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Curso de DIREITO 2006/2007 - Universidade Internacional


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Teoria Geral Relação Jurídica -2



RELAÇÃO JURÍDICA-2

16. O sujeito de Direito. Personalidade e Capacidade Jurídica
Os Sujeitos de Direito são os entes susceptíveis de serem titulares de direito e obrigações, de serem titulares de relações jurídicas. São sujeitos de direito as pessoas, singulares e colectivas.
A Personalidade Jurídica traduz-se precisamente na susceptibilidade de ser titular de direitos e se estar adstrito a vinculações, art. 66º/1 CC.
À Personalidade Jurídica é inerente a Capacidade Jurídica ou a Capacidade de Gozo de direitos (art. 67º CC).
Fala-se pois, de personalidade para exprimir a qualidade ou condição jurídica do ente em causa – ente que pode ter ou não ter personalidade. Fala-se de Capacidade Jurídica para exprimir a aptidão para ser titular de um círculo, com mais ou menos restrições, de relações jurídicas – pode por isso ter-se uma medida maior ou menor de capacidade, segundo certas condições ou situações, sendo-se sempre pessoa, seja qual for a medida da capacidade.

17. Capacidade jurídica
É a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa é susceptível, art. 67º CC, traduzindo esta inerência, estabelece que “as pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário: nisto consiste na sua Capacidade Jurídica”.
A Capacidade divide-se em Capacidade de Gozo, é a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa pode ser titular e a que pode estar adstrita. Capacidade de Exercício, consiste na medida de direitos e de vinculações que uma pessoa pode exercer por si só pessoal e livremente.
Enquanto na Capacidade de Gozo esta coloca-se no plano abstracto da titularidade de situações jurídicas, na Capacidade de Exercício estamos já no plano concreto de averiguar em que medida certa pessoa pode exercer os direitos ou cumprir as obrigações que na verdade lhe podem caber enquanto sujeito. Pode haver Capacidade de Gozo e não haver Capacidade de Exercício.
A Capacidade Genérica é quando a generalidade dos direitos e das vinculações reconhecidas pela ordem jurídica. (art. 67º CC). A Capacidade Específica, é a capacidade das pessoas num âmbito mais restrito de apenas abranger certas categorias e vinculações de direito, ex. Pessoas Colectivas, art. 160º/1 CC.
Por oposto existe a Incapacidade Jurídica, que é a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa não é susceptível. Há pessoas que são titulares da Capacidade de Gozo, mas não de exercício. Pode-se ter Capacidade de Gozo genérica e não ter uma Capacidade de Exercício genérica, ex. menores.
A Incapacidade de Gozo não admite suprimento, enquanto que a Capacidade de Exercício é suprível.
A Incapacidade de Gozo reporta-se à titularidade de direitos e vinculações de que uma pessoa pode gozar. Neste campo não é viável suprir uma incapacidade.
Na Incapacidade de Exercício está em causa a impossibilidade de certa pessoa que é titular de um determinado direito, exercê-lo pessoalmente. No entanto, já é viável a outra pessoa que venha a exercer esse mesmo direito em conjunto com o incapaz, ou em substituição deste. A ideia de suprimento é sempre inerente à ideia de Capacidade de Exercício.


18. Formas de suprimento da incapacidade
São os meios de actuação estabelecidos pelo Direito, tendo em vista o efectivo exercício dos direitos e o cumprimento das obrigações do incapaz. Implicam sempre a intervenção de terceiros.
Existem duas formas de suprimento: a representação e a assistência.
A representação, quando o incapaz não é admitido a exercer os seus direitos pessoalmente. Para suprir a sua incapacidade tem de aparecer outra pessoa que actue em lugar do incapaz. (art. 258º CC, efeitos de representação). Os actos praticados por esta outra pessoa é um acto juridicamente, tido pelo Direito como se fosse um acto praticado pelo incapaz.
A assistência, situações em que certas pessoas são admitidas a exercer livremente os seus direitos. Nestes casos, o incapaz, pode exigir mas não sozinho. Ou seja, o suprimento da incapacidade impõe única e simplesmente que outra pessoa actue juntamente com o incapaz. Para que os actos sejam válidos, é necessário que haja um concurso de vontade do incapaz e do assistente. Há sempre um fenómeno de conjugação de vontades, isto porque o incapaz pode agir pessoalmente mas não livremente.

