro, ou que dele resulte, pelo menos, uma
atribuição patrimonial para o beneficiário.
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Refere Vaz Serra que o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto
posterior, no entanto, o seu nascimento pode ser diferido para momento subsequente, tal pode
ocorrer por estipulação das partes ou determinação legal (art.451º nº1).
Menezes Leitão nota que a atribuição patrimonial a realizar pelo promitente é determinada pelo
promissário, que tem de ter, em relação a ela, um interesse digno de protecção legal (art.443º º1).
No âmbito do contrato a favor de terceiro verifica-se, por isso, por desejo do promissário, uma
atribuição patrimonial indirecta deste ao terceiro, que é executada pelo promitente.
Facilmente concluímos que o terceiro não é interveniente no contrato, embora adquira um direito
contra o promitente, em virtude do compromisso deste com o promissario.
O contrato a favor de terceiro institui assim uma relação jurídica complexa de natureza
triangular, que pode ser analiticamente decomposta em três sub relações:
a) Relação de cobertura ou de provisã o (estabelecida entre promitente e promissario)
b) R elação de atribuição ou de valuta (estabelecida entre o promissário e o terceiro)
c) R elação de execução (estabelecida entre o promitente e o terceiro)
Relação de cobertura ou provisão – consiste numa relação contratual (entre promitente e promissário)
no âmbito da qual se estabelecem direitos e obrigações entre as partes, podendo a estipulação a
favor de terceiro ser, em relação a elas, uma mera cláusula acessória.
Esta relação é fundamental para a definição da posição jurídica do promitente, uma vez que é em
face dela que se definem os direitos e deveres do promitente em face do pormissario, sendo os meios
de defesa dela resultantes, oponíveis ao terceiro.
Relação de atribuição ou de valuta – esta estabelece-se entre o promissário e o terceiro e justifica a
outorga desse direito ao terceiro, tendo por base um interesse do promissário nessa concessão
(art.443º nº1).
Essa relação pode identificar-se como sendo uma relação jurídica preexistente, ou pode consistir,
como na hipótese de liberalidade, numa relação constituída por intermédio do próprio contrato a favor
de terceiro.
Essa relação determina que a prestação do promitente ao terceiro seja vista como uma atribuição
patrimonial indirecta do promissário em relação ao terceiro.
Relação de execução – esta consiste na relação entre o promitente e o terceiro, no âmbito da qual ele
(promitente) vem a executar a determinação do promissário.
Regime normal do contrato a favor de terceiro
O contrato a favor de terceiro faz nascer automaticamente um direito para o terceiro, o qual se
constitui independentemente de aceitação deste (art.444º nº1) configurando-se, por isso, um
excepção ao regime da eficácia dos contratos em relação a terceiros (art.406º nº2).
A lei segue a teoria do incremento, nos termos da qual a aquisição do terceiro se verifica
imediatamente em virtude do contrato celebrado entre promitente e promissário, dispensando-se
qualquer outra declaração negocial para esse efeito.
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Admite-se, no entanto, e em homenagem ao princípio invito beneficium non datur, que o terceiro
possa rejeitar a promessa, mediante declaração ao promitente, que a deve comunicar ao promissário
(art.447º nº1 e 2). Caso em que extinguirá o direito por si adquirido, no entanto, e dado o seu carácter
renunciativo (a um direito já adquirido) a rejeição está sujeita a ser atacada pelos credores do terceiro,
podendo aqueles lançar mão da impugnação pauliana (art.610º e SS).
A lei prevê ainda a possibilidade de o terceiro aderir à promessa (art.447º nº1), esta situação não se
dirige a possibilitar ao terceiro adquirir o direito, pois que este é adquirido automaticamente. A sua
função é antes impedir a revogação da promessa, o que pode ocorrer até a adesão ser manifestada
(art.448º nº1).
Em principio essa revogação compete ao promissário. Poderá, eventualmente, necessitar do
consentimento do promitente se verificada a hipótese prevista no nº2 do art.448º.
Não obstante o que foi dito, caso o terceiro manifeste a sua adesão, pode a promessa, ainda assim,
ser revogada pelo promissario, isto se verificado o previsto no art.448º nº1 in fine, isto é, no caso de a
promessa dever ser cumprida após a morte do promissario, ou ainda, caso se trate de um
liberalidade, se se verificarem os pressupostos da revogação por ingratidão do donatário (art.450º nº2
e 970º).
O terceiro não se limita a ser o receptor material da prestação, possuindo face ao promitente, um
direito de crédito a essa mesma prestação. Normalmente também o promissario pode exigir do
promitente o cumprimento da sua obrigação (art.444º nmº2), o que se explica em virtude de ter sido
ale a acordar com o promitente a realização da prestação a terceiro e possuir um interesse digno de
protecção legal no seu cumprimento.
Menezes Leitão, no seguimento de Teixeira da Sousa, considera que existe não um fenómeno de
concorrência funcional entre dois créditos, antes um única posição jurídica objectiva que permite a
aquisição da prestação, que é o direito de credito do terceiro, isto independentemente da a vinculação
subjectiva do promitente ocorrer tanto em relação ao terceiro como ao promissario.
Promessa a cumprir depois da morte do promissário
A promessa a cumprir depois da morte do promissario faz excepção ao regime do art.444º nº1, uma
vez que o terceiro não pode exigir o cumprimento da promessa antes da verificação da morte do
pormissario.
É duvidoso se neste caso as partes pretendem atribuir ao terceiro, desde logo, um direito de crédito
sobre o promitente, o qual apenas vencerá no momento da morte do promissario, ou se, pelo
contrario, pretendem que o direito de credito apenas se constitua após a morte do promissario,
beneficiando até lá o terceiro, apenas de uma expectativa jurídica.
Teoricamente a diferença entre as duas situações é a de que, na primeira, caso o terceiro morra antes
do promissario, os seus herdeiros o sucederem no seu direito sobre o promitente.
No segundo caso, essa sucessão já não se verifica uma vez que o terceiro quando morreu ainda não
era titular de qualquer direito que pudesse transmitir aos seus herdeiro, pelo que este só poderiam
adquirir a prestação com base no próprio contrato a favor de terceiro, ou seja, se também tivessem
sido designados beneficiários a titulo subsidiário.
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A lei vem presumir que a estipulação das partes é no sentido de que o terceiro só adquire o direito
com a morte do promissario (art.451º nº2).
A aparente contradição deve ser resolvida através da sua adequada interpretação.
É manifesto que se o terceiro não adquire qualquer direito antes da morte do promissario, sendo
aquele premoriente em relação a este, a aquisição dos herdeiros não se processa iure hereditário,
antes resulta do próprio contrato a favor de terceiro. Sendo assim, o que a lei estabelece são duas
regras interpretativas:
1ª – O direito só é atribuído com a morte do promissario.
2ª – O promissario designa, subsidiariamente, como beneficiários, os herdeiros do terceiro caso este
venha a falecer antes de adquirir esse direito (antes da morte do promissario).
Normalmente qualquer uma destas presunções pode ser ilidida (art.350º nº2), através da estipulação
de qua a celebração do contrato faz adquirir imediatamente o direito, determinando a morte do
promissario apenas o vencimento da obrigação; ou através da estipulação que só o terceiro (e não os
seus herdeiros) poderá beneficiar da promessa.
Uma outra característica especifica da promessa a cumprir depois da morte do promissario é o facto
de a promessa se sempre revogável enquanto o promissario for vivo, independentemente da
aceitação do terceiro (art.448º nº1 in fine), o que, saliente-se, sucede quer o direito já tenha sido
adquirido pelo terceiro, quer a aquisição apenas se verifique após a sua morte. A revogação, que
compete ao promissaio, pode ser expressa ou tácita, como sucede na hipótese de o pormissario
resolver designar ao promitente outro beneficiário da promessa.
Figuras próximas
O contrato a favor de terceiro não se confunde com o contrato realizado por meio de representação,
embora tenham alguns pontos de semelhança, nomeadamente o serem ambos realizados no
interesse de outrem, que não os directos intervenientes no contrato.
A pessoa que no instituto da representação fica fora das operações contratuais (o representado) é o
verdadeiro contraente, o titular da posição jurídica que decorre do contrato, não é terceiro.
Já no contrato a favor de terceiro os contraentes são os intervenientes no negócio, enquanto o
terceiro beneficiário, que permanece fora do contrato é apenas o titular do principal direito ou
atribuição patrimonial que nasce dele.
O contrato a favor de terceiro também se distingue do contrato realizado em nome próprio, mas por
conta de outrem (mandato sem representação, art.1180º e SS).
No caso do mandato sem representação nenhum direito nasce directamente do contrato para terceiro;
só numa fase ulterior, em cumprimento da relação de mandato, o mandante tem o direito de exigir do
mandatário (e do outro interveniente) a transmissão dos direitos e obrigações que advieram deste,
mas nessa altura assume toda a posição do contraente, e não apenas a titularidade de um direito
derivado de um contrato.
No contrato a favor de terceiro o direito do beneficiário resulta imediatamente do contrato, pois o
promitente fica vinculado perante ele à prestação.
7
Também não há contrato a favor de terceiro quando o credor se limita a autorizar que a prestação
seja entregue a terceiro, que fica encarregue de a receber (art.770º Al. a)), ou se reserva o direito de
exigir que a prestação seja efectuada a terceiro.
Nestes casos, não há a intenção de atribuir ao terceiro um direito à prestação, ao invés do que
sucede no contrato a favor de terceiro.
Contrato para pessoa a nomear
Este é desde logo celebrado em nome próprio, ainda que em pro amico electo.
O contrato para pessoa a nomear é o contrato em que uma das partes se reserva a faculdade de
designar um outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato
tivesse sido celebrado com esta última.
O Prof. Brandão Proença nota que, sendo um contrato realizado em nome próprio, embora em pro
amico electo, e com obediência básica a uma finalidade representativa, surge com frequência no
clausulado do contrato promessa.
Esta cláusula para pessoa a nomear é distinta da cláusula em que um contraente consinta
previamente na cessão da posição contratual do promitente-comprador.
Antunes Varela nota que não há, no contrato para pessoa a nomear, nenhum desvio ao princípio da
eficácia relativa (inter partes) dos contratos (art.406º nº2).
O contrato para pessoa a nomear produz todos os seus efeitos apenas entre os contraentes. Só que
enquanto não há designação do amicus electus os contraentes são os outorgantes no contrato.
Depois da designação o contraente passa a ser, de acordo com o conteúdo do contrato, a pessoa
designada (art.455º nº1).
Figuras próximas
1 - O contrato para pessoa a nomear não se identifica com o negócio celebrado por meio de
representante.
O negocio por meio de representação, segundo a vontade das partes, produz imediatamente os seus
efeitos na esfera jurídica do representado, ao passo que o contrato para pessoa a nomear começa
por produzir os seus efeitos em relação ao interveniente no negocio, e apenas pode vir a produzi-los
na esfera de outrem, que não figura no acto como representado.
2 - Diferente é também o negócio feito por um dos intervenientes em nome da pessoa que
posteriormente se designará. Neste caso, o interveniente não é contraente, e o negocio só produzira
efeitos em relação à pessoa prevista se for por esta ratificado, ou se o interveniente tiver, de facto,
poderes de representação.
Não há, em qualquer dos casos, a alternatividade potencial de sujeitos que caracteriza o contrato
para pessoa a nomear (art.455º nº1 e 2).
3 - No contrato a favor de terceiro nem o promitente nem o promissario deixam de ser os únicos
contraentes, mesmo após a adesão do terceiro, não tendo este a categoria de contraente; no contrato
para pessoa a nomear, uma vez efectuada a aceita a nomeação, um dos intervenientes no contrato
perde a sua qualidade de contraente, desaparece da relação contratual.
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4 – A gestão de negócios, alem de poder exprimir-se em puros actos materiais e actos jurídicos que
não sejam contratos, envolve a intervenção da pessoa (gestor) em negócios que são e continuam a
ser alheios.
O contrato para pessoa a nomear começa por pertencer ao interveniente e podes vir a consolidar-se
definitivamente na sua titularidade.
5 – No mandato sem representação (art.1180º e SS) o mandatário não deixa de ser contraente em
face dos terceiros com quem negociou, mesmo depois de transferir para o mandante os direitos
adquiridos em execução do mandato; ao passo que no contrato para pessoa a nomear, uma vez
efectuada a nomeação, os efeitos do negócio se encabeçam retroactivamente na titularidade da
pessoa nomeada.
Menezes Leitão nota que no caso do contrato para pessoa a nomear admite-se uma dissociação
subjectiva entre a pessoa que celebra o contrato e aquela onde vão repercutir-se os respectivos
efeitos jurídicos.
Na verdade, efectuada a nomeação, os efeitos do contrato vão repercutir-se directamente na esfera
do nomeado.
Não ocorre por isso qualquer transmissão entre o nomeante e o nomeado. Dá-se antes um fenómeno
de substituição de contraentes, uma vez que, após a nomeação, o contraente nomeado adquire os
direitos e assume as obrigações provenientes do contrato a partir do momento da celebração dele
(art.455º nº1).
A nomeação tem assim eficácia ex tunc, tudo se passando como se o nomeado fosse parte no
contrato desde o seu início.
No mais das vezes, a reserva de nomeação do terceiro é colocada em alternativa com a subsistência
do contraente originário no contrato. Daí que a lei preveja que, se não for efectuada a nomeação nos
temos legais, o contrato irá produzir os seus efeitos em relação ao contraente originário (art.455º nº2).
Admite-se porém, estipulação em contrário, pelo que as partes podem acordar que, em caso algum, o
contrato virá a produzir efeitos em relação ao contraente originário. Nessa hipótese, a não verificação
da nomeação acarreta a ineficácia do contrato.
Regime
Para produzir os seus efeitos, a nomeação deve observar determinados requisitos legais, são eles:
1º - Deve ser feita por escrito ao outro contraente no prazo convencionado, ou na falta de convenção,
dentro de cinco dias a contar da data de celebração do contrato (art. 453º nº1).
2º - Deve ser acompanhada, para ser eficaz, de instrumento de ratificação do contrato ou de
procuração anterior à celebração deste (art.453º nº2).
A nomeação tem, assim, como requisito necessário, uma atribuição de poderes representativos por
parte do nomeado, por forma a garantir a sua vinculação ao contrato, exigindo a lei para o efeito,
procuração ou ratificação consoante essa atribuição de poderes representativos ocorra antes ou após
a celebração do contrato para pessoa a nomear.
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Menezes Leitão não encontra justificação lógica para esta solução. Nota o jurista que, ao celebrar o
contrato para pessoa a nomear, o contraente originário celebra o negócio em nome próprio, não tendo
que indicar o terceiro, pelo que não chega a exercer quaisquer poderes representativos. Esse
exercício só vem a ocorrer quando o terceiro é nomeado, não se vendo, por isso, qual o fundamento
para afastar a possibilidade de utilizar para esse efeito uma procuração posterior à celebração de
contrato.
A ratificação, no caso do contrato para pessoa a nomear constitui uma exigência dispensável, já que
não tendo sido exercidos até à altura, poderes representativo, não há necessidade de proceder à sua
atribuição retroactiva para se exercer a nomeação.
Natureza jurídica
A natureza jurídica é controvertida, para alguma doutrina (Barassi e no seu seguimento Pessoa
Jorge) tratar-se-á de uma modalidade especial da representação, uma representação sem poderes.
Já para outros autores tratar-se-ia de um contrato a favor de terceiro.
A doutrina dominante, por seu lado, considera-o como um contrato celebrado, simultaneamente em
nome próprio e em nome alheio, sendo a sua celebração em nome próprio sujeita a uma condição
resolutiva, e a sua celebração em nome alheio sujeita a uma condição suspensiva (a eficaz
nomeação de terceiro).
Como faz notar Antunes Varela, é esta a tesa mais realista, porquanto se considere a cláusula para
pessoa a nomear como uma condição do contrato: de efeito resolutivo, quanto à titularidade do
interveniente; de efeito suspensivo, quanto à aquisição da pessoa nomeada.
Galvão Telles refere que a condição não respeita propriamente aos efeitos na sua objectividade,
antes à pessoa do seu destinatário. Por isso se pode dizer com Cariota-Ferrara, que o contrato para
pessoa a nomear tem, quanto a uma das partes dois sujeitos em alternativa.
Conclui-se pois, e no seguimento de Menezes Leitão que: a classificação como representação
anónima é duplamente incorrecta, pois que:
1º - É essencial à representação a existência da contemplatio domini (art.258º).
2º - Os efeitos do negócio podem acabar por se repercutir exclusivamente no contraente originário.
A esse propósito Martini classifica o contrato para pessoa a nomear como bifronte, isto é, pode valer
tanto face ao contraente originário como ao nomeado. O que nunca acontece com o representante,
mesmo que este actue sem poderes (art.268º nº1).
Também a doutrina que propugna pela consideração do contrato para pessoa a nomear como
contrato a favor de terceiro não procede. Com efeito, o objecto do contrato para pessoa a nomear não
é a atribuição de um benefício ao nomeado, pelo que a sua aquisição não opera automaticamente
como no contrato a favor de terceiro (art.444º nº1), mas depende da sua vinculação voluntária ao
contrato por procuração ou ratificação (art.453º nº2).
Logo, no contrato a favor de terceiro, o terceiro não é parte no contrato, já no contrato para pessoa a
nomear vem a sê-lo se a nomeação for eficazmente efectuada (art.455º).
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Mecanismos de cessão contratual (breve exposição)
A resolução, a denuncia, a revogação e a caducidade são figuras que revelam o contraste entre o
poder de criação jurídica e o poder de extinção, comungando de uma mesma base de validade
negocial e tendo por fundamento um facto posterior ao nascimento do contrato.
Resolução – é o poder unilateral de extinguir, com eficácia ex tunc, um contrato válido por
circunstâncias, legais ou convencionais, posteriores à sua conclusão e, em regra, frustrantes do
interesse de execução contratual.
Denuncia – é o poder, exercido por normal declaração unilateral recepticia, livre ou vinculado, de
extinguir ex nunc e dentro de certos prazos, um contrato duradouro (art.1054º).
Revogação – (sobretudo a unilateral) tem por objectivo principal declarações negociais de eficácia
contida (ex. revogação da proposta contratual) e certos contratos (ex. mandato, art.1170º) com um
normal fundamento discricionário, sem eficácia ex tunc e sem provocar, em geral, qualquer obrigação
de indemnização.
Caducidade – esta opera ipso iure (automaticamente) por força da própria lei, isto, por estar
tendencialmente ligada ao decurso de um prazo ou outro evento objectivo (impossibilidade
superveniente).
Não tem força indemnizatória e, em principio, efeitos retroactivos. Provoca a extinção do direito.
Negócios Unilaterais
O principio do contrato – duorum in idem placitum consensus –
A questão consiste em saber se os negócios unilaterais valem, em regra, como fonte autónoma de
obrigações, isto é, se qualquer pessoa se deve considerar obrigada perante outra, constituindo a
favor desta um direito de crédito, mediante a emissão de uma simples declaração unilateral. Portanto,
sem necessidade de aceitação do suposto credor.
A tendência geral vai no sentido de dar resposta negativa.
A declaração unilateral só é reconhecida como fonte autónoma de obrigações nos casos
especialmente previstos na lei, pois que admitir o contrario é, na opinião de Menezes Leitão violar a
regra invito beneficium non datur, isto é, é sempre necessário o consentimento da contraparte.
Refere ainda o jurista que admitir a eficácia dos negócios unilaterais, como constitutivos de
obrigações poderia conduzir à criação de vinculações precipitadamente assumidas, sem a prévia
obtenção de acordo das partes em relação a elas.
Portanto:
Para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação, fora dos casos em que a
obrigação nasce directamente da lei (como sucede na gestão de negócios no enriquecimento sem
causa e na responsabilidade civil) é necessário o acordo entre o devedor e o credor, duorum in idem
placitum consensus.
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O princípio do contrato (duorum in idem placitum consensus) significa que só a convenção bilateral,
no domínio das obrigações assentes sobre a vontade das partes, pode em regra criar o vínculo
obrigacional.
Antunes Varela nota que basta considerar-mos o caso da doação para se confirmar o acerto da
ideia.
Com efeito, na doação, acto que se presta de modo especial à concepção de uma vinculação fundada
na exclusiva vontade do obrigado (visto dele nascerem apenas benefícios para a outra parte) a lei
exige, em termos expressos, a aceitação do donatário como elemento constitutivo do negócio.