19. Modalidades da assistência
Podem revestir de três modalidades: (1) a autorização; (2) a comparticipação; (3) a ratificação.
Estas modalidades verificam-se quanto ao modo pelo qual se opera essa conjugação de vontades do incapaz e do assistente. A conjugação destas modalidades baseia-se no momento logicamente anterior ao acto do incapaz.
A autorização, quando a vontade do assistente se manifesta no momento logicamente anterior ao acto do incapaz, art. 153º/1, o curador actua como assistente e a prática de actos jurídicos pelo inabilitado está dependente da autorização deste. O curador, é uma entidade a quem cabe apenas, em princípio, autorizar o inabilitado a alienar bens por actos entre vivos, a celebrar convenções antenupciais ou quaisquer outros negócios jurídicos que tenham sido especificados na sentença de inabilitação.
A comparticipação, verifica-se se a vontade do assistente se manifesta no próprio acto, no qual o assistente deve também participar.
A ratificação, diz-se que há ratificação ou aprovação quando a manifestação de vontade do assistente é posterior à manifestação de vontade do incapaz.
O incapaz, é a pessoa que sofre de incapacidade genérica ou de incapacidade específica que abranja um número significativo de direitos e vinculações no campo pessoal ou patrimonial. A legitimidade, é a susceptibilidade de certa pessoa exercer um direito ou cumprir uma vinculação, resultante de uma relação existente entre essa pessoa e o direito ou vinculação. Para o prof. Castro Mendes, é a susceptibilidade ou insusceptibilidade de uma certa pessoa exercer um direito ou cumprir uma vinculação, resultante não das qualidades ou situações jurídicas da pessoa, mas das relações entre ela e o direito ou obrigações em causa.
A esfera jurídica, é o conjunto de direitos e vinculações que certa pessoa está adstrita em determinado momento. Comporta dois hemisférios distintos: o patrimonial e o não patrimonial ou pessoal.

20. Património
É tudo aquilo que se mostra susceptível de ser avaliado em dinheiro.
O hemisfério patrimonial da esfera jurídica, é o conjunto de direitos e vinculações pertencentes a certa pessoa em determinado momento e que é susceptível de avaliação em dinheiro.
O hemisfério não patrimonial da esfera jurídica, é constituído pelos demais direitos e vinculações do sujeito.

21. Sentidos do património
Pode ser usado no seu sentido jurídico, identifica-se com o hemisfério patrimonial. É o conjunto de direito e obrigações pertencentes a certa pessoa e que são susceptíveis de avaliação em dinheiro. Ex., direito de propriedade sobre um prédio urbano. Em sentido material, entende-se por património o conjunto de bens pertencentes a certa pessoa em determinado momento avaliáveis em dinheiro, ex., prédio urbano em si mesmo.

22. Funções do património
O Património tem uma função externa, em que o património do devedor é a garantia comum dos credores do seu titular. Isto porque aparece a actuar em relação a pessoas diversas do seu titular. A garantia comum dos credores faz-se pela via judicial e por efeito de uma acção executiva (penhora).
O património é a garantia comum dos credores, mas tem dois desvios:
Alargamento da garantia, traduz-se numa quebra do princípio da igualdade dos credores, mediante a alguns deles de uma posição mais favorável em relação ao património do devedor.
Limitação da garantia, pode ser de ordem legal ou convencional. Limitação da garantia legal, os vários casos de impenhorabilidade previstos na lei. Limitações de garantia convencional, resultam da vontade dos próprios interessados.

23. Garantias previstas no Código Civil para a conservação do património
Existem quatro garantias e com elas visa-se a manutenção tanto quanto possível do património do devedor, que em termos tais possa vir a recair uma acção do credor, sempre que este necessite de obter a satisfação do seu crédito, as quatro garantias são:
1. Declaração de nulidade: possibilita que o credor obtenha a declaração de nulidade de actos praticados pelo devedor quando eles se projectem desfavoravelmente sobre a garantia patrimonial, art. 605º CC;
2. Acção sub-rogatória: só é possível quando seja essencial para satisfação do credor ou para sua garantia, arts. 606º a 609º CC;
3. Impugnação pauliana: respeita indistintamente a actos válidos e inválidos praticados pelo devedor, desde que tenham conteúdo patrimonial e envolvem diminuição e garantia patrimonial, arts. 610º a 618º;
4. Arresto: consiste numa apreensão judicial de bens do devedor para o efeito de conservação da garantia patrimonial, quando o credor tenha um justo receio de ver essa garantia ameaçada por um acto do devedor. Trata-se de acautelar a conservação dos bens a que respeita o tal receio do credor, colocando esses bens á guarda do Tribunal, para que eles existam e estejam em condições de poder ser penhorados quando o credor esteja em condições de exercer efectivamente o seu crédito, em execução parcial, arts. 619º e seguintes do CC.

24. Património colectivo
Massa patrimonial que é pertença por mais de uma pessoa. Na titularidade de cada uma dessas pessoas, o que existe é o direito a um conjunto patrimonial na globalidade. Os titulares do direito no caso do património colectivo, só tem o direito a uma quota de liquidação desse património quando ocorrer a divisão do património colectivo. Este caracteriza-se também por encontrar afecto a um determinado fim, que é o fim que visa prosseguir.
25. Características do património colectivo
Os credores deste tipo de património, só se podem fazer pagar pelo valor dessa massa patrimonial que está em conjunto e só posteriormente é que podem chamar os bens pessoais das pessoas contitulares do património colectivo, caso aquele património não tivesse suficiente para a satisfação do crédito dos credores. Os credores pessoais dos membros do grupo que são contitulares do património, não se podem fazer pagar pelo bens deste património colectivo, e só após a divisão deste património é que lhes será possível incidir o seu direito não sobre o património colectivo, mas sobre bens desse património que lhe foram atribuídos ao seu devedor na divisão

26. Estado pessoal e estado civil
O Estado pessoal, é a qualidade da pessoa, quando essa é relevante na fixação da capacidade dessa pessoa e da qual decorre a investidura automática de um conjunto de direitos e vinculações. É também uma qualidade fundamental na vida jurídica, relevante na determinação da sua capacidade e que depende de uma massa pré-determinada de direitos e vinculações.
O Estado Civil, são as posições fundamentais da pessoa na vida jurídica, posições essas que dada sua importância devem ser de fácil conhecimento pela generalidade dos cidadãos.

27. Individualização e identificação das pessoas
São esquemas expeditos que promovem a identificação da pessoa, através do apuramento de um conjunto de caracteres, que são próprios das pessoas e que constituem a identidade. A pessoa após o nascimento é imediatamente inscrita no Registo Civil, este registo é obrigatório (art. 1º-a CRC).
A individualização é uma operação abstracta que conduz a um resultado concreto, ou seja, à fixação da identidade jurídica da pessoa que se trata, o desenhar de um com que retracto jurídico privativo do individualizado, o que assegura a suas mesmência jurídica.

28. Elementos da individualização
Podem ser elementos naturais ou intrínseco, ou elementos circunstâncias ou externos.
Elementos naturais ou intrínsecos, existem pela natureza da pessoa (ex. sexo);
Elementos circunstanciais ou exteriores, são o resultado da acção do homem, ou de circunstanciais relacionadas de modo estável com a pessoa e a que a lei dá relevância jurídica. Nos elementos circunstanciais encontramos a, Naturalidade, que é o vínculo que liga a pessoa ao seu local de nascimento; o Nome Civil, tem a ver com o nascimento da pessoa, o nome é dado pela pessoa que faz o registo e a composição do nome é: dois nomes próprios, e quatro apelidos.

29. Identificação
Esta consiste em apurar qual o indivíduo concreto que corresponde aos caracteres determinados pela individualização. Temos como meio de identificação, o conhecimento da identidade da pessoa pelo seu interlocutor ou por um terceiro; o confronto da pessoa com meios que ele tem, nos quais se encontra descrita a sua identidade.