Justificação do principio
Antunes Varela refere que a explicação que mais é referida (para lá da razão histórica fundada na
tradição romanística) é a de que, não sendo razoável impor a quem que seja um beneficio, contra a
sua vontade (invito beneficium non datur) , não faria sentido que na esfera jurídica do destinatário da
declaração unilateral de vontade se criasse um direito de crédito sem previa aceitação dele.
No entanto, e tal como referem Antunes Varela e Menezes Leitão, bastaria, para acautelar a
susceptibilidade do destinatário do negocio unilateral, reconhecer-lhe a possibilidade de rejeitar o
beneficio, quando, por qualquer razão não quisesse aceita-lo, solução que aliás vigora no contrato a
favor de terceiro, como nota Menezes Leitão.
Logo, não seria essencial condicionar o nascimento do crédito à prévia aceitação do credor, pois que
poderia este, extingui-lo mediante a comunicação da sua rejeição.
Os casos de irrevogabilidade da proposta e de aceitações presuntivas ou tacitas como
rompimento ou não do principio do contrato.
A proposta torna-se de facto irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele
conhecida (art.230º nº1), mas não impõe ainda nenhuma obrigação ao proponente, nem cria qualquer
direito de crédito para o destinatário; este fica apenas, graças à irrevogabilidade da proposta, com um
direito potestativo (o de concluir o contrato com o proponente, quer este queira ou não).
Quer isto dizer:
Os direitos e obrigações em gérmen na proposta só nascem no momento em que o contrato se
aperfeiçoa, resultando o contrato da fusão das vontades do proponente e do aceitante, e não apenas
da declaração do primeiro.
Pelo contrário, quando a declaração unilateral funciona como fonte autónoma de obrigações, estas
nascem directamente da declaração do sujeito passivo da relação, não se exigindo nenhuma
contribuição positiva nem qualquer declaração do credor.
Os mesmos argumentos podem ser aduzidos às situações de aceitação presuntiva.
Segundo Antunes Varela a única explicação convincente do principio do contrato assente no facto de
não ser razoável (fora dos casos previstos na lei) manter alguém irrevogavelmente obrigado perante
outrem, com base numa simples declaração unilateral de vontade, isto porque, não há conveniências
praticas do trafico jurídico, nem quaisquer expectativas do beneficiário dignas de tutela, anteriormente
à aceitação, que à lei cumpra salvaguardar.
Para Antunes Varela e Menezes Leitão encontra-se, efectivamente consagrada no art.457º a
tipicidade dos negócios unilaterais enquanto fonte de obrigações, o que significa que, salvo nos casos
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previstos na lei, a emissão de uma simples declaração negocial não é vinculaste para o seu autor em
termos de constituição de obrigações, exigindo-se antes a celebração de um contrato.
A promessa de cumprimento e o reconhecimento de divida
Figuremos a seguinte hipótese: A promete pagar 1000 Euros a B e, seguidamente reconhece dever
2000 Euros a C.
Como refere Brandão Proença, são acto que não quebram o principio do contrato, pois são condutas
declarativas que não geram obrigações mas criam apenas a presunção da existência de um fonte
causal – a chamada relação fundamental subjacente – sendo esta, como nota Antunes Varela, a
verdadeira fonte da obrigação.
Efeitos práticos destas declarações unilaterais são apenas o facto de ficar o credor eximido da prova
da existência da causa debendi, recaindo sobre o devedor (ou seus herdeiros) o ónus de provar a
inexistência, invalidade, extinção ou a carência de fundamentos da relação fundamental.
Caso o devedor ou os seus herdeiros provarem um daqueles casos, a obrigação cai, não lhe servindo
de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da divida.
Considerando o disposto, tem-se como válido que, em regra, o negócio unilateral não é fonte de
obrigações. No entanto existem excepções.
Abstraindo dos negócios unilaterais dependentes, como sejam os efectuados no exercício de um
direito potestativo que se articule numa relação fundamental já existente, como por exemplo a
resolução, ratificação renuncia, compensação etc.
O CC apenas prevê o caso especial das chamadas promessas públicas art.459º
Atendendo à publicidade que a declaração reveste, às justificadas expectativas que a prestação
publicamente prometida cria em torno dela, aos fins de interesse social que frequentes vezes estão
na base de semelhantes iniciativas, compreende-se e justifica-se a excepção aberta ao principio do
contrato.
Noção – diz-se promessa pública a declaração feita mediante anúncio divulgado entre os
interessados, na qual o autor se obriga a dar uma recompensa ou gratificação a quem se encontre em
determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo.
A lei determina que essa situação implica imediatamente e sem necessidade de aceitação do
beneficiário, a vinculação do promitente a essa promessa (art.459º nº1).
Portanto, a promessa publica é um negocio unilateral constitutivo de obrigações não se confundindo,
por isso, com outras declarações negociais dirigidas ao publico (art.230º nº3) estas apresentam-se
como partes integrantes do processo de formação de um contrato sendo que, apenas com a
conclusão daquele se constituem obrigações.
Uma vez emitida, a declaração tem como efeito a constituição imediata de uma obrigação, ficando o
promitente desde logo vinculado à promessa (art.459º nº1), mesmo ignorando quem é o beneficiário,
que só virá a ser determinado posteriormente.
Está-se por isso, perante uma obrigação de sujeito activo indeterminado mas determinável (art.511º),
vindo a ocorrer essa determinação quando se souber quem se encontra na situação prevista ouvem a
praticar o referido facto.
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Antunes Varela demonstra que o traço essencial da promessa publica, como declaração unilateral,
reside menos na sua irrevogabilidade do que no facto de a constituição da obrigação prescindir da
aceitação do credor – nascendo directamente da declaração do promitente e não do facto ou situação
a que a prestação prometida se refere.
Salvo declaração em contrario, não são excluídos da atribuição do direito, aqueles que se encontrem
na situação prevista ou tenham praticado o facto sem atender à promessa ou na ignorância dela.
A extinção da promessa pública pode ocorrer por caducidade ou revogação.
A caducidade opera em relação às promessas públicas em que o promitente fixa o prazo de validade
ou este é imposto pela natureza da promessa (art.460º). Nestes casos a promessa só é eficaz
durante esse prazo, pelo que se o direito não for exercido nesse período extinguir-se-á por
caducidade (art.331º).
Caso a promessa não fixe um prazo de validade apenas se pode extinguir por revogação (art.460º)
sendo que esta é igualmente possível nas promessas com prazo estipulado, caso exista causa justa
para a revogação (art.461º nº1).
Concursos públicos
É uma modalidade especial de negócio unilateral e distingue-se da promessa pública em virtude de a
oferta da prestação ocorrer como prémio de um concurso, o que justifica que tenha que ser fixada
prazo para a apresentação dos concorrentes, sem o que o negócio não será válido (art.463º nº1).
Posteriormente, a decisão sobre a admissão dos candidatos e sobre a admissão dos candidatos e
sobre a atribuição do prémio caberá às pessoas designadas no anúncio.
O enriquecimento sem causa, art.473º
Apresenta-se, desde logo, como um princípio em forma de norma, através da qual se institui um fonte
das obrigações genérica, segundo a qual o enriquecido fica obrigado a restituir ao empobrecido ao
benefício que injustificadamente obteve à custa dele.
Segundo Antunes Varela, o credor da obrigação de restituir é a pessoa à custa de quem o
enriquecimento se deu; o devedor aquela que injustamente (torticeramente) se locupletou à custa
dele.
Requisitos da acção de enriquecimento
1º - Existência de um enriquecimento
2º - À custa de outrem
3º - Sem causa justificativa
Então, sempre que se verificasse a cumulação destes requisitos seria possível interpor uma acção a
exigir a restituição do enriquecimento sem causa.
No entanto, como faz notar Menezes Leitão, o problema é que esses requisitos são tão amplos e
genéricos que seria possível efectuar uma aplicação indiscriminada desta cláusula geral, colocando
em causa a aplicação de uma série de outras regras de direito positivo.
Por esse motivo o legislador veio a consagrar a subsidiariedade do instituto (art.474º).
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Esta norma (art.474º) pretende estabelecer que a acção de enriquecimento seja o ultimo recurso a
utilizar pelo empobrecido.
Estar-lhe-á, por isso, vedada a sua utilização no caso de possuir outro fundamento para uma acção
de restituição (como em caso de invalidade ou resolução do contrato), no caso de a lei pretender que
a aquisição à custa de outrem seja definitiva (usucapião, prescrição) ou quando a lei atribui outros
efeitos ao enriquecimento sem causa (como a modificação do contrato, em caso de usura ou
alteração das circunstancias).
As deslocações patrimoniais como campo de aplicação do enriquecimento sem causa
As situações de enriquecimento sem causa, que a obrigação de restituir se destina a sanar ou
compensar, provêm muitas vezes de um negócio jurídico, em regra celebrado entra aquele que
enriquece e a pessoa à custa da qual o enriquecimento é obtido.
Ex. Contrato bilateral em que uma das prestações já tenha sido efectuada, quando a outra se tornou
impossível (art.795º nº1).
Outras vezes, porém, o enriquecimento provirá de um acto jurídico não negocial, como o pagamento,
ou de um simples acto material, como os que integram a cada passo a gestão de negócios.
Para abranger todos estes casos, sabido que eles so podem interessar à obrigação de restituir
quando criem uma vantagem de carácter patrimonial para o respectivo destinatário, dir-se-ia que o
campo de aplicação do enriquecimento sem causa reside nas atribuições patrimoniais.
Simplesmente, desde que a atribuição patrimonial pressupõe, pelo próprio sentido etimológico dos
seus termos, que a vantagem patrimonial obtida por uma das partes procede de um acto praticado
pela outra, fácil é verificar que o enriquecimento sem causa transcende em vários aspectos, o
domínio das atribuições patrimoniais.
Pois que o enriquecimento pode provir de acto de terceiro, ou ainda de acto praticado pelo próprio
enriquecido.
É no intuito de abranger todas estas situações, mediante as quais um pessoa obtém certa vantagem
patrimonial à custa de outra, independentemente da natureza e da origem do acto de onde elas
procedem, que os autores apontam as deslocações patrimoniais como base ou pressuposto de todo o
enriquecimento sem causa.
Deslocação Patrimonial – todo o acto por virtude do qual se aumenta o património de alguém à
custa de outrem, seja qual fora forma por que o aumento se opera.
A expressão adoptada não significa porém que o enriquecimento se traduza forçosamente numa
deslocação de valores do património do lesado para o património do enriquecido, e que o direito à
restituição consista, como alguns autores afirmam, num simples direito de recuperação material, ou
seja, num mero retorno ao património do credor de valores que de lá saíram indevidamente.
Muitas vezes assim sucederá, e esta será, em numerosos casos a fisionomia da acção de restituição
do enriquecimento sem causa.
Mas há casos em que tal não se verifica:
- Quando o enriquecimento nasce de acto praticado por terceiro.
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- Quando o enriquecimento consiste na poupança de uma despesa.
No caso de cumprimento efectuado por terceiro, nos termos do art.478º, a deslocação patrimonial
consiste na liberação do devedor à custa da prestação efectuada pelo solvens, sendo certo que a
restituição a cargo do enriquecido deixa intacta esta prestação.
No caso do cumprimento junto do credor aparente, a deslocação viciada assenta na prestação
efectuada pelo devedor; é esta prestação que a restituição atinge, não para a reconduzir ao
património de onde ela saiu, mas ao do terceiro lesado (credor real).
Tratando-se da poupança de despesa, a deslocação patrimonial consiste na subtracção a um encargo
que outrem indevidamente teve de suportar; a restituição far-se-á mediante a imposição de um nova
obrigação (a cargo do beneficiário) cujo objecto visa compensar o encargo indevidamente suportado
pelo empobrecido.
(a completar)
A gestão de negócios
A gestão de negócios é a intervenção não autorizada, de uma pessoa, na direcção de negócio alheio,
feita no interesse e por conta de respectivo dono.
Figuras próximas
A gestão de negócios distingue-se do mandato, desde logo, por pressupor a falta de autorização do
dono do negócio.
No entanto, embora sem autorização, o gestor chama espontaneamente a si, quanto a certos actos, a
função pratica de um mandatário.
A gestão também não se confunde com o contrato a favor de terceiro; quer porque também cria
direitos do gestor em relação ao beneficiário, quer porque o benefício deste se obtém por forma
diferente da que é própria do contrato a favor de terceiro.
Interesse pratico
Por um lado a intervenção do gestor assente quase sempre numa atitude de altruísmo moralmente
louvável, de benemerência ou de autentica solidariedade humana pode ter uma utilidade apreciável
na conservação ou na exploração de bens que, de outro modo, correriam o risco de perder-se,
deteriorar-se ou manterem-se improdutivos, ou na realização de actos cuja omissão poderia acarretar
prejuízos irreparáveis.
Por outro lado a gestão nasce de um facto em princípio ilícito, constitui uma intromissão não
autorizada na esfera jurídica alheia que além de constituir um abuso, pode causar prejuízo sério ao
dono do negocio e que por estas razões, nem sempre será do agrado deste.
Com efeito, culpa est immicere se rei al se non pertinent.
A principal dificuldade da disciplina jurídica da actividade do gestor reside no tratamento dos casos
em que a gestão não é frutuosa.
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Requisitos da gestão de negócios.
a) Que alguém (gestor) assuma a direcção de negocio alheio
b) Que o gestor actue no interesse e por conta do dono do negocio
c) Que não haja autorização do dominus negotii
a) A expressão negocio (alheio) não é usada na sua acepção técnico jurídica.
A actuação do gestor tanto pode concretizar-se na realização de negócios jurídicos em sentido estrito,
como na prática de actos jurídicos não negociais ou até de simples factos materiais.
Os actos materiais serão, em regra, actos de mera administração, mas nada obsta, em princípio, a
que a gestão se estenda a actos de verdadeira disposição.
Negócio alheio é assim, praticamente sinonimo de assunto ou interesse alheio.
Este interesse tanto pode ser um interesse material, como um interesse de ordem espiritual.
Indispensável é que se trate de actos susceptíveis de serem realizados por outrem – excluídos,
portanto, os que só o próprio titular do interesse tem legitimidade para efectuar.
Na expressão negocio alheio cabem, ainda, não só os actos relativos a bens pertencentes a outrem
(dominus negotii), como os actos que a ele incumba realizar (como procurador por exemplo), embora
referentes a bens de outra pessoa.
De referir ainda que a gestão, ao invés da curadoria dos bens ou da administração legal, não se
estende a todo o património do beneficiário.
Caso estejam em jogo interesses alheios que o gestor, erroneamente supõe serem seus, também não
há verdadeira gestão. Esta pressupõe não só a existência, mas também a consciência e a vontade de
dirigir negócio alheio.
O interesse é alheio, quando a necessidade que o acto visa satisfazer é de outrem e não do próprio
agente.
b) No interesse e por conta do dominus negotii.
Importa aqui fazer a distinção entre a gestão própria e a gestão imprópria ou falsa gestão.
É necessário que o gestor actue no interesse e por conta do dono do negócio, com animus negotia
aliena gerendi, isto é, que a sua intenção decorra intencionalmente em proveito alheio e não em
exclusivo proveito próprio.
Se agir no seu interesse exclusivo, falta um requisito essencial ao espírito do instituto, que é o de
estimular a intenção útil nos negócios alheios carecidos de direcção.
Aquele que age no seu interesse exclusivo pode fazê-lo por supor erroneamente que o negocio lhe
pertence – e neste caso, caso a gestão não seja aprovada pelo dono do negocio, poderá haver
recurso às regras do enriquecimento sem causa (art.472º nº1) – ou fá-lo conscientemente (gestão
imprópria ou falsa gestão) gerindo negocio alheio no interesse próprio, ou seja, na intenção de carrear
para o seu património os proveitos da intromissão na esfera jurídica de outrem, ou sem se preocupar
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com a fixação da fronteira entre os negócios próprios e os negócios alheios. Também neste caso não
recorremos às regras deste instituto, antes à responsabilidade civil, senão penal.
É essencial, portanto, que a actividade do gestor se destine a proteger um interesse alheio, a
satisfazer uma necessidade de outrem, não bastando para tal o conhecimento de estar em jogo um
interesse de terceiro.
Gestão representativa – gestão na qual o gestor age em nome do dominus negotii
Gestão não representativa – vem prevista no art.471º e é a possibilidade de o gestor agir em nome
próprio, isto é, sem revelar à contraparte o nome da pessoa por conta de quem actua, ou tomar, de
qualquer modo, sobre si a titularidade do negocio celabrado.
Então, a actividade do gestor tem de se destinar à satisfação de um interesse alheio, preenchendo
uma necessidade de outra pessoa.
Mas tem ainda de ser feita por conta de outrem, ou seja, na intenção de transferir para a esfera
jurídica de outrem os proveitos e encargos da sua intervenção imputando-lhes os meios de que se
serviu ou, pelo menos, os resultados obtidos.
Portanto, o gestor actua com a intenção de atribuir ao dono do negócio, senão os efeitos jurídicos,
pelo menos todos os efeitos práticos da sua intervenção. A tal intuito se chama agir por conta de
outrem.
c) Falta de autorização do dominus negotii.
A gestão pressupõe a falta de autorização, ou seja, a inexistência de qualquer relação jurídica entre o
dono do negócio e o agente, que confira a este o direito ou lhe imponha o dever legal de se intrometer
nos negócios daquele.
Com efeito, havendo uma causa pela qual o agente esteja obrigado ou autorizado a intervir no
negócio alheio, os direitos e obrigações entre as partes são os derivados dessa relação e não os do
instituto da gestão.
Já se o agente supuser erroneamente que tem o dever de intervir, haverá lugar à aplicação das
regras da gestão, visto a actuação dele preencher os requisitos essenciais da actividade do gestor.
Relação entre o gestor e o dominus negotii
Deveres do gestor
1- Continuação da gestã o – pressupondo a falta de autorização, só por iniciativa do gestor a
actividade deste se começa a exercer. Uma vez iniciada, porém, o agente já não é inteiramente
livre de a interromper, quer pelas expectativas que a sua actuação crie, quer pelo obstáculo
que ela pode ter constituído para a intervenção de outras pessoas, dispostas a levar a gestão a
bom termo.
A lei não impõe ao gestor de modo directo e indiscriminado o dever de prosseguir a gestão, o
que, contra o espírito do instituto, poderia afastar as intromissões úteis nos negócios alheios.
A lei, por outro lado, vai responsabilizar o gestor pelos danos resultantes da injustificada
interrupção da gestão (art.466º nº1 in fine).
Isto pressupõe, em certos termos, o dever de continuar a gestão até que o negócio chegue a
bom termo ou até o dono o poder prover.
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O dever de continuação da gestão terá, além do mais, a vantagem de afastar as intromissões
fáceis, precipitadas, em assuntos alheios.
2- Dever de fidelidade ao interesse e à vontade presumível d o d ominus negoti i – o gestor
responde ainda, também ao abrigo do art.466º nº1, pelos danos que causar por culpa sua, no
exercício da gestão.
O art.466º nº2 diz-nos que é culposa a actuação do gestor sempre que este aja em
desconformidade com o interesse ou vontade real ou presumível, do dono do negócio. É a
consagração pratica, indirecta, do principal dever do gestor estabelecido na al.a) do art.465º.
O dever de obediência simultâneo ao interesse s à vontade do dono vale para os termos em
que a gestão é iniciada, bem como para a forma como deve ser exercida.
Padrão da actividade do gestor
O gestor deve orientar-se, na sua actuação, por aquilo que faria o dono do negócio, e não por aquilo
que provavelmente faria um proprietário perspicaz e diligente (bom pai de família).
Pelo carácter espontâneo e altruísta da acção do gestor, pela gratuitidade normal da actividade que
ele despende, pelos riscos a que desnecessariamente se expõe, afigura-se injusto exigir dele que
ponha na direcção de interesses alheios maior zelo, diligencia e aptidão do que na gestão do seu
próprio património.
Por isso mesmo, na falta de indicação em contrario, deve aceitar-se neste ponto a tese da culpa in
concreto, muito embora se não possam desprezar as circunstâncias objectivas em que o gestor
iniciou ou desenvolveu a sua actividade.
É evidente que na actuação exigível do gestor, conforme com o interesse e a vontade real ou
presumível do dono do negocio cabem não só os deveres de prestação, mas também os deveres
acessórios de conduta, nomeadamente os chamados deveres de protecção.
C onflito entre o interesse e a vontade do d ominus negoti i
Ex. O gestor pensa, com fundadas razões, que a cultura mais rendosa a introduzir no campo do
vizinho seria a da vinha; mas sabes que o dono nunca a plantaria.