PESSOAS COLECTIVAS

75. Pessoas colectivas
São organizações constituídas por uma colectividade de pessoas ou por uma massa de bens, dirigidos à realização de interesses comuns ou colectivos, às quais a ordem jurídica atribui a Personalidade Jurídica.
É um organismo social destinado a um fim lícito que o Direito atribui a susceptibilidade de direitos e vinculações.
Trata-se de organizações integradas essencialmente por pessoas ou essencialmente por bens, que constituem centros autónomos de relações jurídicas.
Há, duas espécies fundamentais de Pessoas Colectivas: as Corporações e as Fundações.
As Corporações, têm um substracto integrado por um agrupamento de pessoas singulares que visam um interesse comum, egoístico ou altruístico. Essas pessoas ou associados organizam a corporação, dão-lhe assistência e cabe-lhe a sua vida e destino.
As Fundações, têm um substracto integrado por um conjunto de bens adstrito pelo fundador a um escopo ou interesse de natureza social. O fundador pode fixar, com a atribuição patrimonial a favor da nova Fundação, as directivas ou normas de regulamentação do ente fundacional da sua existência, funcionamento e destino.
A função economico-social do instituto da personalidade colectiva liga-se à realização de interesses comuns ou colectivos, de carácter duradouro.
Os interesses respeitantes a uma pluralidade de pessoas, eventualmente a uma comunidade regional, nacional ou a género humano, são uma realidade inegável: são os referidos interesses colectivos ou comuns. Alguns desses interesses são duradouros, excedendo a vida dos homens ou, em todo o caso, justificando a criação de uma organização estável.

76. Substracto da pessoa colectiva
É o conjunto de elementos da realidade extra-jurídica, elevado à qualidade de sujeito jurídico pelo reconhecimento.
O substracto é imprescindível para a existência da Pessoa Colectiva.
a) Elemento Pessoal, verifica-se nas Corporações. É a colectividade de indivíduos que se agrupam para a realização através de actividades pessoais e meios materiais de um escopo ou finalidade comum. É o conjunto dos associados.
O Elemento Patrimonial, intervém nas Fundações. É o complexo de bens que o fundador afectou à consecução do fim fundacional. Tal massa de bens designa-se habitualmente por dotação.
Nas Corporações só o Elemento Pessoal é relevante, só ele sendo um componente necessário do substracto da Pessoa Colectiva. Pode existir a corporação, sem que lhe pertença património.
Por sua vez nas Fundações só o Elemento Patrimonial assume relevo no interior da Pessoa Colectiva, estando a actividade pessoal – necessária à prossecução do escopo fundacional – ao serviço da afectação patrimonial – estando subordinada a esta, em segundo plano ou até, rigorosamente, fora do substracto da Fundação.
Parece portanto, que:
1) Nas Corporações, é fundamental apenas o Elemento Pessoal, sendo possível, embora seja uma hipótese rara, a inexistência de um património; este, quando existe, está subordinado ao elemento pessoal.
2) Nas Fundações, é fundamental o Elemento Patrimonial, sendo a actividade pessoal dos administradores subordinada à afectação patrimonial feita pelo fundador e estando ao serviço dela; beneficiários e fundadores estão, respectivamente, além e aquém da Fundação.
b) Elemento Teleológico: a Pessoa Colectiva deve prosseguir uma certa finalidade, justamente a fim ou causa determinante da formação da colectividade social ou da dotação fundacional.
Torna-se necessário que o escopo visado pela Pessoa Colectiva satisfaça a certos requisitos, assim:
1) Deve revestir os requisitos gerais do objectivo de qualquer negócio jurídico (art. 280º CC). Assim, deve o escopo da Pessoa Colectiva ser determinável, física ou legalmente, não contrária à lei ou à ordem pública, nem ofensivo aos bons costumes (art. 280º CC).
2) Deve se comum ou colectivo. Manifesta-se a sua exigência quanto às sociedades. Quanto às Associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados não há preceito expresso, formulando a sua exigência, mas esta deriva da razão de ser do instituto da personalidade colectiva. Quanto às Fundações a exigência deste requisito não oferece dúvidas estando excluída a admissibilidade duma Fundação dirigida a um fim privado do fundador ou da sua família; com efeito, dos arts. 157º e 188º/1 CC, resulta a necessidade de o escopo fundacional de ser de interesse social.
3) Põe-se, por vezes, o problema de saber se o escopo das Pessoas Colectivas deve ser duradouro ou permanente.
Não é legítima a exigência deste requisito em termos da sua falta impedir forçosamente a constituição de uma Pessoa Colectiva.
c) Elemento Intencional: trata-se do intento de constituir uma nova pessoa jurídica, distinta dos associados, do fundador ou dos beneficiários.
A existência deste elemento radica na circunstância de a constituição de uma Pessoa Colectiva ter na origem um negócio jurídico: o acto da constituição nas Associações (art. 167º CC), o contracto de sociedade para as sociedades (art. 980º CC) e o acto de instituição nas Fundações (art. 186º CC). Ora nos negócios jurídicos os efeitos determinados pela ordem jurídica dependem, em termos que posteriormente serão explicitados, da existência e do conteúdo duma vontade correspondente.
Falta também o elemento intencional nas Fundações de facto e nas Fundações fiduciárias.
Estamos perante a primeira figura (Fundação de facto) quando um indivíduo pretende criar ou manter uma obra de utilidade pública, financiando-a com uma certa parte do seu património, mas sem contrair um vínculo jurídico correspondente, podendo, em qualquer momento, pôr termo à afectação desses bens àquele fim.
Estamos perante a segunda figura (Fundação fiduciária) quando se dispõe a favor de uma certa Pessoa Colectiva já existente, para que ela prossiga um certo fim de utilidade pública, compatível com o seu próprio escopo. São uma manifestação típica de liberdades com cláusula modal.
d) Elemento organizatório: a Pessoa Colectiva é, igualmente, por uma organização destinada a introduzir na pluralidade de pessoas e de bens existente uma ordenação unificadora.