Importa clarificar que:
- A actuação do gestor será regular (isenta de culpa), se ele praticar um acto contrário à vontade (real
ou presumível) do dono do negócio, mas conforme ao interesse deste, desde que a conduta
(omissão) desejada pelo dominus seja contrária a lei, ordem pública ou bons costumes (art.465º al
a)).
- A conduta do gestor será igualmente regular, se ele omitir o acto ilícito que o dono praticaria e optar
pelo acto lícito que mais favorece os seus interesses.
Fora destes casos extremos, o interesse do gerido (dono do negocio), coincidirá, em regra, com a sua
vontade, pois que ninguém preza mais, em princípio, os interesses de cada um, do que o seu próprio
titular.
O gestor deve abster-se de todos os actos que saiba ou presuma serem contrários à vontade real ou
presumível do dono, por mais favoráveis que fundadamente os julgue às conveniências do
interessado. Como deve renunciar aos actos que o dono não deixaria de praticar, se tiver razões
ponderosas para os considerar lesivos dos interesses em causa.
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Resumindo:
- Abstenção dos actos que, com pleno conhecimento de causa, o dono do negocio não praticaria, por
mais favoráveis que sejam aos seus interesses.
- Abstenção dos actos que o dono praticaria, mas que sejam condenados por um judiciosa
ponderação dos seus interesses.
- Pratica dos actos favoráveis que o dominus só não queria realizar por ignorância de certos factos,
conhecidos pelo gestor (art.1162º)
3 – Entrega dos valores detidos e prestação de contas – o gestor terá de entregar as coisas
que haja recebido de terceiro no exercício da gestão. A lei ao referir “tudo” mostra que não só
se inclui aí o produto de todas as prestações devidas ao dono do negocio, mas também todos
os lucros que o gestor tenha arrecadado, quer através dos actos celebrados em nome daquele,
quer mediante actos realizados em nome próprio.
Com o dever de entrega dos valores obtidos, nos termos em que a lei o define, anda estritamente
associado um outro dever: o da prestação de contas (art.465º a l e))
Deveres do dono do negocio para com o gestor (actio negotium gestorum contraria)
Havendo aprovação da gestão significa que:
- Cessa a responsabilidade do gestor pelos danos que eventualmente tenha causado.
- Reconhece-se-lhe o direito de ser reembolsado das despesas que fez e de ser indemnizado pelos
prejuízos que tenha sofrido em virtude da gestão.
A aprovação é o juízo global, genérico, indiscriminado, de concordância com a actuação do gestor
emitido pelo dono do negócio.
É um acto equivalente, à declaração de que considera a gestão, no geral, conforme ao seu interesse
é à sua vontade.
A aprovação como juízo global de valor sobre a actuação do gestor, distingue-se da ratificação, esta é
a declaração de vontade pela qual alguém faz seu ou chama a si o acto jurídico realizado por outrem
em seu nome, mas sem poderes de representação (art.268º nº3).
Pode haver aprovação sem ratificação, caso o dono não queira contestar os direitos atribuídos por lei
ao gestor, mas não se dispuser a chamar a si algum ou alguns dos negócios que este celebrou em
seu nome; tal como pode haver ratificação sem aprovação, se o dono quiser chamar a si os negócios
que o gestor realizou em seu nome, ou alguns deles, mas entender que aquele não respeitou a sua
vontade ou não agiu em conformidade com os seus interesses.
A aprovação refere-se à generalidade dos actos (negociais e não negociais; jurídicos e materiais)
praticados pelo gestor.
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A ratificação refere-se apenas aos actos jurídicos e, dentro destes, somente aos praticados em nome
do dono do negócio.
Responsabilidade civil
Cabe desde logo, e seguindo Antunes Varela, referir que na rubrica da responsabilidade civil cabe
tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento de obrigações emergentes dos
contratos, de negócios unilaterais ou da lei – responsabilidade contratual – (nota o autor que a
designação de responsabilidade contratual não é inteiramente correcta, porquanto a obrigação de
reparar o dano por ela abrangida nem sempre resulta da violação de um contrato) como a resultante
da violação de direitos absolutos ou da pratica de certos actos, que embora lícitos, causam prejuízo a
outrem – responsabilidade extracontratual.
Não obstante o CC tratar as duas modalidades de responsabilidade em capítulos diferentes, como há,
todavia, uma série de problemas comuns às duas fontes de responsabilidade o código trata-os
conjuntamente, ao fixar o regime da obrigação de indemnizar, a que ambas podem dar lugar (art.562º
e SS).
Apesar da nítida distinção conceptual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil –
uma assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência,
correspondentes aos direitos absolutos; a outra resultante do não cumprimento, lato sensu, dos
deveres próprio das obrigações incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por
lei, no seio da complexa relação obrigacional – a verdade é que elas não constituem, sobretudo na
pratica da vida, compartimentos estanques, antes funcionam, em vários aspectos, como verdadeiros
vasos comunicantes.
Por um lado, elas podem nascer do mesmo facto e transitar do domínio de uma para a esfera
normativa própria da outra. Por outro lado, é bem possível que o mesmo acto envolva para o agente
(ou omitente), simultaneamente, responsabilidade contratual (por violar uma obrigação) e
responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever geral de abstenção ou o
direito absoluto correspondente), tal como é possível que a mesma ocorrência acarrete para o autor,
quer responsabilidade civil, quer responsabilidade criminal, consoante o prisma sob o qual a sua
conduta seja observada.
Responsabilidade por factos ilícitos, responsabilidade pelo risco e responsabilidade por factos
lícitos danosos.
Alguns fiéis às linhas mestras do pensamento clássico persistem em filiar a responsabilidade
extracontratual na ideia da culpa (doutrina da responsabilidade subjectiva), pelo contrario, outras
tendem a desprender-se desse pressuposto individual para olharem, de preferência à necessidade ou
conveniência social de reparar o dano sofrido pelo lesado (teoria da responsabilidade objectiva),
desde que este não tenha agido com culpa grave ou dolo.
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Nota Antunes Varela que a tendência dos últimos tratadistas vai no sentido de alargar o espectro de
actuação da responsabilidade fundada no risco e na prática de factos lícitos que, aproveitando a
determinadas pessoas, causem prejuízos a outras.
Aqueles propugnam, ainda, pela ampliação dos seguros sociais, capazes de proverem à reparação
dos danos provenientes de actos (humanos) não culposos e de circunstancias fortuitas ou de força
maior ou dos casos em que o autor do facto ilícito danoso seja desconhecido ou careça de meios
para pagar a reparação.
O CC reconheceu expressamente as duas formas de responsabilidade extracontratual, dando foros
de autonomia à responsabilidade pelo risco (epigrafe da subsecção II do CC), que tratou em
subsecção própria, atendendo ao nexo especial de imputação em que ela assenta.
Delimitou o campo de aplicação de uma e outra, mas não deixou de assinalar o carácter excepcional
da responsabilidade que não se baseia na culpa do agente ao afirmar nos nº 1 e 2 do art.483º que “só
existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
Responsabilidade por facto ilícitos, art.483º
Da leitura da norma estabelecida pelo art.483º nº1 resulta que a obrigação de indemnizar dele
decorrente, imposta ao lesante, está condicionada pela verificação de vários pressupostos
cumulativos.
Cada um desses pressupostos desempenha um papel especial na complexa disciplina das situações
geradoras do dever de reparação do dano.
É necessário, desde logo, que haja um facto voluntário do agente, isto é, um acto controlado pelo
agente e não um mero facto natural causador de danos, pois só o homem, como destinatário dos
comandos emanados pela lei, é capaz de violar direitos alheios ou agir contra disposições legais.
Esse facto tem de violar ilicitamente, isto é, tem de infringir objectivamente qualquer das regras
disciplinadoras da vida social. Portanto, é ilícita a conduta que viole direitos absolutos ou interesses
alheios tutelados por disposição legal.
Em 3º lugar terá de existir um nexo de imputação do facto ao lesante, seguidamente é
indispensável que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano, pois que sem este,
não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil (ao invés do que sucede nos casos
de crimes formais no direito penal)
Por ultimo a lei exige um nexo de causalidade entre o facto voluntário do agente e o dano sofrido
pelo lesado, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que existe uma razão de justiça que
determina que deverá ser o lesante, e não o lesado, a arcar com as consequências da lesão (danos),
isto, é, o facto terá de ser causa do danos, sendo que, só quanto a esse dano manda a lei indemnizar
o lesado.
Então, os requisitos da responsabilidade por factos ilícitos são:
a) Facto voluntário do agente
b) Ilicitude do facto
c) Nexo de imputação do facto ao agente
d) Dano
e) Nexo de causalidade entre o facto e o dano
Passamos agora à consideração individual de cada um dos requisitos.
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a) FACTO VOLUNTARIO DO LESANTE
Como já vimos, terá de ser um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou
uma forma de conduta humana, pois só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia da
ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe.
Na responsabilidade pelo risco, o dano indemnizável tanto pode provir de um facto praticado pela
pessoa do responsável, como de facto praticado por terceiro; de factos naturais ou até de factos do
próprio lesado (ex. acidente de trabalho causado pelo operário, sem culpa grave).
A responsabilidade baseada em factos ilícitos, pelo contrário, assenta sempre, no todo ou em parte,
sobre um facto da pessoa obrigada a indemnizar.
Este facto traduz-se, em regra num acto, numa acção, ou seja, num facto positivo que importa a
violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do
direito absoluto.
Que o facto gerador de responsabilidade seja, em regra, um fato positivo, e não uma omissão, resulta
da circunstância de, fora do domínio contratual, as pessoas estarem as mais das vezes obrigadas a
absterem-se da pratica de actos que possam lesar o seu semelhante e não a praticar actos positivos
de cooperação com ele.
No entanto, pode traduzir-se também num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão
(art.486º).
A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo
lesado, mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial
de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do
dano.
Quando se alude a facto voluntário do agente, não se pretende restringir os facto humanos relevantes
em matéria de responsabilidade aos actos queridos, ou seja, àqueles casos em que o agente tenha
prefigurado mentalmente os efeitos do acto e tenha agido em vista de sua obtenção. Há pelo
contrário, inúmeros casos (ex. negligencia consciente) em que não existe semelhante representação
mental e todavia, ninguém contesta a obrigação de indemnizar.
Os actos danosos praticados por distracção ou falta do auto domínio normal não deixam de constituir
o agente em responsabilidade.
Por outro lado, não está inteiramente excluída a responsabilidade das pessoas que, por carência da
capacidade de exercício, não possuem uma vontade juridicamente relevante no domínio dos negócios
jurídicos, contanto que tenham capacidade natural de entendimento e de acção (art.488º nº1).
O que está, alias, geralmente em causa, no domínio da responsabilidade civil, são puras acções de
facto, praticadas sem nenhum intuito declarativo (ex. agressões física, apropriações ilícitas,
intromissões em bens jurídicos alheios etc.).
Por isso, e como refere Larenz, facto voluntário significa apenas, facto objectivamente controlável ou
dominável pela vontade.
Para fundamentar a responsabilidade civil basta a possibilidade de controlar o acto ou omissão; não é
necessária uma conduta predeterminada, uma acção ou omissão orientada para certo fim (uma
conduta finalista).
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Portanto, fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos provocados por causas de
força maior ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas.
b) ILICITUDE DO FACTO
O DL 32171 de 29 de Julho de 1942 veio introduzir o conceito de “dano injusto”.
Cumpre aqui dizer que a fórmula adoptada pelo referido diploma, embora reflectindo uma convicção
perfeitamente justificável, pecava pela excessiva imprecisão. Falar de dano injusto era praticamente o
mesmo que deixar em branco o conceito de ilicitude.
Nota Antunes Varela, no seguimento de Petrocelli, que o principal defeito da definição reside no
facto de ela colocar o acento tónico da ilicitude sobre o dano (efeito da conduta) e não sobre o facto
(conduta em si mesmo considerada).
Ex. Uma coisa é, com efeito, a calunia ou injúria (a afirmação de um facto que fere a honra ou afecta
o bom nome de alguém) e outra é o dano que a calunia causou (o despedimento, a perda de clientes
etc.).
Com efeito, a ilicitude reporta-se ao facto do agente, à sua actuação, não ao efeito (danoso) que dele
promana, embora a ilicitude do facto possa provir do resultado (ex. lesão ou ameaça de lesão de
certos valores tutelados pelo direito) que ele produz.
O CC procurou fixar em termos mais precisos o conceito de ilicitude, descrevendo concretamente as
duas variantes através das quais se pode revelar o carácter antijurídico ou ilícito do facto.
Formas da ilicitude
1- Violação de um direito de outrem
Ficam abrangidos por esta rubrica os casos mais nítidos de ilicitude civil e, por isso, mais fáceis de
determinar.
Os direitos subjectivos aqui abrangidos (visto que o não cumprimento, o cumprimento tardio e o
cumprimento defeituoso dos direitos de credito são abrangidos pela responsabilidade contratual) são,
principalmente, os direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas (corpóreas ou
incorpóreas) ou direitos reais, os direitos de personalidade os direitos familiares e a propriedade
intelectual (direitos de autor e direitos conexos e propriedade industrial).
Entre os direitos reais avulta o direito de propriedade, cuja violação pode revestir os mais variados
aspectos (a privação do uso ou fruição da coisa imposta ao titular, a apropriação, deterioração ou
destruição da coisa, a disposição ou subtracção dela, a perturbação do exercício do direito do
proprietário etc.).
Quanto aos direitos de personalidade, não restam duvidas de que a sua violação pode dar lugar à
obrigação de indemnizar. Assim sucede com a usurpação do nome, o uso não autorizado da imagem
de outrem etc.
Nos direitos de autor é mais frequente a violação dos direitos patrimoniais (ex. edição não autorizada
de certa obra, utilização indevida de uma patente etc.) do que do direito moral (ex. publicação da obra
com aditamentos não consentidos pelo autor etc.).
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2 – Violação da lei que protege interesses alheios
Vemos então que ao lado da violação de direitos subjectivos, prevê-se ainda a infracção da norma
destinada a proteger interesses alheios.
Trata-se da infracção das leis que, embora protejam interesses particulares, não conferem aos
respectivos titulares um direito subjectivo a essa tutela (a lei quer proteger esses interesses, mas não
quer deixar a respectiva tutela na livre disponibilidade das pessoas a quem ela respeita); e de leis
que, tendo também ou até principalmente em vista a protecção de interesses colectivos, não deixam
de atender aos interesses particulares subjacentes (de indivíduos ou de classes ou grupos de
pessoas).
Alem disso, a previsão da lei abrange ainda a violação das normas que visam prevenir, não a
produção do dano em concreto, mas o simples perigo de dano, em abstracto.
Situações há em que a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao
respectivo particular um direito subjectivo, só um outro interesse particular mais forte se lhe sobrepõe.
É o que sucede no caso previsto pelo art.1391º, que, protegendo o interesse dos proprietários de
prédios inferiores, não lhes concede um direito subjectivo, em atenção ao interesse mais forte do
proprietário do prédio superior (onde se situa a fonte ou a nascente).
No entanto, caso sejam terceiros, que em violação daquele preceito lesem os interesses dos
proprietários dos prédios inferiores, haverá um acto ilícito, capaz de gerar responsabilidade civil.
Afigura-se, portanto, determinante saber se o interesse do lesado está ou não abrangido pela norma.
Requisitos especiais da segunda forma da ilicitude
Para que o lesado, em sede do segundo tipo de ilicitude, tenha direito a ser indemnizado, três
requisitos se mostram indispensáveis, são eles:
1 – Que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal.
2 – Que a tutela dos interesses do particular figure, de facto, entre os fins da norma violada, isto é, é
preciso que a tutela dos interesses privados não seja, portanto, um mero reflexo da protecção dos
interesses colectivos que, como tais, a lei visa salvaguardar.
O que conta não é o efeito da norma violada, mas o seu fim ou conteúdo. Não basta que a norma
também aproveite ao particular, é preciso que ela tenha também em vista a protecção dele.
3 – Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.
Só mediante interpretação adequada das regras violadas, tendente a fixar o fim da norma, se pode
saber que interesses se pretendem acautelar através delas.
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Ex. Uma criança trepou por um poste de linha eléctrica (colocado a uma altura inferior à
regulamentar) e foi vítima de um acidente. A empresa foi isenta de responsabilidade, visto que se
considerou que a altura mínima da linha, fixada no regulamento, não visa impedir a escalada dos
poste, antes obstar a que as coisas transportadas por pessoas ou veículos circulando ao nível do
solo, contactem com a linha.
O segundo requisito verifica-se na generalidade das leis (penais ou administrativas) que tutelam
valores ligados à personalidade física ou moral dos indivíduos: por isso, ainda que seja duvidosa a
possibilidade de invocar a violação de um direito subjectivo alheio.
Mas já o mesmo não sucede com a generalidade das normas constitucionais, com os preceitos
penais que punem os crimes contra a segurança do Estado, com as prescrições do direito fiscal etc.
O terceiro requisito não se verifica, por exemplo, quando uma postura administrativa manda iluminar
determinados recintos, para protecção dos operários que laboram em certas fábricas ou das crianças
que frequentam certa escola, e a falta de iluminação vem a causar danos em pessoas estranhas (ex.
assaltantes) que pelo recinto circulam indevidamente.
Então, ilicitude e violação de um direito de outrem não constituem, de facto, expressões sinonimas,
sendo esta violação apenas uma das formas que a ilicitude pode revestir.
Por outro lado, embora a responsabilidade civil exerça uma função essencialmente reparadora ou
indemnizatória, não deixa de desempenhar, acessória ou subsidiariamente, uma função de carácter
preventivo, sancionatório ou repressivo, como se demonstra através de vários aspectos do seu
regime.
1º - Note-se que a obrigação de reparar o dano recai sobre o autor do facto, independentemente de
qualquer enriquecimento que ele tenha obtido. Se a ideia objectiva da reparação chega para justificar
a obrigação de restituir, no caso de enriquecimento à custa de outrem, já não parece que baste para
fundamentar o dever de reparação do dano, quando este não enriqueça o lesante.
Precisamente porque a reparação constitui, em princípio, uma sanção é que o dever de indemnizar
pressupõe, em regra, a culpa do agente.
2º - Só o carácter sancionatório, punitivo ou repressivo da responsabilidade civil permite explicar que
a indemnização possa variar consoante o grau de culpabilidade do agente (art.494º), que a repartição
da indemnização entre os vários responsáveis se faça na medida das respectivas culpas (art.497º
nº2) e que a graduação da reparação, quando haja culpa do lesado, se faça com base na gravidade
das culpas de ambas as partes.
É ainda o carácter sancionatório da responsabilidade que justifica, entre outras soluções, a
irrelevância negativa da chamada causa virtual ou hipotética do dano.
A ilicitude traduz, assim, a reprovação da conduta do agente, embora no plano geral e abstracto em
que a lei se coloca, uma primeira aproximação da realidade. Como sinonimo de violação de um
comando geral, a ilicitude reveste ainda um interesse especial no caso particular das omissões.
Advirta-se, porem, que a função preventiva ou repressiva da responsabilidade civil, subjacente aos
requisitos da ilicitude e da culpa se subordina à sua função reparadora, reintegradora ou
compensatória, na medida em que só excepcionalmente o montante da indemnização excede o valor
do dano.
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A juntar aos casos de violação do direito subjectivo ou da disposição legal que protege interesses de
outrem, há ainda que referir, como formas de comportamento antijurídico capaz de determinar a
obrigação de indemnizar, se não houver nem causa especial de exclusão da ilicitude:
- O abuso de direito (art.334º)
- A não cedência recíproca em caso de colisão de direitos (art.335º)
- A ofensa do credito e do bom-nome (art.484º)
- A prestação de conselhos ou informações causadoras de danos (art.485º)
- As omissões (art.486º)
A colisão de direitos, art.335º
A colisão de direitos pode ocorrer em circunstâncias várias, sendo os direitos iguais ou desiguais.
No caso de os direitos serem iguais, como nos exemplos de vários comproprietários pretenderem
utilizar ao mesmo tempo a coisa comum (art.1406º), a solução prevista na lei impõe que cada um dos
titulares se abstenha de comportamentos que, embora se situem na esfera de competências do seu
direito, impliquem para os outros titulares igualmente a impossibilidade de o exercer.
Caso os direitos sejam desiguais, como no exemplo de colisão entre o direito do locatário ao gozo da
coisa (art.1031º al b)) e o direito do proprietário de nela fazer reparações urgentes (art.1038º al e)) o
titular do direito inferior deve ceder perante o titular do direito superior.
Se em qualquer dos casos, não se verificar essa cedência, naturalmente que estará preenchido o
requisito da ilicitude para efeitos de responsabilidade civil, ficando quem desrespeitou o dever de
cedência sujeito a responder pelos prejuízos causados.
Ofensa do credito e do bom-nome, art.484º
Ladeando a questão de saber se há ou não um direito subjectivo ao crédito e ao bom-nome das
pessoas singulares ou colectivas, considera-se antijurídica a conduta que ameace lesá-los.
Neste primeiro aspecto pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro –
contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstancias do caso, de diminuir a confiança na
capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do credito) ou de
abalar o prestigio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom
nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.
Almeida Costa veio considerar que embora a rega seja a da irrelevância da veracidade ou falsidade
do facto, sempre que a difusão corresponda a interesses legítimos deve admitir-se a exclusão da
responsabilidade com base na exceptio veritatis.
Já Menezes Leitão considera que a divulgação de factos falsos é sempre proibida, por outro lado, a
divulgação de factos verdadeiros poderá ser admitida, desde que tal se efectue para assegurar um
interesse público legítimo.
Prestação de conselhos, recomendações ou informações causadoras de danos, art.485º
Com base no preceito, este pode, excepcionalmente, envolver a responsabilidade civil, quando:
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a) Se tenha assumido a responsabilidade pelos danos
b) Quando haja o dever jurídico de os dar e se tenha agido com culpa
c) Quando o procedimento do agente seja criminalmente punível
Para que o comportamento do autor seja considerado antijurídico, é necessário que, além de ter dado
um mau conselho ou prestado uma inexacta informação, ele tenha o dever legal ou negocial de os
prestar ou que a sua conduta constitua um forma de ilícito criminal.
A regra da irresponsabilidade pela inexactidão das informações prestadas ou pelo desacerto do
conselho dado ou da recomendação feita, corresponde à solução geralmente aceite nas legislações e
preconizada pela doutrina.
A ideia subjacente ao principio é a de que, em face da obsequiosidade própria da generalidade das
informações que cada um de nos presta ao seu semelhante e da displicência com que geralmente se
dão conselhos a alguém ou se fazem recomendações a outrem, é a quem recebe essas declarações
de ciência que cabe, em principio, controlar a sua veracidade ou acerto (caveat emptor), sem contar
com a forte dose de subjectivismo que perpassa muitas delas.
Omissões, art.486º
Estas constituem formas de comportamento antijurídico apenas quando haja o dever (decorrente da
lei ou de negocio jurídico) de praticar o acto omitido e este pudesse normalmente ter evitado a
verificação do dano.
O dever imposto por lei tanto pode resultar de um norma perceptiva, que directamente imponha certa
acção, como provir indirectamente da norma que imponha a nossa colaboração na prevenção de
certo resultado, que é punido ou reprovado de outro modo na lei.
No primeiro caso a ilicitude refere-se directamente à omissão (omissão pura).
No segundo caso a ilicitude refere-se ao valor, bem ou interesse jurídico tutelado (comissão por
omissão).
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
A lei prevê que, para haver responsabilidade, a violação dos direitos subjectivos ou das normas de
protecção tem que ser realizada ilicitamente (art.483º), admitindo assim a possibilidade de essa
violação ser efectuada de forma lícita.
Essa situação ocorrerá sempre que o agente tenha actuado no âmbito de uma causa de justificação,
caso em que a ilicitude é, no caso concreto, excluída em virtude de o agente se encontrar no âmbito
de um situação específica que produz a justificação do facto.
Ao lado das duas causas gerais de exclusão da ilicitude, há ainda algumas causas especiais
justificativas do facto
Estas causas justificativas não são uma pura aplicação ou corolário do princípio de que o exercício de
um direito ou cumprimento de um dever legitimam a pratica do dano.
Elas constituem mais a expressão de um agere licere (de uma faculdade de agir) do que o exercício
de um verdadeiro direito subjectivo.
A doutrina e a lei admitem as seguintes causas de justificação:
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a) Exercício de um direit o
b) C umprimento de um dever
c) L egitima defesa
d) A cção directa
e) E stado de necessidade
f) C onsentimento do lesado
Sendo que as duas primeiras são causas gerais e as restantes quatro causas especiais, de exclusão
da ilicitude.
a) Exercício de um direito
Considerando-se que, se alguém tem um direito subjectivo e o exerce, não deve responder pelos
danos daí resultantes para outrem, de acordo com o brocado qui iure suo utitur nemini facit injuriam;
feci sed iure feci.
Esta causa de justificação deve, porém, face à crescente funcionalização dos direitos subjectivos, ser
entendida em termos restritivos.
Há que salientar as limitações do exercício dos direitos subjectivos pelos institutos do abuso de direito
(art.334º) ou da colisão de direitos (art.335º), os quais restringirão a operatividade desta causa de
justificação.
No entanto, a existência de um direito subjectivo não impede a oneração do agente com deveres de
segurança no tráfego, os quais se destinam precisamente a evitar a ocorrência de danos.
Segundo Pessoa Jorge, desta causa de justificação apenas resulta que o titular não tem que
indemnizar os prejuízos que, causados embora pelo exercício do direito, representem a frustração de
interesses que, precisamente ao conceder esse direito, a lei postergou.
No fundo, nota Menezes Leitão, o agente apenas se exonerará de responsabilidade se se limitar a
desfrutar das utilidades que correspondem ao exercício legitimo do seu direito, não deixando de
responder, verificados os demais pressupostos da responsabilidade, por outros danos que provoque
com a sua actuação.
b) Cumprimento de um dever
Efectivamente, vigorando para o sujeito o dever de adoptar determinada conduta, este pode ver-se
forçado a acatá-la ainda que para isso tenha que infringir outros deveres relativos a posições jurídicas
alheias, e cuja infracção normalmente acarretaria a ilicitude do facto.
Nessas situações está-se perante um conflito de deveres, que deve ser resolvido dando
preponderância ao dever que se considere de natureza superior.
Para haver exclusão da ilicitude é porém, necessário que o dever seja efectivamente cumprido, não
bastando a simples colisão.
Assim, em caso de conflito, se o agente optar por não cumprir nenhum será responsável pelo
incumprimento de ambos.
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É ainda necessário que a impossibilidade de cumprimento dos dois deveres não resulte de uma culpa
anterior do agente, caso em que este não deixará de ser responsabilizado.
c) Legitima defesa, art337º
Esta causa de justificação consiste na reacção destinada a afastar a agressão actual e ilícita da
pessoa (da vida da honra, da integridade corporal ou liberdade) ou do património, seja do agente, seja
de terceiro.
Apesar de ser uma actividade de reacção (e não de ataque ou iniciativa como a acção directa ou o
estado de necessidade) a legitima defesa pode causar danos na pessoa ou no património do autor da
agressão, sobretudo quando haja excesso na reacção.
A defesa considera-se legitima, porque, não podendo o Estado, apesar de todo o arsenal dos seus
meios de prevenção, evitar a pratica de facto ilícitos, justo é que se reconheça aos particulares a
faculdade de, em certos termos, se defenderem de alguns deles pelos seus próprios meios.
Requisitos da legitima defesa
1) Agressão – que haja uma ofensa da pessoa ou dos bens de alguém (portanto uma acção e
não uma simples omissão
2) Actualidade e ilicitude da agressão – que a agressão contra a qual se reage seja actual, isto é,
presente, não pretérita nem futura; eminente mas não forçosamente efectiva. O sentido do
requisito actualidade há-de ser apurado à luz do fim do instituto, que é o de afastar a agressão.
A agressão terá ainda de ser contrária à lei não é, porém, necessário que haja culpa do
agressor, sendo perfeitamente cabida a legitima defesa contra a agressão do demente.
3) Necessidade da reacção – que não seja viável nem eficaz o recurso aos meios normais de
tutela.
4) Adequação – que haja certa proporcionalidade entre o prejuízo que se causa e aquele que se
pretende evitar, de modo que o meio usado não provoque um dano manifestamente superior
ao que se pretende afastar.
Se a agressão é passada (não actual), já não se justifica a reacção, porque o dano está consumado;
se é futura, poderá recorrer-se normalmente aos meios coercivos próprios.
Para que seja contrária a lei, basta que a agressão o seja objectivamente, pouco importando que o
agressor seja ou não imputável e tenha ou não culpa.
A reacção do agente pode, ainda visar a defesa de terceiro, pois que, como nota Vaz Serra, o terceiro
pode não se encontrar em condições de reagir.
Além de ser lícito o acto de quem se defende (e de contra ele se não admitir a legitima defesa do
agressor), o autor é isento de responsabilidade pelos danos causados. Apenas responderá se houver
erro da sua parte acerca da verificação dos pressupostos que legitimam a defesa e o erro não for
desculpável.
O acto considera-se ainda justificado, mesmo que haja excesso na defesa, quando o excesso
provenha de perturbação ou de medo não culposo.
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O excesso da reacção pode resultar da impropriedade do meio usado, como do facto de o interesse
do atacante ser manifestamente superior ao do defendente.
d) Acção directa, art.336º
É o recurso à fora para realizar ou assegurar o próprio direito.
Este instituto veio gradualmente a perder a sua importância, devido ao aperfeiçoamento das garantias
jurisdicionais dos direitos.
Trata-se de uma forma primária e grosseira de realização da justiça, que falha contra os mais fortes e
conduz a excessos, com grave dano da paz pública, contra os mais fracos; mas que pode tornar-se
necessária, pela impossibilidade de os meios estaduais de tutela do direito chegarem a tempo de
evitar prejuízos irreparáveis.
O CC admite o recuso a este instituto, no entanto, faz depender a sua efectivação de requisitos
bastante apertados, são eles:
1) Fundamento real – é necessário que o agente seja titular de um direito que possa realizar ou
assegurar.
2) Necessidade – o recuso à força terá de ser indispensável, pela impossibilidade de recorrer em
tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização pratica do direito do agente
3) Adequação – o agente não pode exceder o estritamente necessário para evitar o prejuízo.
4) Valor relativo dos interesses em jogo – através da acção directa não pode o agente sacrificar
interesses superiores aos que visa realizar ou assegurar.
Não se verificando algum ou nenhum dos requisitos exigidos, o agente é obrigado a indemnizar os
danos causados, salvo se tiver agido na convicção, errónea, da sua verificação e o erro for
desculpável.
e) Estado de necessidade, art.339º
É lícito o acto daquele que, para remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer
do agente, quer de terceiro, destrói ou danifica coisa alheia.
Por igualdade ou por maioria de razão, deve considerar-se licito o acto daquele que, em lugar de
destruir ou danificar, se limita a usar (sem autorização) coisa alheia (estado de necessidade defensivo
no primeiro caso e atacante no segundo).
Noção – o estado de necessidade consiste na situação de constrangimento em que age quem
sacrifica coisa alheia, com o fim de afastar o perigo actual de um prejuízo manifestamente superior.
Note-se que no caso em que o agente, para salvar um interesse alheio, sacrifique um interesse
próprio, não é o instituto do estado de necessidade que se aplica, antes o da gestão de negócios ou a
responsabilidade civil lhe facultarão a indemnização dos danos que sofrer.
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Legitima defesa VS estado de necessidade
Entre legitima defesa e estado de necessidade há traços comuns:
- A lesão de um interesse alheio e o fim de afastar um dano.
Porém, enquanto a legítima defesa exprime uma reacção ou repulsão contra a agressão de outrem,
no estado de necessidade actua-se ou por ataque ou como meio de defesa contra um perigo não
proveniente de agressão de outrem; no primeiro caso o perigo resulta da agressão da pessoa contra
quem se reage, enquanto no segundo o perigo é devido, as mais das vezes, a caso fortuito, sendo o
acto praticado contra interesses de terceiro.
Como não há, porém, no acto praticado em estado de necessidade, ao invés do que sucede na
legitima defesa, uma agressão previa, e porque os interesses do titular da coisa são legitimamente
sacrificados, mas em proveito de outrem, impõe-se aqui, nuns casos, e admite-se noutros a
indemnização dos danos causados.
O facto de haver obrigação de indemnizar não exclui, como é sabido, a licitude do acto. Esta tem
interesse, entre outros motivos, por não se admitir contra o acto lícito a legitima defesa, a qual
pressupõe um acto contrário a lei.
Há obrigação de indemnizar, sempre que a situação de perigo foi provocada por culpa exclusiva do
autor da destruição, danificação ou uso da coisa alheia.
O tribunal pode condenar na indemnização, consoante os casos, que só o autor do acto, quer só o
acusador do estado de necessidade, quer ambos simultaneamente.
A obrigação de indemnização não se funda na ilicitude do acto (pois ele é licito) nem no risco (porque
o dano resulta de um acto voluntário do agente) resulta antes dum princípio de justiça comutativa que
manda compensar o titular do interesse justamente sacrificado ao interesse superior.
f) Consentimento do lesado, art.340º
volenti non fit iniuria
Também o consentimento do lesado (anterior à lesão) exclui a ilicitude.
O consentimento do lesado consiste na aquiescência do titular do direito à pratica do acto que, sem
ela constituiria uma violação desse direito ou uma ofensa da norma tuteladora do respectivo
interesse.
O direito subjectivo constitui um instrumento de protecção de certos interesses, que a lei coloca à
disposição do respectivo titular; se este consente na lesão do interesse, cessa a razão de ser da
indemnização concedida através da responsabilidade civil que, tutelando bens privados, pressupõe a
existência de um dano sem vontade ou contra a vontade do lesado.
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c) NEXO DE IMPUTAÇÃO DO FACTO AO AGENTE (imputabilidade/culpa)
Para que o facto ilícito gere responsabilidade civil, é necessário que o autor tenha agido com culpa.
É preciso, nos termos do art.483º, que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa.
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura
do direito.
A conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias
concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.
Quando é que a conduta do lesante se pode considerar reprovável ou censurável?
Em primeiro lugar importa saber quem é Imputável.
Sabido quem é susceptível desse juízo genérico de censura, importa saber se a pessoa imputável, a
que o facto é atribuído, agiu, no caso concreto, em termos que justifiquem a censura.
Trata-se de saber se a pessoa podia e devia ter agido de modo diferente e em que grau o podia e
devia ter feito.
Imputabilidade, art.488º – diz-se imputável a pessoa com capacidade natural para prever os efeitos
e medir o valor dos actos que pratica e para se determinar de harmonia com o juízo que faça acerca
deles.
Para que haja imputabilidade exige-se:
- Discernimento – capacidade intelectual e emocional
- Liberdade de determinação – capacidade volitiva
O que releva aos olhos da lei, é a existência ou falta desta dupla capacidade, no momento em que o
facto é praticado.
Há pessoas em que a lei presume a falta de tal capacidade no momento do facto (menores de 7 anos
e interditos por anomalia psíquica).
E há outras que, carecendo dela, são tratadas como se a possuíssem (os que culposamente se
incapacitaram de entender ou querer, sendo essa situação transitória).
Nos casos em que não há imputabilidade do autor material do facto, o lesado poderá ressarcir-se, no
entanto, à custa da pessoa obrigada à vigilância do agente, salvo se se verificar alguma das
circunstâncias prevista no art.491º in fine.
Poderá, no entanto, a lesão ficar sem reparação, isto nos casos em que não hajam pessoas
obrigadas à vigilância do agente ou que se verifique alguma das situações previstas no art.491º.
Responsabilidade especial dos inimputáveis
O CC admite que a pessoa inimputável seja condenada a indemnizar total ou parcialmente o lesado
(não sendo possível obter a reparação junto das pessoas a quem toca a vigilância daquela), quando
razões de equidade assim o determinem.
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Não se trata de um caso de responsabilidade objectiva, pois o inimputável não responde, como é
próprio desta modalidade, pelos danos provenientes de caso fortuito ou de força maior.
Responde apenas nos termos em que responderia, se fosse imputável e praticasse o mesmo facto.
Com uma diferença importante, ele responde segundo critérios de equidade; o imputável responderia
de harmonia com as regras do direito estrito.
Para que haja responsabilidade da pessoa inimputável é necessária a verificação de seis requisitos
cumulativos, são eles:
1 – Que haja um facto ilícito
2 – Que esse facto tenha causado danos a terceiro
3 – Que o facto tenha sido praticado em condições de ser considerado culposo e reprovável se nas
mesma condições tivesse sido praticado por pessoa imputável
4 – Nexo causal entre facto e dano
5 – Que a reparação do dano não possa ser obtida dos vigilantes
6 – Que a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor em face das circunstancias
concretas do caso.
Culpa – não basta a imputabilidade do agente para que o facto lhe seja imputado, é necessário que o
imputável tenha realmente agido com culpa, que haja certo nexo psicológico entre o facto praticado e
a vontade do lesante.
A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das
circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.
É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor e pode revestir duas
formas:
- Dolo
- Negligencia ou mera culpa
Segundo Menezes Leitão a culpa pode ser definida como o juízo de censura ao agente por ter
adoptado a conduta que adoptou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adoptar
conduta diferente.
Deve, por isso, ser entendida em sentido normativo, como a omissão da diligência que seria exigível
ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe.
Nestes termos, o juízo de culpa representa um desvalor atribuído pela ordem jurídica ao facto
voluntário do agente, que é visto como axiologicamente reprovável.
Quando a responsabilidade se funda na mera culpa, diz o art.494º que a indemnização pode ser
equitativamente fixada em montante inferior ao valor dos danos causados, desde que assim o
justifiquem o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais
circunstancias do caso concreto (tais como o possível enriquecimento do lesante; situação em que a
indemnização não poderá ser inferior a esse beneficio).
Fundando-se a responsabilidade no dolo, sendo por essa razão, mais forte o laço que prende o facto
à vontade do agente, o montante da indemnização terá de corresponder sempre ao valor dos danos,
não podendo o juiz arbitrar indemnização inferior.
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Estabelece o art.497º que quando sejam várias as pessoas responsáveis pelos danos, o direito de
regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas (…).
Paralelamente, na hipótese de o próprio lesado ter concorrido para a produção ou agravamento do
dano, prescreve o art.570º um ajustamento na concessão e no montante da indemnização.
Modalidades de Culpa
Dolo e negligencia como modalidade da culpa.
A distinção entre estas modalidades é-nos logo fornecida pelo art.483º nº1, sendo que a mesma
distinção transluz no tratamento que é dado, no art.494º aos casos de mera culpa.
Dolo – este aparece como a modalidade mais grave da culpa, aquela em que a conduta do agente,
pela mais estreita identificação estabelecida entre a vontade deste e o facto se torna mais fortemente
censurável.
O dolo pode revestir as seguintes intensidades:
- Dolo directo
- Dolo necessário
- Dolo eventual
Dolo directo – o agente representa ou prefigura no seu espírito determinado efeito da sua conduta e
quer esse efeito como fim da sua actuação, apesar de conhecer a ilicitude dele.
Portanto, nestes casos, o agente quer directamente realizar o facto ilícito.
Dolo necessário – não querendo directamente o facto ilícito, o agente prevê-o como consequência
necessária, segura, da sua conduta. O efeito ilícito e o resultado querido estavam indissoluvelmente
ligados, o agente conhecia esse nexo de causalidade e nem por isso deixou de agir.
Esta situação apresenta um recorte psicológico diferente das situações anteriores, no entanto,
suscitam um igual juízo de reprovação no plano do direito.
Com efeito, é comummente aceite a equiparação quanto ao tratamento jurídico, entre dolo directo e
necessário.
Dolo eventual – o agente representa a verificação como consequência possível da sua conduta e
actua conformando-se com a sua verificação.
Portanto, o agente prevê a produção do facto ilícito, não como consequência necessária da sua
conduta, mas como um efeito apenas possível ou eventual.
No dolo eventual, a distinção da negligencia consciente é mais fluida, como nota Menezes Leitão, no
entanto, não deixa de existir, uma vez que a actuação do agente, não visando o facto como
consequência directa nem necessária da sua conduta, representa uma conformação tão grande com
a possibilidade da sua verificação, que chocaria considerar a situação como de mera negligencia,
ainda que consciente.
Nota Antunes Varela que: o critério mais seguido na doutrina e na jurisprudência quanto à
classificação das hipóteses de dolo eventual e negligencia consciente gira em torno da resposta que,
em cada caso, se possa dar à seguinte questão:
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Que teria feito o agente, se previsse o facto ilícito, não como mera consequência possível, mas como
efeito necessário da sua conduta; ter-se-ia abstido de agir, ou teria persistido na actuação?