77. Órgãos
Conjunto de poderes organizados e ordenados com vista à prossecução de um certo fim que se procede à formulação e manifestação da vontade da Pessoa Colectiva, sendo assim que a Pessoa Colectiva consegue exteriorizar a sua vontade (colectiva).
É o instrumento jurídico através do qual se organizam as vontades individuais que formam e manifestam a vontade colectiva e final da associação. São o elemento estrutural, não tendo realidade física.
“É através dos órgãos que a Pessoa Colectiva, conhece, pensa e quer” (Marcello Caetano).
Os actos dos órgãos da Pessoa Colectiva têm efeito meramente internos para a satisfação dos fins dessa Pessoa Colectiva.
É o centro de imputação de poderes funcionais com vista à formação e manifestação da vontade juridicamente imputável à Pessoa Colectiva, para o exercício de direitos e para o cumprimento das obrigações que lhe cabem. Não tem todos os poderes e nem todos os direitos que cabem à Pessoa Singular, só tem Capacidade de Exercício para aquilo que lhe é especificamente imposto.
A cada órgão são atribuídos poderes específicos segundo uma certa organização interna, que envolve a determinação das pessoas que os vão exercer. Os titulares são os suportes funcionais atribuídos a cada órgão, o qual denomina-se competência do órgão.
• Órgão individual – decide;
• Órgão deliberativo – delibera.

78. Estrutura e competência do órgão
Os órgãos podem ser singulares ou colegiais.
Esta distinção resulta do suporte do órgão ser constituído por uma (singular) ou várias (colegial) pessoas.
Há duas classificações quanto á competência:
1) Órgãos Activos: atende-se ao facto de os órgãos exprimirem uma vontade juridicamente imputável à Pessoa Colectiva. Que se subdivide em órgãos internos e órgãos externos. Cabe ao órgão formar a vontade da Pessoa Colectiva ou projectar para o exterior a vontade da Pessoa Colectiva.
2) Órgãos Consultivos: limita-se a preparar elementos informadores necessários à formação da deliberação ou decisão final.

79. Reconhecimento: modalidades
A modalidade de atribuição da Personalidade Jurídica à Pessoa Colectiva, varia consoante a categoria da mesma.
O reconhecimento pode ser:
a) Normativo: a Personalidade Jurídica da Pessoa Colectiva é atribuída por uma norma jurídica a todas as entidades que preenchem certos requisitos inseridos nessa norma jurídica. Este pode ainda ser:
• Incondicionado: quando a atribuição da Personalidade Jurídica só depende da existência de um substracto completo. Não são necessárias mais exigências.
• Condicionado: quando a ordem jurídica, já pressupõe certos requisitos de personificação.
b) Individual, por Concessão ou Específico: verifica-se quando esse reconhecimento resulta de um certo acto de autoridade, acto esse que é da Personalidade Jurídica uma entidade concreta.
c) Explícito: quando a norma legal ou o acto de autoridade contém específica ou directamente a atribuição da personalidade. Art. 158º/1 CC, de acordo com este artigo relativamente às Associações, o princípio do reconhecimento da Personalidade Jurídica por concessão. De acordo com este princípio, só o reconhecimento especial, concedido caso a caso, pelo Governo ou seus representantes, converte o conjunto de pessoas (associadas) ou a massas de bens, num centro autónomo de direitos e obrigações, elevando-os juridicamente à condição de Pessoas Colectivas.
O reconhecimento das Fundações é da competência da autoridade administrativa, sem indicar concretamente qual seja essa autoridade. Haver que recorrer, pois, para este efeito, às leis que delimitam a competência dos órgãos da Administração estadual.