Este critério de distinção radica nas fórmulas de Frank
Fórmula hipotética d e F rank – segundo esta, haverá dolo eventual se o agente, na hipótese de ter
considerado como certo o resultado da sua conduta, não tivesse adoptado comportamento diferente.
F ormula positiva de F rank – de acordo com esta formulação, haverá dolo eventual se o agente, tendo
previsto o resultado da sua conduta como possível, conforma-se com esse resultado, não alterando,
consequentemente o seu comportamento.
Aqueles que propugnam pela teoria da vontade exigem, porem, algo mais do que a indiferença do
agente para servir de base à sua reacção hipotética.
Querem uma verdadeira adesão da vontade do agente ao resultado.
Com efeito, para Eduardo Correia, haverá dolo eventual sempre que o agente, ao actuar, não
confiou em que o tal efeito possível se não verificaria (o agente actua conformando-se com o risco da
conduta provocar o resultado).
Por outro lado, haverá negligência consciente quando o agente tenha actuado só porque
(infundadamente) confiou em que o resultado não se produziria.
No primeiro caso verifica-se o dolo eventual uma vez que a insensibilidade do agente perante os
valores que violou continua a merecer um juízo de forte reprovação.
No segundo há negligência consciente, porque o agente previu (como possível) a produção do facto e
não tomou as medidas necessárias para o evitar.
Elemento intelectual do dolo – alem do nexo entre o facto ilícito e a vontade do lesante, nexo que
constitui o elemento volitivo do dolo, este compreende ainda um outro elemento, de natureza
intelectual.
Para que haja dolo é essencial o conhecimento das circunstâncias de facto que integram a violação
do direito ou da norma tuteladora de interesses alheios e a consciência da ilicitude do facto.
Os autores excluem apenas, em regra, da necessidade da consciência da ilicitude o conhecimento da
imoralidade do acto ou do carácter ofensivo dos bons costumes, quando a ilicitude envolva qualquer
destes aspectos.
Com efeito, estão em causa princípios de tal modo divulgados entre os membros da comunidade, que
repugna aceitar a invocação da sua ignorância como causa de exclusão do dolo.
Negligencia ou mera culpa – consiste na omissão da diligência exigível do agente para evitar o
dano.
Cabem neste âmbito, desde logo, os casos em que o autor prevê a produção do facto ilícito como
possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por
isso não toma as providencias necessárias para o evitar.
Ao lado destas, há ainda as numerosíssimas situações da vida corrente, em que o agente não chega
sequer, por improvidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se
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verificar podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação se usasse da diligencia devida. Falase,
nestes casos, de culpa inconsciente.
A mera culpa (consciente e inconsciente) exprime uma ligação da pessoa com o facto, menos incisiva
do que o dolo, mas ainda assim reprovável ou censurável. O grau de censura será tanto maior quanto
mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte ou intenso o dever
de o ter feito.
“Perigo eminente exige atenção redobrada”
Culpa em abstracto e culpa em concreto
Qual o padrão pelo qual se afere a conduta do lesante; como se mede o grau de diligencia que dele é
exigível?
Será a diligencia que o agente costuma aplicar nos seus actos (diligentia quam in suis adhibere solet)
de que ele se revela habitualmente capaz (culpa em concreto) ou é antes a diligência de um homem
normal, medianamente sagaz, prudente, avisado e cuidadoso?
Neste caso afere-se a culpa do lesante através da sua comparação com o arquétipo, isto, um modelo
do homem tipo, o padrão de um sujeito ideal (bonus pater familias).
O CC consagrou a tese da culpa em abstracto (art.487ºnº2) quando à responsabilidade
extracontratual, no entanto, afastou-se da anterior legislação, no sentido em que consagrou a
aplicação deste critério também ao regime da responsabilidade contratual
(art.799º nº2).
Este padrão abstracto, não deixa de exigir, no entanto, uma analise das circunstancias do caso
concreto, ou seja, do condicionalismo da situação e do tipo de actividade em causa.
Compreende-se que a diligencia exigida a um profissional qualificado na sua área não seja a mesma
que e que é exigida a um transeunte em passeio, e que a ocorrência de uma situação de emergência
implique uma apreciação da culpa distinta da que seria efectuada numa situação normal.
A culpa como deficiência da vontade ou como conduta deficiente
Importa saber se no âmbito da negligência entra apenas a falta de cuidado, de zelo ou de aplicação (a
incúria o desleixo a precipitação), ou se por outro lado, nela cabe também a falta de senso, de perícia
ou de aptidão (a incompetência, a incapacidade natural, a inaptidão a inabilidade).
A letra da lei não é categórica neste ponto. Se por um lado, o conceito de bonus pater famílias cobre
perfeitamente os dois lados, porque se revela o homem prudente, avisado, sagaz; o termo diligência
(art.487º nº2), sem excluir de todo em todo a ideia da correcção das próprias inaptidões ou
insuficiências naturais, aponta sobretudo para o zelo ou empenho da vontade.
Pode, no entanto, afirmar-se que a melhor opção de iure constituendo e a que mais facilmente se
coaduna com a opção da lei pelo critério da culpa em abstracto, é a que, dando à diligencia exigível
do homem o conteúdo mais amplo, define a mera culpa como um conduta deficiente e não a restringe
à condição de uma simples deficiência do factor vontade no acto.
Pois que não seria justo que a inaptidão, a imperícia e a incompetência, em lugar de onerarem o
próprio agente, prejudicassem antes terceiros (pessoa ou património).
Com efeito, e ao invés do que sucede em sede de responsabilidade criminal, não releva aqui punir o
lesante.
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O que está em causa na responsabilidade civil é uma questão de justiça comutativa, que se resume
ao nexo de imputação, isto é, saber quem é mais justo que suporte o dano; o determinar se existe
uma razão de justiça que imponha a outrem, que não o lesado, a obrigação de reparar o dano por
este sofrido.
Por outro lado, esta formulação de mera culpa constitui um incentivo para que as pessoas, sobretudo
no exercício da actividade profissional, procurem, na medida do possível, corrigir as suas deficiências
naturais ou a sua falta de competência, até se aproximarem do homem comum, do tipo médio que a
ordem jurídica toma como referencia.
Entenda-se que, se a cada um fosse licito escusar-se ou eximir-se do mal causado a outrem com a
fraqueza da sua constituição, a sua deficiência intelectual, a sua especial negação para certo tipo de
acções ou com o facto de não ser suficientemente instruído, dotado ou experiente, alegando que fez o
melhor que pode, o principio na actuação dos outros sofreria um golpe muito sério.
Quanto as deficiências pessoais mais vincadas, aquelas que colocam o individuo em plano
acentuadamente inferior ao homem médio ou normal (surdez, miopia severa, lentidão de movimentos
etc.), a orientação proposta sempre terá a vantagem de, sem ferir a justiça nas relações entre lesado
e lesante, levar o interessado, muitas vezes, a coibir-se dos actos que escapam de todo ao circulo
das suas aptidões naturais.
A tendência geral da doutrina e jurisprudência alemãs (que deve ser aceite, face ao direito vigente em
Portugal, segundo proposta de Antunes Varela) é orientada no sentido de introduzir na determinação
da negligência um padrão objectivo e abstracto, não só quanto à diligência da vontade mas também
quanto aos conhecimentos e à capacidade ou aptidão exigíveis das pessoas.
Estes conhecimentos e aptidões objectivamente exigíveis podem variar de profissão para profissão e
até consoante a idade.
Ilicitude VS culpa
Culpa e ilicitude são conceitos distintos. Abrangem aspectos diferentes, embora em certo sentido
complementares da conduta do autor do facto.
Ambos exercem, como condicionantes da sanção civil, uma função reprovadora da conduta do faltoso
ou prevaricador:
- A ilicitude no aspecto geral e abstracto considerado pela norma legal.
- A culpa no momento subjectivo, em que o julgador, ainda apoiado na lei, aprecia a reprovabilidade
da conduta do agente em face das circunstancias concretas do caso.
A ilicitude considera a conduta objectivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem
jurídica.
Por detrás do mesmo tipo objectivo de ilicitude podem encontrar-se as mais variadas situações
passíveis de tornar mais ou menos reprovável o comportamento do autor.
A culpa, considerando todos os aspectos circunstanciais que interessam à maior ou menor
censurabilidade da conduta do agente olha ao lado individual, subjectivo, do facto ilícito, embora na
apreciação da negligencia a lei inclua, nos termos expostos, elementos de carácter objectivo.
Distinguindo entre o dolo e a negligencia, tratando aquele com maior severidade que esta, graduando
a mera culpa de harmonia com a intensidade do dever que o agente tenha em cada caso concreto de
agir de outro modo e com a possibilidade real de o fazer, a culpabilidade trata fundamentalmente do
nexo entre o facto e a vontade do agente.
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Prova de culpa e presunções de culpa
Sendo a culpa do lesante um elemento constitutivo do direito à indemnização, incumbe ao lesado,
como credor, fazer prova dela, nos termos gerais da repartição legal do ónus probatório (art.342º).
Nos termos do art.487º nº1, incumbe ao lesado a prova da culpa do lesante, salvo havendo
presunção de culpa.
Nota Menezes Leitão que a dificuldade de realizar esta prova (probatio diabólica) e estando o ónus a
cargo do lesado, reduz em grande medida as possibilidades de este obter indemnização, ao mesmo
tempo que assegura a função sancionatória da responsabilidade civil, só responsabilizando o agente
perante uma demonstração efectiva da sua culpa.
Por vezes, no entanto, a lei estabelece presunções de culpa. Nesses casos verifica-se uma inversão
do ónus da prova (art.350º nº1).
Apesar das presunções serem genericamente elidíveis (art.350. nº2) a verdade é que as dificuldades
de prova neste domínio tornam, em caso de presunção de culpa, muito mais segura a obtenção de
indemnização pelo lesado, levando assim a que na responsabilidade por culpa presumida a função
indemnizatória praticamente a função sancionatória.
Alem da presunção de culpa na responsabilidade contratual, o CC prevê as seguintes presunções de
culpa:
1) Pessoas obrigadas à vigilância de incapazes, art.491º
2) D anos derivados de edifícios e outras obras, art.492º
3) D anos causados por coisas, animais e, actividades perigosas art.493º
Todas estas presunções de culpa correspondem a situações em que se verifica uma fonte específica
de perigo, cuja custódia se encontra atribuída a determinado sujeito, resultando assim a sua
responsabilização da violação de deveres de segurança do tráfego, que lhes impunham evitar a
ocorrência de danos resultantes dessa fonte de perigo.
1) Danos causados por incapazes estando estes sob a custodia de outrem, art.491º
O art.491º estabelece a presunção de culpa daqueles que têm à sua vigilância, seja este dever
decorrente da lei ou de negócio jurídico, pessoas naturalmente incapazes. Desde que, estes causem
danos a terceiros.
As pessoas atingidas pela obrigação de indemnizar não respondem por facto de outrem (pelo risco),
antes por facto próprio, visto a lei presumir que houve falta (omissão) da vigilância adequada (culpa in
vigilando).
Esta presunção baseia-se em varias considerações:
- Num dado da experiência, segundo a qual boa partes dos actos ilícitos praticados pelos incapazes
procede de um falta de vigilância adequada.
- Na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra o risco da
irresponsabilidade ou de insolvabilidade do autor directo da lesão.
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- Na própria conveniência de estimular o cumprimento dos deveres que recaem sobre aqueles a cuja
guarda o incapaz esteja entregue.
O vigilante pode sempre afastar a presunção, art.491º in fine
- Quer mediante a prova de cumprimento do dever de vigilância
- Quer mediante a prova de que o dano se teria produzido ainda que o dever tivesse sido cumprido
(relevância negativa da causa virtual).
Nem todos os obrigados a vigiar outras pessoas estão sujeitos à presunção de culpa, apenas aqueles
cujo dever de vigilância é determinado em função da incapacidade natural do vigiado.
À incapacidade natural não corresponde sempre a inimputabilidade, como tal, pode cumular-se a
responsabilidade do incapaz e da pessoa obrigada à sua vigia. Neste caso respondem solidariamente
(art.497º).
2) Danos derivados de edifícios e outras obras, art.492º
À imagem da hipótese anterior, também aqui o fundamento desta responsabilização não se baseia no
perigo causado pelos imóveis ou no proveito deles retirado pelo seu proprietário ou possuidor.
Não é portanto, uma hipótese de responsabilidade objectiva. Trata-se de uma responsabilidade
subjectiva fundada na violação de deveres a observar na construção e na conservação de edifícios.
A solução estende-se ainda a outras obras, devendo considerar-se como tais, todas as construções
ligadas ao solo ou unidas ao prédio, mas não coisas móveis sem tal ligação nem os produtos naturais
ligados ao solo.
A presunção recai sobre o proprietário ou possuidor do edifício; presunção que se transfere no caso
de danos devidos exclusivamente a defeitos de conservação, para a pessoa obrigada por lei ou
negócio jurídico a conservar o edifício ou obra; desde que não haja ao mesmo tempo culpa do
proprietário ou possuidor (culpa in eligendo, culpa in instruendo, culpa in vigilando) caso em que
responderão solidariamente.
Também nesta situação se admite que quem tem contra si a presunção se exima de
responsabilidade. Terá para isso, de provar que não houve culpa sua ou que os danos se
continuariam a produzir mesmo que se tivesse adoptado a diligência devida.
Posição de Menezes Leitão
Nota o jurista que a doutrina maioritária, que é seguida unanimemente pela jurisprudência defende
que a aplicação desta presunção de culpa está dependente da prova de que exista um vicio de
construção ou um defeito de conservação no edifício ou da obra que ruiu, prova essa que de acordo
com as regras gerais deveria ser realizada pelo lesado (actori incumbit probatio).
Com efeito o autor discorda da referida orientação, pois que fazer recair esta prova sobre o lesado
equivale a retirar grande parte do alcance à presunção de culpa.
Refere Menezes Leitão que, salvo casos de fenómenos extraordinários, como terramotos, a ruína de
um edifício ou obra é um facto que por si só indicia o incumprimento de deveres relativos à
1
construção ou conservação dos edifícios, não se justificando por isso que recaia sobre o lesado o
ónus suplementar de demonstrar a forma como ocorreu esse incumprimento.
3) Danos causados por coisas, animais e, actividades perigosas art.493º
Trata-se de uma responsabilidade subjectiva por culpa presumida contra quem tiver em seu poder
coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, bem como contra aquele que assumir a vigilância de
quaisquer animais.
Nota Antunes Varela que se trata dos danos provocados pelas coisas ou pelos animais, não dos
danos causados pelo agente com o emprego das coisas ou dos animais, visto nenhuma razão haver
para excluir estes do regime geral da responsabilidade civil.
O art.493º deslocou o eixo da responsabilidade do simples domínio para a detenção da coisa ou do
animal, com o dever de os vigiar.
Ao dono ou possuidor do animal é, porém, aplicável o disposto no art.502º (responsabilidade baseada
no risco).
Com efeito, se a responsabilidade assenta, nesta caso, sobre a ideia que não foram tomadas as
medidas de precaução necessárias para evitar o dano, a presunção recai em cheio sobre a pessoa
que detém a coisa ou o animal, com o dever de os vigiar.
Essa pessoa será, por via de regra, o proprietário, mas muitas vezes o não será, podendo tratar-se do
comodatário do depositário etc.
A presunção legal de culpa pose ser afastada nos mesmos moldes que nos casos anteriores (art.350º
nº2).
Porém, quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá
exonerar-se de responsabilidade, provando que empregou todas as providencias exigidas pelas
circunstancias para os evitar.
Afasta-se indirecta mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir da obrigação
de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam produzido por uma outra causa, mesmo
que ele tivesse adoptado todas aquelas providências.
Os três casos supra analisados configuram situações de responsabilidade subjectiva agravada pela
presunção de culpa.
É por um lado indirecta, visto que o autor imediato do dano foi outra pessoa ou o dano foi provocado
por uma obra, coisa ou animal. E por outro directa, pois que a responsabilidade se funda numa culpa
(ex. art.491º culpa in vigilando).
A técnica presuntiva parte do chamado facto conhecido ou facto base e dá como existente e provado,
segundo um juízo lógico, o facto desconhecido (o nexo jurídico de culpa) e considera desencadeados
certos efeitos responsabilizantes caso o presumido culpado não consiga demonstrar o contrário.
d) DANO
Para que haja obrigação de indemnizar é condição essencial a existência de um dano, sito é, que o
facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém.
1
Segundo Menezes Leitão, o dano terá de ser definido num sentido simultaneamente fáctico e
normativo, ou seja, como a frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica.
Dano real – o dano real é a perda in natura que o lesado sofreu, e consequência de certo facto, nos
interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.
É, portanto, a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a
forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea.
Ex. A morte, os ferimentos, a afectação do bom-nome, os estragos no veiculo etc.
Dano patrimonial – este consiste no reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.
Tratam-se de realidades distintas, embora estritamente ligadas entre si.
Menezes Leitão refere que o dano patrimonial corresponde à avaliação concreta dos efeitos da lesão
no âmbito do património do lesado, consistindo a indemnização na compensação da diminuição
verificada nessa património em virtude da lesão.
Uma coisa é a morte da vítima, as fracturas, as lesões que ela sofreu (dano real), outra coisa são as
despesas com os médicos, com o internamento, o funeral, os lucros que o sinistrado deixou de obter
em virtude da incapacidade.
Nota Antunes Varela que o dano patrimonial se mede, em regra, por uma diferença:
A diferença entre a situação real actual do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se
não fosse o facto lesivo.
Dano emergente – pode, desde logo, consistir numa diminuição do activo ou num aumento do
passivo. Compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do
lesado à data da lesão.
Lucro cessante – abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas
a que ainda não tinha direito à data da lesão.
A noção de dano patrimonial importa ao problema do cálculo da indemnização por equivalente.
Contidos no dano patrimonial encontram-se:
O dano emergente, isto é, a perda patrimonial
(dannum emergens)
O lucro cessante (lucrum cessans)
1
Já a de dano real, como prejuízo in natura, interessa ao problema da causalidade e à questão da
opção entre indemnização por restituição natural ou por mero equivalente.
Dano patrimonial VS dano não patrimonial (moral)
Fala-se nesta sede de dano patrimonial para abranger os prejuízos que, sendo susceptíveis de
avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (restauração
natural ou reconstituição especifica) pelo menos indirectamente (mero equivalente ou indemnização
pecuniária).
Danos patrimoniais indirectos – são aqueles que, embora atinjam valores ou interesses não
patrimoniais (o bom nome, a honra etc.), todavia, se reflectem no património do lesado, por exemplo,
diminuindo a sua clientela.
Resulta do que é dito que nem sempre o dano patrimonial resulta da violação de direitos ou
interesses patrimoniais: também a violação de direitos ou interesses não patrimoniais se pode reflectir
na perda de receitas ou na necessidade de despesas.
Danos não patrimoniais – são aqueles que são insusceptíveis de avaliação pecuniária, pois atingem
bens que não integram o património do lesado (saúde, bem estar, liberdade). Como tal, a sua violação
apenas pode ser compensada com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma
satisfação que uma indemnização.
A indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, apenas permite atribuir ao
lesado determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida.
O mesmo facto ilícito pode produzir simultaneamente danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
Dano directo VS dano indirecto
(Segundo Antunes Varela)
Dano directo – traduz-se nos efeitos imediatos do facto ilícito, a perda directa causada nos bens ou
valores juridicamente tutelados.
Dano indirecto – são as consequências mediatas ou remotas do dano directo.
Danos presentes VS danos futuros
Danos presentes – aqueles que já se encontram verificados no momento da fixação da
indemnização.
Danos futuros – aqueles que não se encontram verificados no momento da fixação da
indemnização.
Do art.564º nº2 resulta, em primeiro lugar, que o facto de o dano ainda não se ter verificado não é
fundamento para excluir a indemnização, bastando-se o tribunal com a previsibilidade da verificação
do dano para a fixar.
No entanto, a fixação da indemnização naquele momento depende da determinabilidade do dano
futuro.
1
Efectivamente e segundo o art.661º nº2 CPC, caso o dano não seja logo determinável em objecto ou
quantidade a fixação da indemnização deverá ser remetida para execução de sentença.
De novo a questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais e a solução do problema no
direito constituído.
O CC aceita, em termos gerais, mas apenas no domínio da responsabilidade extracontratual, a tese
da reparabilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-se àqueles que, pela sua gravidade,
mereçam tutela do direito (art.496º nº1).
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em
conta o caso concreto) e não à luz de factores subjectivos.
Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo
grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária do lesado.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em
qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau
de culpabilidade do agente e à sua situação económica e às do lesado (art.496º nº 3 → art.494º).
O facto de a lei, através da remissão no art.496º nº3 para o 494º, mandar atender, na fixação da
indemnização, quer à culpa quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu,
estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destina, nestes casos a proporcionar ao
lesado os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os
desgostos ou sofrimentos que sofreram por virtude da lesão.
No entanto, também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado ao lado
da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter
sancionatório.
Com efeito, a indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, uma natureza
acentuadamente mista: por um lado visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos
sofridos pela pessoa lesada; por outro não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano
civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
e) NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE FACTO E DANO
O art.483º, ao estabelecer a obrigação de indemnização como sanção para o comportamento ilícito e
culposo do agente, limita no entanto essa indemnização aos “danos resultantes da violação”, o que
implica exigir que esse comportamento seja causa dos danos sofridos, ou seja, que haja um nexo de
causalidade entre o facto e o dano.
Como nota Antunes Varela, nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são incluídos na
responsabilidade do agente.
Com feito, exige-se entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais apertado do que a simples
coincidência ou sucessão cronológica.
1
Não é pelo facto de o vidro se ter partido à passagem da viatura que se conclui ter sido o veículo que
partiu o vidro. É preciso, diz Carbonier, provar que o vidro foi partido por uma pedra que a roda do
veículo projectou na sua passagem.
Por conta dos responsáveis devem correr apenas os danos causados pelo facto, os danos resultantes
do facto (art.483º) e não todos os danos cronologicamente sobrevindos ao facto.
Quais são, então, os danos que podem considerar-se causados pelo facto constitutivo da
responsabilidade?
Que relação deve existir entre o dano e o facto, para que este possa considerar-se como causa
daquele?
O problema pode ser posto numa dupla perspectiva:
1 – Num aspecto positivo, quando ser diz que a vitima, para obter a indemnização tem que alegar e
provar o nexo de causalidade entre o prejuízo e o facto a que a lei liga certa responsabilidade.
2 – Num aspecto negativo, para significar que o réu pode afastar a relação de causalidade que
parecia envolvê-lo, provando a existência de uma causa estranha que lhe não é imputável.
Teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non)
Segundo esta teoria, seria causa de um evento toda e qualquer condição que tenha concorrido para a
sua produção, em termos tais que a sua não ocorrência implicaria que o evento deixasse de se
verificar.
De acordo com esta formulação, o que caracteriza o conceito de causa de um evento é apenas a
imprescindibilidade de uma condição para a sua verificação, não se justificando estabelecer qualquer
apreciação da relevância jurídica dessas condições, uma vez que todas elas são equivalentes para o
processo causal, mesmo que o evento só resulte da acção conjugada de ambas.
Ex. Duas empregadas de restaurante, actuando isoladamente uma da outra, colocam veneno na
comida de terceiro em doses individuais insuficientes para lhe causar a morte, mas vindo esta a
ocorrer em virtude do efeito conjugado das duas doses.
Podemos, através do exemplo, atestar a fragilidade desta teoria, pois que, nestes casos (concurso de
responsabilidades) o que sucederia era uma de duas hipóteses:
1 – Serem ambas as empregadas responsabilizadas, uma vez que, se qualquer uma das doses fosse
retirada o resultado morte se não produziria.
2 – Serem ambas ilibadas, visto que nem uma nem outra, isoladamente, se podem considerar causa
sem a qual o resultado morte não se produziria.
Teoria da causalidade adequada
1
Como bem refere Antunes Varela, o que ao jurista cumpre averiguar é o ponto de vista em que o
direito se deve colocar para seleccionar, entre as varias condições de certo evento danoso, as que
legitimam a imposição, ao respectivo autor da obrigação de indemnização.
Quando é que para tal efeito, o facto pode e deve ser tido como causa do dano?
O pensamento fundamental da teoria é que, para impor a alguém a obrigação de indemnizar o dano
sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, conditio
sine qua non, do dano; é necessário ainda que, em abstracto, ou em geral, o facto seja uma causa
adequada do dano, isto é, segundo o curso normal das coisas, segundo as regras da experiência, o
facto é idóneo a produzir o dano.
Há que escolher, entre os antecedentes históricos do dano, aquele que, segundo o curso normal das
coisas, se pode considerar apto para o produzir, afastando aqueles que só por virtude de
circunstancias extraordinárias o possam ter determinado.
Que o facto seja condição do dano é requisito necessário; mas não é requisito suficiente para que
possa ser considerado como causa desse dano.
Podemos constatar, então, que o cerne da questão reside em saber quando é que um facto pode,
abstractamente considerado, ser apontado como causa de certo dano.
Para alguns autores o facto e causa adequada do dano, sempre que este constitua uma
consequência normal ou típica daquele, ou seja, sempre que, verificado o facto, se possa prever o
dano como uma consequência normal/natural ou como um efeito provável dessa verificação.
Para outros, que propugnam por um formulação mais ampla, o facto que actuou como condição do
dano só deixara de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar
de todo em todo indiferente (não apto à produção do dano) para a verificação do dano, tendo-o
provocado só por virtude das circunstancias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que
intercederam no caso concreto.
A formulação preferível da teoria da causalidade adequada.
Em condições regulares, dir-se-ia que um facto só deve considerar-se causa adequada dos danos
(sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele.
Todos os outros deveriam, em principio, ser suportados pelo lesado, na sequencia lógica da ideia de
que casum sentit dominus, res perit dominus (the loss lies were it falls).
Essa será, com efeito, na falta de indicação em contrário, a orientação mais defensável quanto aos
casos em que a obrigação de reparar o dano assenta sobre um facto lícito do agente.
Já no que concerne aos casos em que a obrigação assenta num facto ilícito culposo do agente, assim
não será.
Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo
dano, compreende-se a inversão do sentido natural dos acontecimentos.
Já se justifica que o prejuízo recaia, em principio, não sobre o lesado, mas sobre quem agindo
ilicitamente, criou a condição do dano.
Essa inversão só deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito se pode considerar
de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano registado.
1
Desta formulação resulta:
- Para que haja causalidade adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem
a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas
nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.
- Para que um dano seja considerado como efeito adequado de certo facto não é necessário que ele
seja previsível para o autor desse facto.
Se a responsabilidade depender da culpa do lesante, é imprescindível a previsibilidade do facto
constitutivo de responsabilidade., visto essa previsibilidade constituir parte integrante do conceito de
negligência, em qualquer das modalidades que esta pode revestir.
Mas já não se exige que sejam previsíveis os danos subsequentes.
Essencial é apenas que o facto constitua em relação a estes uma causa (objectivamente) adequada.
- A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao
processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.
É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral ou abstracta do facto para produzir o
dano.
Não basta, em princípio que o facto seja capaz de produzir a morte de alguém, para que o
falecimento da vítima seja forçosamente considerado como efeito adequado desse facto.
Teoria do escopo da norma violada
Segundo esta teoria, a distinção entre danos indemnizáveis e danos não indemnizáveis deve ser feita,
não em obediência ao pensamento da causalidade adequada do facto, mas tendo em vista os reais
interesses tutelados pelo fim do contrato, no caso da responsabilidade contratual, ou pelo fim da
norma legal no caso da responsabilidade extracontratual.
Segundo Menezes Leitão, para o estabelecimento do nexo de causalidade é apenas necessário
averiguar se os danos que resultaram do facto correspondem à frustração das utilidades que a norma
visava conferir ao sujeito através do direito subjectivo ou da norma de protecção.
Nestes moldes, a questão da determinação do nexo de causalidade acaba por se reconduzir a um
problema de interpretação do conteúdo e fim específico da norma que serviu de base à imputação
dos danos.
Para o jurista, é esta a melhor forma de determinação do nexo de causalidade, pois que a obrigação
de reparar os danos causados constitui uma consequência jurídica de uma norma relativa à
imputação de danos, o que implica que a averiguação do nexo de causalidade apenas se possa fazer
a partir da determinação do fim especifico e do âmbito de protecção da norma que determina a
consequência jurídica.
O nexo de causalidade face ao direito constituído
O CC consagra, no art.563º a teoria da causalidade adequada.
Nota Menezes Leitão que a norma parte da teoria da conditio sine qua non, em termos tais que até
poderíamos ser levados a considerar que a consagraria, não fora a introdução do advérbio
“provavelmente”.
1
Com efeito, a introdução daquele, faz supor que não está em causa apenas a imprescindibilidade da
condição para o desencadear do processo causal, exigindo-se ainda que essa condição, de acordo,
com um juízo de probabilidade seja idónea a produzir um dano, o que corresponde à consagração da
teoria da causalidade adequada.
Faz-se apelo ao prognóstico objectivo que, ao tempo da lesão (ou do facto), em face das
circunstâncias então reconhecíveis ou conhecidas pelo lesante, seria razoável emitir quanto à
verificação do dano.
A indemnização só cobrirá aqueles danos cuja verificação era lícito nessa altura prever que não
ocorressem se não fosse a lesão.
Portanto, o autor da lesão (do facto) só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam
verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido.
Relevância da causa virtual
Nas situações previstas nos art. 491º e SS estabelecem-se presunções de culpa. Em todos esses
casos, com excepção do que se refere ao exercício de actividades perigosas (art.493º nº2), se isenta
o agente de responsabilidade se ele provar que não houve culpa da sua parte ou se, não obstante a
culpa com que agiu, mostrar que o dano se teria produzido, ainda que o seu facto culposo se não
tivesse verificado.
Nesta segunda faculdade concedida ao agente, parece estar posta e solucionada a questão da
relevância negativa da causa virtual do dano.
Como a própria expressão indica, a causa virtual é o facto (real ou hipotético) que tenderia a produzir
certo dano, não fora este causado por outro facto (causa real).
Como refere Menezes Leitão, a causa virtual verifica-se sempre que o dano resultante da causa real
se tivesse igualmente verificado, na ausência desta, por via de outra causa, denominada de causa
virtual.
O jurista refere ainda que seria possível conceber três soluções jurídicas para esta questão:
1) Relevância positiva da causa virtua l – segundo esta, o autor da causa virtual seria responsável
pelo dano nos mesmos termos que o autor da causa real.
2) R elevância negativa da causa virtua l – segundo esta orientação, o autor da causa virtual não
seria responsabilizado, mas a existência dessa causa virtual serviria para afastar a
responsabilidade do autor da causa real.
3) I rrelevância da causa virtua l – neste caso a responsabilidade do autor do dano não seria
minimamente afectada pela existência de uma causa virtual.
A solução da relevância positiva da causa virtual implicaria prescindir do nexo de causalidade, já que
este é interrompido pela ocorrência da causa real.
O autor da causa virtual seria por isso responsabilizado por danos que não resultaram do seu
comportamento, o que é inaceitável face ao disposto no art.483º.
A solução da relevância negativa da causa virtual encontra-se consagrada no CC (art.491º, 492º, 493º
nº1, 616º nº2 e 807º nº2) com efeito, admitem estes preceitos que o agente pode não ser
1
responsabilizado caso demonstre que o dano seria igualmente causado por um outro fenómeno
(causa virtual).
A dúvida que se coloca nesta sede é a de determinar se estas disposições são excepcionais ou se
representam o afloramento de um princípio geral de relevância negativa da causa virtual.
Antunes Varela é peremptório. Nota o jurista que, apesar de haver um facto ilícito (por via de regra
uma omissão) que actuou como causa real, operante, do dano. O agente é isento de
responsabilidade por exclusiva consideração da causa virtual do mesmo efeito danoso.
Para o autor, bem como para a doutrina maioritária (ao invés de Pessoa Jorge), tratam-se de normas
excepcionais, que, em princípio, não comportam aplicação analógica.
Em todos os casos nelas previstos, concorrem para a produção do dano, não só o facto
(presuntivamente culposo) da pessoa em princípio responsável, mas também o facto de terceiro
(naturalmente incapaz) ou um facto acidental (sismo, explosão, etc.) circunstancias que justificam o
tratamento excepcional que a lei lhes concede.
Segundo Menezes Leitão, na senda de Pereira Coelho, confirma-se a excepcionalidade das
referidas normas, com o fundamento de que essas disposições não correspondem ao regime normal
da responsabilidade civil, antes instituem uma responsabilidade agravada, em resultado de uma
presunção de culpa. Funcionando a relevância negativa da causa virtual como uma compensação
pelo agravamento da responsabilidade.
Por outro lado, e uma vez que a responsabilidade civil desempenha, não apenas funções reparatórias
mas ainda funções preventivas e punitivas, não se justificaria estabelecer genericamente a relevância
negativa da causa virtual.
Efectivamente, verificando-se a imputação delitual de um facto ao agente, naturalmente que ele há-de
responder pelos danos causados (art.483º), não prevendo a lei como regra geral que essa
responsabilidade seja perturbada pela causa virtual, o que se afiguraria absurdo face às funções
preventivas e punitivas prosseguidas na responsabilidade por factos ilícitos.
Se a lei dá relevância à causa virtual em situações especificas, é como um causa suplementar de
exclusão da responsabilidade, que concede em situações restritas de responsabilidade agravada.
Titularidade do direito à indemnização
Tem direito à indemnização o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a
violação da disposição legal, não o terceiro que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado.
Ex. A foi atropelado por B e sofreu ferimentos. Será este obrigado a indemniza-lo do dano que lhe
causou. Mas já não será obrigado a indemnizar C, dono do teatro onde A deveria actuar na noite do
acidente.
Não há, no nosso sistema, um direito à integridade do património, cuja violação possa assegurar a
indemnização.
É aos danos assim causados a terceiros, sem violação de nenhuma relação negocial ou paranegocial
e sem infracção de nenhum dever geral de abstenção ou omissão, que na doutrina
germânica se tem dado o nome de danos patrimoniais puros – e que não encontram, por razões
obvias cobertura directa, nem na responsabilidade extracontratual nem na responsabilidade
contratual.
1
Excepcionalmente, porem, a indemnização pode competir também ou caber apenas a terceiro. Assim
sucede nos casos previstos no art.495º.
Há na concessão deste direito de indemnização uma verdadeira excepção à regra de que só os
danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante.
Com efeito, a obrigação alimentar, quer fundada na lei, quer em qualquer dos deveres de justiça em
que assenta a naturalis obligatio, constitui um direito relativo a que o lesante era estranho. Só por
disposição especial da lei este poderia ser obrigado a indemnizar os prejuízos que para o titular desse
direito relativo advieram da prática do facto ilícito.
Tanto o art.495º nº3 (danos patrimoniais) como o art.496º nº 2 (danos não patrimoniais), podem dar
lugar a dúvidas de interpretação e de aplicação pratica que cumpre examinar.
Quanto à indemnização por danos patrimoniais, ocorrer naturalmente perguntar se têm direito a ela as
pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, ou também aquelas que só
mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo.
O espírito da lei abrange manifestamente também estas ultima pessoas.
Se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível, nenhuma razão há para que o tribunal
não aplique a doutrina do art.564º nº2.
Mas ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da
obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da
pessoa lesada, contanto que não haja prescrição nos termos gerais (art.498º nº in fine).
Como é por este prejuízo que a indemnização se mede, o lesante não poderá ser condenado em
prestação superior (seja no montante, seja na duração) àquela que provavelmente o lesado (de cujus)
suportaria se fosse vivo.
Quanto aos danos não patrimoniais, é liquido que apenas têm direito à indemnização os familiares
destacados no nº2 do art.496º, como liquido é também que os familiares do 2º grupo (os
ascendentes) só terão direito à indemnização se não houver cônjuge nem descendente da vitima.
O facto de a lei afirmar que a indemnização cabe em conjunto, ao cônjuge e aos descendentes da
vitima não impede que o tribunal discrimine, como alias é seu dever, a parte da indemnização que
concretamente cabe a cada um dos benefícios, de acordo com os danos por eles sofridos.
Serem chamados em conjunto significa apenas que os descendentes não são chamados só na falta
do cônjuge, como sucede com os beneficiários do 2º e 3º grupos, para os quais vigora o princípio do
chamamento sucessivo.
Prescrição do direito à indemnização
Sem prejuízo do prazo de vinte anos, correspondente à prescrição ordinária (contado sobre a data do
facto ilícito, art.498º nº1 in fine e art.309º) o direito à indemnização fundada na responsabilidade civil
está sujeito a um prazo curto de prescrição (três anos).
A prova dos factos que interessam à definição da responsabilidade, torna-se extremamente difícil e
bastante precária a partir de certo período de tempo sobre a data dos acontecimentos.
Fixou-se o prazo de prescrição em três anos, a contar do momento em que o lesado teve
conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos
1
pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que
sofreu.
Na intenção de aproximar a data de apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se
verificaram, a lei tornou o inicio do prazo independente do conhecimento da extensão integral dos
danos, podendo o lesado formular um pedido genérico de indemnização, cujo montante exacto será
nesse caso definido no momento posterior da execução da sentença, quando não seja possível
determinar logo a extensão exacta do dano.
A lei tornou também o início da contagem do prazo independente do conhecimento da pessoa do
responsável.
Se o lesado só tiver conhecimento da identidade do responsável depois de verificada a lesão, o prazo
de três anos para a propusitura da acção não se conta desde o conhecimento, mas a partir da data
em que o lesado teve conhecimento do seu direito.
Responsabilidade pelo risco
Como sabemos a responsabilidade cível consiste na obrigação imposta a alguém reparar os danos
causados a terceiro, portanto, visa tornar indemne o lesado, isto é, sem dano.
A tendência dos autores ia no sentido de filiar a responsabilidade civil na culpa do lesante.
Dos danos que cada um sofra na sua esfera jurídica só lhe será possível ressarcir-se à custa de
outrem quanto àqueles que, provindo de facto ilícito, sejam imputáveis à conduta culposa de terceiro.
Os restantes, quer provenham de caso fortuito ou de força maior, quer sejam causados por terceiro,
mas sem culpa do autor, terá de suporta-los o titular dos bens ou direitos lesados (casum sentit
dominus, res perit dominus).
A responsabilidade baseada na culpa, hostil á ideia fatalista do dano e da correlativa obrigação de
indemnizar, reveste um valor padagogico-educativo que só há interesse em aproveitar na disciplina da
vida social.
No entanto, há muito se reconheceu que, na prática, a teoria da culpa nem sempre conduz aos
melhores resultados.
Há importantes sectores da vida em que as necessidades sociais de segurança se têm mesmo de
sobrepor às considerações de justiça alicerçadas sobre o plano das situações individuais.
Torna-se necessário, quando assim seja, temperar o pensamento clássico da culpa com certos
ingredientes sociais de carácter objectivo.
Foi no domínio dos acidentes de trabalho que primeiro se chegou a tal conclusão.
Surge assim, ao lado da doutrina clássica da culpa, um outro princípio: o da teoria do risco.
Quem utiliza em seu proveito coisas perigosas, quem introduz na empresa elementos cujo
aproveitamento tem os seus riscos; quem cria ou mantém um risco em proveito próprio, deve suportar
as consequências prejudiciais do seu emprego, já que dele colhe o principal beneficio (ubi
emolumentum, ibi onus; ubi commodum ibi incommodum) quem aufere os lucros da exploração
industrial, justo é que suporte os encargos dela, entre os quais se inscreve, como fenómeno natural e
inevitável, o dos acidentes no trabalho.
1
A imposição desta responsabilidade constituirá, por outro lado, um estimulo eficaz ao
aperfeiçoamento da empresa, tendente a diminuir o numero e a gravidade dos riscos na prestação do
trabalho, bem como a segurar os empregados contra os acidentes a que continuamente se encontram
expostos.
Como faz notar Menezes Leitão, o risco consiste num outro título de imputação de danos, que se
baseia na delimitação de um certa esfera de riscos pela qual deve responder outrem que não o
lesado.
Essa esfera de riscos pode ser estabelecida através de diversas concepções que por vez se cumulam
entre si.
a) Concepção do risco criad o – cada pessoa que cria uma situação de perigo deve responder
pelos danos que resultem dessa situação.
b) C oncepção do risco-proveito – a pessoa deve responder pelos danos resultantes das
actividades das quais tira proveito. (Paulus – secundum naturam est commoda cuisque rei
eum, quem sequenter incommoda)
c) C oncepção do risco de autoridade – deve responder pelos danos daí resultantes, aquele que
tem sob o seu controlo outras pessoas.