80. Fim da pessoa colectiva
É um elemento exterior à estrutura desta.
O fim, traduz-se na prossecução dos interesses humanos que são definidos quando se decide da criação da Pessoa Colectiva.
O fim tem de:
a) Estar determinado: a exigência desta característica decorre da essência da sua existência;
b) Ser comum ou colectivo: daqui resulta a possibilidade de se constituir uma Pessoa Colectiva com fins egoísticos;
c) Ser lícito: o fim da Pessoa Colectiva tem de satisfazer os requisitos legalmente definidos.
As Pessoas Colectivas têm de ter uma certa permanência e um caracter duradouro.
É possível perante o sistema jurídico português constituir-se uma Pessoa Colectiva para um único fim, no entanto, tem de ter uma determinada durabilidade.

81. Objecto da pessoa colectiva
São os modos de acção através dos quais a Pessoa Colectiva prossegue o seu fim.
O objecto identifica-se com a actividade dos órgãos para que se atinja o escopo da Pessoa Colectiva
Reveste algumas características:
a) Actividade lícita;
b) Actividade duradoura.

82. Classificação das pessoas colectivas quanto à nacionalidade
É o vínculo pessoal a determinado Estado, tal como nas pessoas singulares.
Impõem-se restrições a determinadas actividades de certas Pessoas Colectivas, por via da nacionalidade das mesmas.
A distinção da Pessoa Colectiva tem a ver com o modo de reconhecimento da Pessoa Colectiva.
Se esta resulta da ordem jurídica interna de certo Estado, a Pessoa Colectiva diz-se interna ou de Direito interno.
As Pessoas Colectivas podem ser nacionais e estrangeiras. No Código Civil, não há nenhum preceito, que dê resposta há questão, no entanto podemos deduzir através do art. 33º e 159º CC.
Será Pessoa Colectiva nacional para a lei portuguesa aquela que tenha em termos efectivos no território nacional a sua sede, sendo esta determinada pelo local onde funciona a sua Administração principal e efectiva
Basta mudar o local da sede ou Administração principal para o estrangeiro, para à luz da lei portuguesa deixar de ser portuguesa.

83. Classificações doutrinais das pessoas colectivas: corporações e fundações
Tem ela por critério a composição do substracto quanto ao primeiro dos elementos integradores: as Corporações são colectividades de pessoas, as Fundações são massas de bens.
As Corporações são constituídas e governadas por um agrupamento de pessoas (os associados), que subscrevem originariamente os estatutos e outorgam no acto constitutivo ou aderem posteriormente à organização. Os associados dominam através dos órgãos da corporação, podendo mesmo alterar os estatutos.
As Fundações são instituídas por um acto unilateral do fundador de afectação de uma massa de bens a um dado escopo de interesse social. O fundador, além de indicar no acto da instituição o fim da Fundação e de especificar os bens que lhe são destinados, estabelecerá de uma vez para sempre as normas disciplinadoras da sua vida e destino.
As Corporações visam um fim próprio dos associados, podendo ser altruístico, e são governadas pela vontade dos associados. São regidas por uma vontade imanente, por uma vontade própria, que vem de dentro e, por isso, pode dizer-se que têm órgãos dominantes.
As Fundações visam um interesse estranho às pessoas que entram na organização fundacional; viam um interesse do fundador de natureza social e são governadas pela vontade inalterável do fundador, que deu o impulso inicial à Fundação e, desse modo, a animou com a vontade necessária à sua vida. São reguladas, pois, por uma vontade transcendente, por uma vontade de outrem, que vem de fora e, por isso, pode dizer-se que têm organização servientes.