O nosso direito adoptou uma concepção restritiva da responsabilidade pelo risco, consagrando
taxativamente a sua admissibilidade apenas nos casos previstos na lei (art.483º nº2), o que tem vindo
a funcionar como um travão ao desenvolvimento jurisprudencial neste direito.
Em face do CC, são consideradas como situações de responsabilidade pelo risco:
- A actuação de pessoas em proveito alheio, art.500º e 501º
- Utilização de coisas perigosas → Animais, art.502º
→ Veículos, art503º e SS
→ Instalações (…), art.509º e SS
Havendo ainda a considerar outras situações constantes de diplomas especiais.
Face ao art.483º nº2, não é possível proceder à aplicação analógica das disposições respeitantes à
responsabilidade pelo risco.
Nota-se, em alguns autores, e projectos legislativos hodiernos, a tendência para, no capitulo dos
acidentes de viação, socializarem o risco ou comunizarem o dano, assegurando a indemnização
devida ao lesado, não só nos casos em que o acidente seja devido a circunstancias de força maior
estranhas ao funcionamento do veiculo, mas também naqueles em que o responsável não seja
conhecido (casos de fuga) ou em que, sendo conhecido, não tenha meios para cobrir a sua
responsabilidade.
Responsável seria sempre o estado, ao qual assistiria, porém, através do instituto público destacado
para o efeito, o direito de regresso, quando houvesse culpado e este possuísse meios por onde
responder.
A excepcionalidade dos casos de responsabilidade objectiva referidos não provem apenas de a
responsabilidade do agente prescindir, em certos termos da culpa do lesante. Resulta ainda de ela
não exigir seque, como pressuposto necessário, a ilicitude da conduta.
1
A responsabilidade pode assentar aqui sobre um facto natural (um acontecimento), um facto de
terceiro ou até um facto do próprio lesado.
O facto constitutivo de responsabilidade deixa, pois, de ser necessariamente, neste domínio, um facto
ilícito.
Responsabilidade do comitente, art.500º
O comitente responde, em determinados termos, mas independentemente de culpa, pelos danos que
o comissário cause a terceiro, desde que o comissário tenha agido com culpa.
A lei civil assinala de modo inequívoco o carácter objectivo da responsabilidade do comitente.
Afirmando (art.500 nº1) que ele responde independentemente de culpa, e que (nº2) a sua
responsabilidade não cessa pelo facto de o comissário haver agido contra as instruções recebidas.
Não se trata de uma presunção de culpa que ao comitente incumba elidir para se eximir à obrigação
de indemnizar; trata-se de a responsabilidade prescindir da existência de culpa, nada adiantando, por
isso, a prova de que o comitente agiu sem culpa ou de que os danos se teriam igualmente registado,
ainda que não houvesse actuação culposa da sua parte.
No entanto, apesar da culpa do comitente não ser requisito essencial da responsabilidade, pode influir
no regime dela.
A culpa do comitente pode consistir em:
- Culpa in eligendo – cukpa na escolha da pessoa, que é manifestamente inadequada para as
funções.
- Culpa in instruendo – culpa nas instruções ou ordens dadas para a comissão.
- Culpa in vigilando – culpa na fiscalização da actividade do comissário.
Caso haja culpa, tanto do comitente como do comissário, qualquer deles responde solidariamente
perante o lesado, mas o encargo da indemnização será depois repartido entre eles (art.497º nº2 e
500º nº3 in fine), na proporção das respectivas culpas.
Havendo só culpa do comitente, apenas ele será obrigado a indemnizar, nos termos da
responsabilidade por factos ilícitos.
Caso haja culpa do comissário, o comitente que houver pago poderá exigir dele a restituição de tudo
quanto haja pago (art.500º nº3).
Como nota Menezes Leitão, esta responsabilidade objectiva apenas funciona na relação com o
lesado (relação externa), já que posteriormente o comitente terá na relação com o comissário (relação
interna) o direito de exigir a restituição de tudo quanto pagou, salvo se ele próprio tiver culpa.
Pode por isso dizer-se, que esta responsabilidade tem por função especifica a garantia do pagamento
da indemnização ao lesado, dada a circunstancia de os comissários serem pessoas normalmente
desprovidas de património susceptível de suportar o pagamento de elevadas indemnizações e
actuando eles no interesse e por conta do comitente, deve caber a este garantir ao lesado a
indemnização.
Em consequência, a lei atribui ao lesado um pretensão directa contra o comitente, que pode exercer
isolada ou cumulativamente com a pretensão de indemnização que adquiriu contra o comissário.
1
Requisitos necessários para que se efective a responsabilidade do comitente
a) Existência de uma relação de comissã o
b) P ratica do facto ilícito no exercício das funções
c) R esponsabilidade do comissário
a) Existência de uma relação de comissão – para que haja responsabilidade objectiva do comitente, é
necessário que este haja encarregue outrem de qualquer comissão. Entende-se comissão no sentido
amplo, isto é, no sentido de serviço ou actividade realizada por conta e sob direcção de outrem,
podendo essa actividade traduzir-se tanto num acto isolado como numa função duradoura, ter
carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual.
A comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize
aquele a dar ordens a este, pois só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a
responsabilidade do comitente pelos actos do comissário.
A relação de subordinação pode ter carácter permanente ou duradouro, como quando provem de um
contrato de prestação continuada ou periódica; ou ser puramente transitória, ocasional, limitada a
actos materiais ou jurídicos de curta duração.
Casos há em que não existe inteira liberdade de escolha quanto à pessoa que realiza a incumbência,
ou em que o interessado delega noutra pessoa o encargo da escolha e, todavia, se não pode duvidar
da existência da comissão, por funcionar em pleno a relação de subordinação ou dependência entre
comitente e comissário.
b) Pratica do facto ilícito no exercício das funções – segundo o art.500º nº2, só existe
responsabilidade do comitente se o facto danoso for praticado pelo comissário no exercício da função
que lhe foi confiada, não importando que intencionalmente ou contra as instruções daquele.
A razão deste requisito é clara; se a imputação ao comitente se justifica por ele ter confiado ao
comissário uma função que lhe cabia desempenhar, não deve a sua responsabilidade extravasar da
função que foi efectivamente confiada, funcionando esta como delimitação da zona de riscos a cargo
do comitente.
Para Antunes Varela, a lei, com a fórmula restritiva que adoptou, quis afastar da responsabilidade do
comitente os actos que apenas têm um nexo temporal ou local com a comissão, isto é, o caso de o
facto ter sido praticado no lugar ou no tempo em que é executada a comissão, mas nada ter que ver
com o desempenho desta, a não ser porventura a circunstancia de o agente aproveitar as facilidades
que o exercício da comissão lhe proporciona para consumar o facto.
No entanto, nota ainda Antunes Varela que o facto de a responsabilidade do comitente subsistir,
ainda que o comissário proceda intencionalmente ou contra as instruções dele, mostra que houve a
intenção de abranger todos os actos compreendidos no quadro geral da competência ou dos poderes
conferidos ao dito comissário.
Para Larenz o facto dá-se na execução da comissão, quando pertencer ao quadro da actividade
adoptada para realizar o fim da comissão; dá-se apenas por ocasião dela quando o facto excede esse
quadro.
1
Ficarão, assim, excluídos os actos que não se inserem no esquema do exercício da função, no
entanto, cabem na formula da lei os actos ligados à função por um nexo instrumental desde que
compreendidos nos poderes que o comissário desfruta no exercício da função.
Serão assim da responsabilidade do comitente os actos praticados pelo comissário com abuso de
funções, ou sejam, os actos formalmente compreendidos no âmbito da comissão, mas praticados com
um fim estranho a ela.
Menezes Leitão considera que a interpretação restritiva deste requisito, que considera que a
expressão “no exercício da função”, exclui os danos causados por ocasião da função com um fim ou
interesse que lhe seja estranho, exigindo-se assim um nexo instrumental entre a função e os danos.
Retira grande parte do alcance à responsabilidade do comitente, e não tem suporte legal, já que a lei
apenas se refere à causação de danos no exercício da função, não exigindo também que os danos
sejam causados por causa desse exercício.
Por outro lado, incluem-se na responsabilização os danos intencionais e os danos causados em
desrespeito das instruções, em relação aos quais seguramente se poderia sempre falar de um desvio
aos fins pelos quais foi conferida a comissão.
Com efeito, para Menezes Leitão, será suficiente um nexo etiológico entre a função e os danos, no
sentido de que seja no exercício daquela que estes sejam originados.
Efectivamente, tirando o comitente proveito da função exercida pelo comissário, é justo que responda
por todos os danos que o comissário causa a outrem enquanto exerce essa função.
c) Responsabilidade do comissário – este requisito tem como resultado que o comitente só responde
(objectivamente) quando haja culpa do comissário.
Essa culpa pode ser a simples culpa presuntiva do comissário (art.503º nº3, 1ª parte e 506º nº1) que
este não consiga elidir.
Fundamento da responsabilidade do comitente
Porque razão pode o comitente ser obrigado a indemnizar, sem ter agido com culpa?
Invoca-se uma consideração de natureza análoga à que serve de base ao regime especial da
responsabilidade em acidentes de trabalho: Se o comitente se serve de outra pessoa para a
realização de certo acto, colhendo as vantagens dessa utilização, é justo que sofra também as
consequências prejudiciais dela resultantes (cuius commoda eius incommoda).
No entanto, esta razão, conquanto não seja descabida, não chega para explicar todo o regime fixado
na lei, visto que o comitente (ao invés da entidade patronal e do detentor do veiculo) não suporta
definitivamente o peso da indemnização.
Ele goza, em princípio do direito de regresso contra o comissário, para se ressarcir de quanto haja
pago (art.500º nº3).
Portanto, a nota mais característica da situação do comitente é a sua posição de garante da
indemnização perante o terceiro lesado, e não a oneração do seu património com um encargo
definitivo.
Responsabilidade do Estado e pessoas colectivas publicas
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Nos termos do art.501º, é aplicável ao estado e demais pessoas colectivas públicas o disposto no
art.500º.
Portanto, quanto aos danos causados pelos órgãos, agentes ou representantes, (das entidades
referidas) no exercício de actividades de gestão privada, também vão o estado e as demais pessoas
colectivas publicas:
a) Responder perante o terceiro lesado, independentemente de culpa, desde que os seus órgãos
agentes ou representantes incorram em responsabilidade.
b) Gozam seguidamente do direito de regresso contra o autor dos danos, a menos que haja
também culpa da sua parte.
O CC trata apenas dos danos causados no exercício de actividades de gestão privada, mas abrange
em compensação, os factos praticados, não só pelos funcionários como por todos os órgãos, agentes
ou representantes do estado ou demais pessoas colectivas públicas.
Cabe, nesta sede, distinguir actos de gestão pública de actos de gestão privada.
Actos de gestão publica – aqueles que, visando a satisfação de interesses colectivos, realizam fins
específicos do estado ou outro ente publico e que muitas vezes assentam sobre o ius auctoritatis da
entidade que os pratica.
Actos de gestão privada – aqueles que, embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes
do estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam
para a hipótese de serem praticados por simples particulares.
São actos em que o estado ou a pessoa colectiva pública intervém como um simples particular,
despido do seu poder de imperium.
“A gestão privada compreende a actividade do ente público subordinada à lei aplicável a quaisquer
actividades análogas dos particulares” in, acórdão do STJ de 19/10/1976.
Danos causados por animais
O art.502º refere-se aos danos causados por animais, mas estabelecendo, desta feita, um princípio
de responsabilidade objectiva (na medida em que a obrigação de indemnizar não assenta
necessariamente no pressuposto culpa) a cargo do respectivo utente.
A diferença de regime (art.502º VS art.493º) explica-se pela diversidade de situações a que as duas
disposições se aplicam:
- O art.493º refere-se às pessoas que assumiram o encargo da vigilância dos animais.
- Já o disposto no art.502º é aplicável aos que utilizam os animais no seu próprio interesse.
É quanto a estes últimos que tem inteiro cabimento a ideia do risco: quem utiliza em seu proveito os
animais, que, como seres irracionais, são quase sempre fonte de perigos, mais ou menos graves;
deve suportar as consequências do risco especial que acarreta a sua utilização.
Normalmente este fundamento da responsabilidade atinge o proprietário ou aqueles que, como o
usufrutuário ou o possuidor, têm um direito real de gozo sobre o animal (nada impedindo que o utente
do animal seja um incapaz). Porém, se o dono o ceder por empréstimo a outrem, também o
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comodatário o utiliza em seu proveito, sendo justo que responda pelos danos que a utilização do
animal venha a provocar.
Já não responderá, entretanto, nos termos do art.502º a pessoa a quem o dono do animal, tendo que
ausentar-se, pediu que o guardasse.
Se o animal é alugado, a sua utilização passa a fazer-se tanto no interesse do locador (que percebe a
respectiva retribuição), como no do locatário que directamente se serve dele no seu interesse,
devendo ambos considerar-se responsáveis perante o terceiro lesado.
Caso o utente incumba alguém da vigilância do animal, poderão cumular-se as duas
responsabilidades (a prevista no art.493º e a fixada no 502º) perante o terceiro lesado, caso o facto
danoso provenha de presuntiva culpa do vigilante; não havendo culpa deste, a obrigação de
indemnização recairá apenas, com o fundamento do risco, sobre a pessoa do utente, caso se
verifiquem os pressupostos de que ela depende.
O achador do animal perdido também não respondera pelos danos que ele causar, enquanto se não
decidir a utiliza-lo como seu.
Quais os danos causados pelo animal que são susceptíveis de indemnização?
Cabe ao utente do animal indemnizar os danos resultantes do perigo especial que envolve a
utilização do animal.
É pelo perigo específico resultante da utilização de cada animal que se define o circulo dos danos
indemnizáveis.
Mesmo quando a causa próxima do dano seja um caso fortuito ou de força maior (ex. o trovão que
espanta o cavalo) o um facto de terceiro (ex. pessoa que açula o cão), a responsabilidade do utente
do animal persiste, desde que os danos verificados correspondam ao perigo próprio da utilização do
animal.
Danos causados por veículos
Também no domínio dos acidentes de viação, ou seja no capítulo dos danos causados por veículos
de circulação terrestre, vigora o princípio da responsabilidade objectiva, fundada no risco.
Como nota Menezes Leitão, temos uma responsabilidade objectiva do utilizador de veículos, limitada
aos riscos próprios do veículo, responsabilidade essa que, em relação a veículos a motor, reboques
ou semi-reboques, a lei obriga que seja previamente garantida por um seguro de responsabilidade
civil automóvel, sem o que o próprio veiculo não pode sequer circular.
O regime do seguro de responsabilidade civil automóvel consta no DL 522/85. nos termos deste
regime a obrigação de seguro recai sobre o proprietário do veiculo, usufrutuário, adquirente sob
reserva de propriedade e locatário (art.2º). sendo o capital mínimo seguro, em geral de 600.000 Euros
por sinistro.
Quem responde pelos danos?
1
Em regra, o responsável é o dono do veículo, visto ser ele a pessoa que aproveita as especiais
vantagens do meio de transporte e quem correlativamente deve arcar com os riscos próprios da sua
utilização.
Porém, se houver um direito de usufruto sobre a viatura, ou se o dono tiver alugado ou emprestado o
veiculo, ou se este lhe tiver sido furtado ou for abusivamente utilizado (pelo motorista por exemplo), já
a responsabilidade objectiva do dono se não justifica, à luz dos bons princípios.
A lei identifica a pessoa do responsável, no intuito de fixar o critério aplicável a estas múltiplas
situações em que o uso e o domínio formal do veículo podem andar dissociados, através de duas
notas essências, são elas:
a) Direcção efectiva do veicul o
b) U tilização deste no próprio interesse
a) Direcção efectiva do veículo – nos termos do ar.503º, responde pelos danos que o veiculo causar,
quem tiver a direcção efectiva deste e o utilizar no seu próprio interesse. A formula “ter a direcção
efectiva” destina-se a abranger todos aqueles casos (proprietário, usufrutuário, locatário, comodatário,
adquirente sob reserva, autor do furto do veiculo, etc.) em que, com ou sem domínio jurídico, parece
justo impor a responsabilidade objectiva a quem usa o veiculo ou dele dispõe.
Tratam-se das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram
investidas, tomar as providências adequadas para que o veículo funcione sem causar danos a
terceiros.
A direcção efectiva é o poder real (de facto) sobre o veículo, mas não equivale à ideia grosseira de
“ter o volante nas mãos” na altura em que o acidente ocorre. Constitui o elemento comum a todas as
situações referidas, sendo a falta dele que explica ao mesmo tempo, nalguns casos, a exclusão da
responsabilidade do proprietário.
Tem a direcção efectiva do veículo a pessoa que de facto goza ou usufrui as vantagens dele, e a
quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento.
Dá-se o nome de detentor a quem tem a direcção efectiva do veículo.
Já não responde objectivamente, por lhe faltar a direcção efectiva do veículo, o passageiro que se
serve do táxi.
b) Utilização no seu próprio interesse – este requisito visa afastar a responsabilidade objectiva
daqueles que, como o comissário, utilizem o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito
ou às ordens de outrem (o comitente).
É neste sentido que o requisito deve ser entendido, e não na acepção de que o detentor do veículo só
responde se, no momento do facto danoso, o veículo estiver a ser utilizado no seu interesse (imediato
ou exclusivo).
O interesse na utilização tanto pode ser um interesse material ou económico, como um interesse
moral ou espiritual, nem sequer se exige, aqui, que se trate de um interesse digno de protecção lega,
pois que pode tratar-se de um interesse reprovável.
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Com efeito, seria um contra-senso libertar o dono do veículo da responsabilidade objectiva que, em
principio recai sobre o detentor, a pretexto de ser contrário à lei ou aos bons costumes o fim que
determinou a cedência do veículo.
Responsabilidade do comissário
Ao lado da responsabilidade objectiva do detentor do veículo, há que contar ainda com a
responsabilidade do condutor, se este conduzir o veículo por conta de outrem. O condutor, porém,
não responde se provar que não houve culpa da sua parte.
Havendo culpa dele (porque se faz prova nesse sentido ou porque ele não consegue elidir a
presunção legal que tem contra si) responderão solidariamente, perante o terceiro lesado, o condutor
e o detentor do veículo, tendo este, se pagar, direito de regresso contra aquele, nos termos do
art.500º nº3.
Assento de 14 de Abril de 1983
A primeira parte do nº3 do art.503º estabelece uma presunção de culpa (abrangida pela ressalva do
art.487º nº1) do condutor do veículo por conta de outrem, pelos danos que causar. Aplicável nas
relações entre ele, como lesante, e o titular ou titulares do direito de indemnização.
São ainda corolários da presunção de culpa estabelecida pelo nº3 do art-.503º:
1 – O facto de ela valer para afastar os limites da indemnização, aplicáveis no domínio da
responsabilidade civil objectiva (art.508º).
Com efeito, se o art.503º nº3 estabelece uma presunção de culpa nas relações entre o lesado e o
comissário, só forçando abertamente a sua doutrina se poderá aplicar à indemnização devida ao
lesado um limite que pressupõe a falta de culpa do responsável.
2 – Ela vale ainda para interpretar e aplicar a disposição reguladora da colisão de veículos (art.506º) e
até para se limitar a indemnização devida pelo comissário à sombra do disposto no art.494º.
Assentos de 26 de Janeiro e de 2 de Março de 1994
Estes vieram, com perfeita coerência de pensamento, afirmar (o primeiro) que a responsabilidade por
culpa presumida do comissário (art.503º nº3) é aplicável no caso de colisão de veículos.
Já o segundo assento determinou que a responsabilidade por culpa presumida do comissário, não
tem os limites fixados no art.508º nº1.
Quais as razões deste tratamento aplicável ao comissário?
Este tratamento desfavorável, que inverte em seu desfavor o ónus da prova é justificável. Vejamos:
Sendo o veiculo conduzido pelo comissário, presume-se ser dele a culpa no acidente que cause dano
a terceiro, ao invés do que sucede no caso de a viatura ser conduzida pelo próprio dono, em que a
prova da culpa incumbe ao lesado (art.342º nº1).
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Os comissários ou condutores de veículos por conta de outrem são na generalidade dos casos, os
camionistas das empresas, os chauffeurs particulares contratados, os motoristas de táxi pertencentes
a outra pessoa.
1 - Há na condução por conta de outrem um perigo sério de afrouxamento na vigilância do veículo,
que a lei não pode subestimar.
O dono do veículo (muitas vezes uma pessoa colectiva), não sente as deficiências dele, por que o
não conduz; o condutor nem sempre se presta a repara-las com a diligência requerida, porque o carro
não é seu, porque outro o poderá fazer, porque não quer perder dias de trabalho etc.
Há ainda um outro perigo, não menos importante, em que conflui a actuação do comitente e a do
comissário, que é o da fadiga deste proveniente de horas extraordinárias de serviço: o comitente por
não admitir mais pessoal nos seus quadros; o comissário para melhorar a sua remuneração.
2 – Além disso, os condutores por conta de outrem são, por via de regra condutores profissionais;
pessoas de quem se deve exigir perícia especial na condução e que mais facilmente poderão elidir a
presunção de culpa com que a lei os onera, quando nenhuma culpa tenham tido na verificação do
acidente.
3 – A presunção de culpa deliberadamente sacada sobre o condutor por conta de outrem, aliada à
responsabilidade solidária que recai sobre o comitente (dono ou detentor do veiculo), só pode
estimular a realização se seguro da responsabilidade civil em termos que cubram todo o montante da
indemnização a que possam ser sujeitos.
O condutor por conta própria não é abrangido pela presunção de culpa estabelecida no art.503º; em
contrapartida, encontra-se sujeito ao regime da responsabilidade objectiva traçado no nº1 do art.503º
e no art.505º.
Goza, é certo, do benefício dos limites máximos fixados no art.508º para a responsabilidade sem
culpa, cujo montante deve obviamente ser actualizado de iure condendo, em função da
desvalorização da moeda.
Mas em compensação, não tem a cobri-lo, perante o lesado, como a comissário, a responsabilidade
solidária do comitente, cujo crédito de regresso será muitas vezes praticamente incobrável.
Caso o acidente se verifique, quando o comissário utilizar o veículo fora das sua funções (contra a
vontade do detentor ou sem ela) passa o condutor a responder independentemente de culpa (nos
termos do art.503º nº1). Ainda que habitualmente o conduza por conta de outrem, art.503º nº3 in fine.
E se o veiculo for autonomamente conduzido por terceiro?
Se o veiculo circula contra ou sem a vontade do detentor, por ter sido abusivamente utilizado, não há
fundamento para lhe assacar a responsabilidade, visto ter sido para afastar a responsabilidade do
dono ou do utente do veiculo em casos desse tipo que no nº1 do art.503º se pôs a obrigação de
indemnizar a cargo de quem tenha a direcção efectiva do veiculo.
Por um lado não há nenhum facto ilícito da sua parte; por outro, os danos havidos não devem ser
considerados como efeito adequado do acto de negligência que lhe é imputável – ex. O detentor do
veículo deixa-o aberto sendo-lhe o carro furtado.
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Se, pelo contrário, o veículo for utilizado com autorização do detentor, que o aluga ou
empresta, a situação é diferente.
No caso do aluguer, sendo o veículo conduzido pelo locatário, ou às suas ordens, o veículo é utilizado
tanto no interesse do locatário como no do locador, e qualquer deles se pode dizer que tem a direcção
efectiva do veiculo, devendo por isso aceitar-se que ambos respondam solidariamente pelo dano
Havendo comodato, a responsabilidade do comodante deve ainda, manter-se, salvo se o empréstimo
tiver sido feito em condições (maxime de tempo) de o comodatário tomar sobre si o encargo de cuidar
da conservação e do bom funcionamento do veículo.
De contrário, continuando esse dever a cargo do dono, como sucede quando o empréstimo se destina
a uma viagem isolada ou a um passeio de curta duração, a responsabilidade objectiva recai
simultaneamente sobre comodante e comodatário.
É certo que, responsabilizado deste modo, o comodante fica obrigado a indemnizar os danos que
excedem essa origem, incluindo aqueles que procedem de culpa do condutor.
Mas não é menos certo, quanto a estes, que o comodante goza do direito de regresso por tudo
quanto haja pago, e que, em semelhantes hipóteses, não repugna aceitar a sua responsabilidade
solidária.
Alem disso, a solução aceita-se, como forma indirecta de obrigar o dono do veículo a ser prudente na
sua cedência, não o emprestando a quem seja inexperiente ou inábil na condução etc.
Poderá objectar-se que, no caso de comodato, o veículo não é utilizado no interesse do comodante;
sabe-se porém, que a finalidade essencial desse requisito é a de afastar a responsabilidade daqueles
que conduzem o veículo por conta de outrem, que, por isso, o utilizam em interesse alheio; no caso
do comodato há ainda um interesse do comodante (embora não material ou económico).
No caso de a pessoa responsável ter feito com uma seguradora, um contrato de seguro par cobertura
da sua responsabilidade civil em face de terceiro, terá a pessoa segurada o direito de exigir que a
seguradora assuma a obrigação de indemnização.
O seguro refere-se à pessoa que na apólice figura como assegurada, e não à própria viatura. Além
disso, a obrigação da seguradora só se concretizará se a pessoa segurada usar do seu direito, salvo
se o seguro for obrigatório, como hoje sucede com a responsabilidade civil perante terceiros.
Danos indemnizáveis
Os danos que o responsável terá de indemnizar são os que tiverem como causa jurídica o acidente
provocado pelo veículo.
Há, porém, quanto aos danos causados por veículos, uma directriz especial.
É que a responsabilidade objectiva se estende apenas aos danos provenientes dos riscos próprios do
veículo, mesmo que este não se encontre em circulação (art.503º nº1).
Dentro da fórmula legal cabem tanto os danos provenientes dos acidentes provocados pelo veículo
em circulação, como os causados pelo veículo estacionado.
Quanto ao veículo em circulação, tanto faz que ele circule em via publica, aberta ao trânsito em geral,
como em qualquer recinto privado. E pouco importa mesmo que o veículo circule fora de qualquer via,
como o jeep que circula sobre terrenos que outras viaturas não podem percorrer.
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Segundo Dário M. Almeida, no risco compreende-se tudo o que se relacione com a maquina
enquanto engrenagem de complicado comportamento, com os seus vícios de construção, excessos
ou desequilíbrios da carga do veiculo (…) é o pneu que pode rebentar, o motor que pode explodir, a
falha súbita de travões etc.
Dentro dos riscos próprios do veículo (art.503º nº1) cabem ainda, alem dos acidentes provenientes da
máquina, os ligados ao outro binómio que assegura a circulação desse veículo (o condutor).
Também o perigo de síncope, colapso cardíaco ou qualquer outra doença súbita de quem conduz faz
realmente parte dos riscos próprios do veículo e como tal deve integrar-se no domínio da
responsabilidade objectiva.
Beneficiários da responsabilidade
Entre os beneficiários da responsabilidade objectiva fixada na lei figuram, nos termos do art.504º, não
só os terceiros, mas também as pessoas transportadas.
Tratam-se de pessoas que, estando fora do veículo, são lesadas na sua vida, saúde etc., mas
também das pessoas transportadas no veiculo por meio de contrato, quanto aos danos na sua pessoa
e nas coisas com ela transportadas, e ainda das pessoas transportadas gratuitamente, mas (neste
caso) só quanto aos danos na sua própria pessoa.
Tanto ás pessoas, como às coisas, transportadas mediante contrato são sem dúvidas aplicáveis, quer
as regras da responsabilidade próprias do contrato de transporte, quer os princípios validos para a
responsabilidade fundada na culpa, se ilicitamente for violado algum dos direitos ou dos interesses
legalmente protegidos dessas pessoas.
Mas não lhes será também aplicável o regime da responsabilidade objectiva que vigora a favor
de terceiros?
Entendeu-se, com fundadas razões, que assim como responde perante terceiros pela conservação e
bom funcionamento do veículo, o dono ou condutor deve oferecer um garantia bastante próxima
quanto às pessoas transportadas e quanto às coisas que elas levem consigo.
A ideia fundamental em que assenta a teoria do risco aproveita assim às pessoas transportadas
mediante o respectivo contrato, em termos bastante próximos daqueles em que se aplica a terceiros
atingidos pelo veículo.
O regime estabelecido para as pessoas transportadas e para as coisas por elas transportadas, tanto
vale para o caso normal de haver um contrato de transporte autónomo, como para a hipótese, menos
vulgar de o transporte se efectuar ao abrigo de uma cláusula incluída num outro contrato.
Pessoas transportadas gratuitamente
O transporte diz-se gratuito, sempre que à prestação do transportador não corresponde, segundo a
intenção dos contraentes, um correspectivo da outra parte, pouco importando que o transportador
tenha qualquer interesse na prestação realizada.
A nova redacção do nº3 do art.504º prescreve que no caso de transporte gratuito a responsabilidade
abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada.
Esta ligeira mudança na área dos danos causados em acidentes de viação, que se caracterizou pela
inclusão do transporte gratuito das pessoas no domínio da responsabilidade objectiva teve como
causa próxima a directiva comunitária de 6 de Março de 1990 em cujo art.1º se determina que o
seguro de responsabilidade civil atinente à circulação de veículos automóveis deve cobrir a
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responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção dos sofridos pelo
condutor.
Causas de exclusão da responsabilidade
A lei vigente (art.505º) apenas exclui a responsabilidade do utente do veiculo quando o acidente for
imputável:
1 – ao lesado ou a terceiro
2 – ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veiculo.
São estas as únicas causas de exclusão da obrigação de indemnizar.
A verificação de qualquer das circunstancias apontadas quebra o nexo de causalidade entre os riscos
próprios do veiculo e o dano.
Qualquer dessas causas exclui assim a responsabilidade objectiva do detentor do veiculo, porque o
dano deixa de ser um efeito adequado do risco do veiculo.
A responsabilidade objectiva é excluída sempre que o acidente seja imputável ao próprio lesado. A
expressão “imputável” não significará, neste caso, que seja exigível a culpa do lesado, sendo, porém
necessário que a sua conduta tenha sido a única causa do dano.
Assim, os comportamentos automáticos, ditados por medo invencível ou por reacções instintivas, os
actos de inimputáveis e os eventos fortuitos relativos ao lesado (desmaios ou quedas) serão também
determinantes da exclusão da responsabilidade objectiva, uma vez que nesse caso o acidente deixa
de se poder considerar como um risco próprio do veiculo e passa a ser devido exclusivamente a
outros factores.
Caso haja concorrência de causalidade em relação ao dano entre o facto do lesado e a condução do
veiculo (e apesar da lei não esclarecer) parece que a responsabilidade objectiva (ou por culpa) do
condutor não é excluída se o lesado tiver actuado sem culpa.
Já se se verificar a culpa concorrente do lesado com a culpa do condutor aplicar-se-á o regime do
art.570º.
A questão principal reside, como nota Menezes Leitão, na hipótese de, não se demonstrando a culpa
do condutor, a culpa do lesado concorrer com o risco próprio do veiculo.
Parece que neste caso, será excluída a responsabilidade do condutor do veiculo, não só porque
aponta nesse sentido o art.505º, mas também porque, em face do art.570º nº2, a culpa do lesado
exclui o dever de indemnizar em caso de culpa presumida, pelo que não faria sentido que tal não
sucedesse perante a responsabilidade pelo risco.
No que concerne a terceiro, também não se exigirá um acto culposo da sua parte, bastando que um
facto que a ele respeite seja considerado a única causa do dano em termos tais que não se possa
atribuir este a risco próprio do veiculo.
Caso haja culpa concorrente do condutor com a responsabilidade do terceiro, ambos responderão
solidariamente perante o lesado (art.497º e SS).
Caso o acidente resulte de força maior, a responsabilidade será também excluída.
Por causa de força maior, entende-se aqui o acontecimento imprevisível, cujas consequências não
podem ser evitadas, exigindo-se, porém, que esse acontecimento seja exterior ao funcionamento do
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veiculo. Assim, circunstancias relativas ao funcionamento do veiculo, ainda que provocadas por um
factor externo, como a derrapagem, o rebentamento de pneus etc. Não excluem a responsabilidade
pelo risco.
A colisão de veículos
O assento de 26 de Janeiro de 1994
É muito frequente, é matéria de acidentes de viação, a colisão de veiculo, que tanto pode dar-se pelo
choque quando ambos estão em circulação, como pelo abalroamento do veiculo que esteja parado ou
afrouxe a velocidade por outro em marcha.
Importa distinguir, quanto à responsabilidade pelos danos provenientes, três situações
1 – havendo culpa de ambos os condutores – cada um deles responde pelos danos correspondentes
ao facto que praticou, no entanto, como à culpa de cada um deles corresponde a culpa de cada um
dos lesados, a respectiva indemnização é fixada nos termos do art.570º.
2 – se apenas um é culpado, ainda que por culpa presumida e não elidida – apenas esse responde
pelos danos que causou, quer em relação ao dano do veiculo danificado, quer em relação às pessoas
transportadas num ou noutro veiculo e ás coisas neles transportadas, quer em relação a outras
pessoas ou coisas.
3 – sendo ambos culpados não podendo determinar-se a medida da culpa de cada um – presumir-seá
que para eles contribuíram em igual proporção.
Inexistência de culpa dos condutores
Caso não haja culpa de nenhum dos condutores, duas situações diferentes se podem ter registado:
1 – apenas um dos veículos causa danos ao outro – neste caso, apenas o detentor do veiculo
causador de danos é obrigado a indemnizar na sequencia da teoria do risco, que domina a matéria.
2 – ambos os veículos concorrem para o acidente – sendo os danos causados por ambos os veículos,
quer eles se estendam aos dois, quer atinjam um só, e não havendo culpa de nenhum dos
condutores, três soluções podem ser avançadas:
a) a primeira, subscrita em França, considera o proprietário de cada um dos veículos responsável
pelos danos que a colisão provocou no outro. O fundamento da solução provem de a
presunção de responsabilidade valida em matéria de acidentes de viação, só dever funcionar a
favor da vitima e nunca contra ela. Ora, esta solução olvida que cada uma das vitimas do
acidente é também co-autora dos danos que ela própria sofreu.
b) Atendendo precisamente à interferência que cada um dos veículos tem no processo de
causalidade dos seus danos e dos danos sofridos pelo outro, uma outra corrente defende a
tesa de que nenhum dos lesados poderia exigir indemnização do outro. As duas
responsabilidades animadas de sinal contrario, anular-se-iam reciprocamente, acabando assim
por emergir em relação a cada um dos danos o principio res perit dominus.
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c) No entanto, o CC enveredou por uma terceira solução, o art.506º nº1 manda somar todos os
danos resultantes da colisão e repartir a responsabilidade total na proporção em que cada um
dos veículos houver contribuído para a produção desses danos.
Pluralidade de responsáveis
Pode suceder que várias pessoas sejam responsáveis, perante os lesados, pelos danos que eles
sofreram.
Ex. A conduz o veiculo por conta de B e atropela culposamente C. Neste caso respondem
simultaneamente o condutor (art.503º nº3) e o dono do veiculo (art.503º nº1)
Se o acidente não envolveu a culpa do condutor mas o veiculo pertencia a duas ou mais pessoas,
serão estas as responsáveis pelos danos causados, se não se verificar nenhuma das causas de
exclusão da responsabilidade.
Os danos podem ser causados em terceiros pela colisão de dois veículos. Neste caso, perante o
terceiro lesado, ambos os detentores dos veículos são responsáveis, quer haja, quer não haja culpa
do condutor, contanto que nesta ultima hipótese existam os pressupostos da responsabilidade
objectiva (art.507º nº1).
Em que termos se processa a responsabilidade?
Sendo certo que nestes casos não há direito, por parte do lesado, a duas ou mais indemnizações,
mas apenas a uma embora com diversos fundamentos.
Em face de terceiros ou de pessoas transportadas, sempre que haja vários responsáveis, estes
respondem solidariamente perante o lesado (art.507º nº1).
Nas relações internas (entre os vários responsáveis) importa distinguir duas hipóteses:
1) se apenas um dos responsáveis teve culpa no acidente, o outro que pagou terá direito de
regresso contra ele pela totalidade (art.507º nº2 e 497º nº2) tendo o culpado pago a
indemnização, nenhum direito de regresso terá contra o outro responsável.
2) não havendo culpa de nenhum dos responsáveis, fundando-se a obrigação de indemnizar na
responsabilidade objectiva, a indemnização repartir-se-á de harmonia com o interesse de cada
um na utilização do veiculo, ou seja, de acordo com o proveito ou as vantagens que cada um
deles tira da viatura.
Concorrência de responsabilidades
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(danos provocados em acidente que seja simultaneamente de trabalho e de viação)
Resulta frequentes vezes os danos serem provocados por um acidente que é simultaneamente de
trabalho e de viação. Um mesmo facto integra, nesses casos, varias fontes de responsabilidade, pala
concorrência das normas legais qualificadoras do facto.
Se o detentor do veiculo e a entidade patronal não forem a mesma pessoa, aí haverá ou poderá
haver, pluralidade de responsáveis.
Qual o regime próprio dessa concorrência de responsabilidades?
Há que distinguir, nesse aspecto, entre o plano das relações externas (relação entre cada um dos
responsáveis e o lesado) e o domínio das relações internas (relações entre os dois ou mais
responsáveis).
No plano das relações externas – dois pontos são aceites como líquidos pela doutrina e pela
jurisprudência.
1 - Os dois ou mais responsáveis pelo risco respondem solidariamente pelos danos que o lesado
tenha sofrido. A medida especial de protecção concedida pelo art.507º à vitima que visa garantir os
lesados contra as dificuldades de cobrança da indemnização de algum dos responsáveis, tem pleno
cabimento no caso de concorrência da responsabilidade da entidade patronal com a do detentor do
veiculo.
O lesado poderá exigir a reparação dos danos acusados pelo acidente, seja da entidade patronal,
invocando o facto de ter sido atingido em serviço, seja do condutor ou do detentor do veiculo, como
responsáveis pelo risco da utilização deste.
2 – É certo que as duas indemnizações se não podem somar uma à outra.
No domínio das relações internas – há uma assinalável diferença de plano entre as duas
responsabilidades. Se é o detentor do veiculo quem espontaneamente ou a requerimento do lesado
paga a indemnização devida, nenhum direito lhe competirá contra a entidade patronal.
Se pelo contrario a indemnização for paga, no todo ou em parte, pela entidade patronal, ficará esta
sub-rogada nos direitos do sinistrado.
A diversidade de tratamento revela que a lei não coloca no mesmo plano os dois riscos com os quais
o dano se relaciona.
O risco próprio do veiculo causador do acidente funciona como causa mais próxima do dano do que o
perigo inerente à laboração da entidade patronal.
O seguro obrigatório da responsabilidade civil automóvel: a concorrência da responsabilidade
da seguradora.
(DL 522/85 de 31 de Dezembro)
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Outro facto capaz de determinar, em certos termos, a pluralidade de responsáveis é o seguro da
responsabilidade civil proveniente dos acidentes de viação.
Contrato de seguro – é o negocio jurídico pelo qual uma das partes (a seguradora) se obriga a cobrir
o risco que certo facto, futuro e incerto (o sinistro), constitui para a outra parte ( o segurado) mediante
a prestação certa e periódica (premio) que esta se compromete a efectuar.
O contrato de seguro é um contrato tipicamente aleatório, pois a obrigação contraída por uma das
partes ( o segurado) é certa, enquanto a obrigação principal assumida pela outra (a seguradora) é
incerta, alem de futura.
No seguro de responsabilidade civil, o sinistro coberto pelo seguro é a obrigação de indemnização
que, por virtude do acidente recaia sobre o segurado, até ao limite do valor convencionado.
É esta obrigação de indemnizar, capaz de recair sobre o detentor dos veículos automóveis, que o
direito moderno procura garantir a terceiros, vitimas do acidente, através da obrigatoriedade do
seguro.
A instituição do fundo de garantia automóvel.
Este foi criado pelo decreto regulamentar 58/79 de 25 de Setembro e mantido pelo DL 522/85.
A instituição do FGA representa um novo passo em frente no sentido da plena e efectiva cobertura da
indemni
zação devida às vitimas dos acidentes de viação.
Trata-se de acudir aos casos em que, como muitas vezes sucede, o responsável pelo acidente não é
conhecido (ex. Atropelamento e fuga), ou em que o condutor não tem contrato de seguro valido ou a
seguradora abre falência.
Em todos estes casos, apesar da instituição do regime de seguro obrigatório da responsabilidade civil,
a indemnização às vitimas do acidente, havendo responsável por este, claudicaria na pratica.
Foi para remediar tal situação que o estado criou o fundo...