84. Pessoas colectivas de direito público e pessoas colectivas de direito privado
Para o Prof. Dias Marques, são pessoas de Direito Público, aquelas que se encontram vinculadas e cooperam com o Estado num conjunto de funções públicas específicas.
Critério de integração, as Pessoas Colectivas podem ser públicas ou privadas.
A integração, atende-se ao tipo de tutela que está implicada em cada uma das Pessoas Colectivas. Há quem defenda a tutela de mérito, a possibilidade de o Estado controlar a legalidade dos actos da Pessoa Colectiva de Direito Público, que seria a tutela formal. Mas para além desta, também o Estado deveria controlar a convivência e actuação da actividade dessa Pessoa Colectiva de Direito Público aos interesses da legalidade que o Estado prossegue.
Segundo outros autores, bastaria que houvesse por parte do Estado uma mera fiscalização dos actos dessas Pessoas Colectivas públicas para se observar o critério da integração.
São de Direito Público as Pessoas Colectivas que desfrutam, em maior ou menor extensão, o chamado ius imperi, correspondendo-lhe portanto quaisquer direitos de poder público, quaisquer funções próprias da autoridade estadual; são de Direito Privado todas as outras.
Mas em que consiste o imperium, o poder público, a autoridade estadual? Grosso modo, na possibilidade de, por via normativa ou através de determinações concretas, emitir comandos vinculativos, executáveis pela força, sendo caso disso, contra aqueles a quem são dirigidos.
Pessoas Colectivas públicas, são pois aquelas às quais couber, segundo o ordenamento jurídico e em maior ou menor grau, uma tal posição de supremacia, uma tal possibilidade de afirmar uma vontade imperante.

85. Aspectos fundamentais do regime da pessoa colectiva de direito público
1º. Subordinação geral ao Direito Público;
2º. Competência dos tribunais, que podem apreciar da legalidade e actividade das Pessoas Colectivas;
3º. Regime tributário específico das Pessoas Colectivas públicas;
4º. Regime jurídico das relações de trabalho entre trabalhadores e as Pessoas Colectivas de Direito Público.
No que foca ao seu regime específico há uma subordinação geral ao Direito Público.

86. Classificação das pessoas colectivas públicas
Podem-se distinguir três categorias:
a) Pessoas Colectivas de População e Território;
b) Pessoas Colectivas de Tipo Institucional ou de Tipo Associativo;
c) Pessoas Colectivas de Utilidade Pública, são as que propõem um escopo de interesse público, ainda que, concretamente, se dirijam à satisfação dum interesse dos próprios associados ou do próprio fundador. Existem várias subcategorias:
1. Pessoas Colectivas de utilidade pública administrativa: são as Pessoas Colectivas criadas por particulares. Não são administradas pelo Estado ou por corpos administrativos, no entanto prosseguem fins com relevância especial para os habitantes de determinada circunscrição.
2. Pessoas Colectivas de mera utilização pública: são as Associações ou Fundações que prossigam fins de interesse geral quer a nível nacional ou regional. Associações ou Fundações essas, que colaboram com a Administração central ou local, para prosseguirem fins próprios nacionais ou locais.
3. Pessoas Colectivas de Direito Privado e utilidade pública: são aquelas que propõem um escopo de interesse público, ainda que concorrentemente acabem por satisfazer os interesses dos seus próprios associados.
O Prof. Mota Pinto, distingue ainda:
I. Pessoas Colectivas de Direito Privado e utilidade pública, que se subdividem em:
- Pessoas Colectivas de utilidade pública de fins altruísticos;
- Pessoas Colectivas de fins egoísticos ou interessados:
• Pessoas colectiva de fim ideal;
• Pessoa Colectiva de fim económico, não lucrativo
II. Pessoas Colectivas de Direito Privado e utilidade pública:
Dirigem-se a um fim lucrativo ou especulativo. Pretendem o lucro que virá a ser distribuído entre os sócios que as constituem. Tem por fim o lucro (ex. sociedades comerciais).
O legislador designou as Pessoas Colectivas em três modalidades:
- Associações;
- Fundações;
- Sociedades.

87. Classificações legais das pessoas colectivas
Esta classificação – Associações, Fundações, Sociedades – não tem um carácter unitário, porque as Associações e sociedades são Pessoas Colectivas de tipo corporativo e por isso impõem-se as Fundações.
Por outro lado, as Associações e Fundações, integram uma mesma categoria oposta às sociedades, porque estas visam fins económicos e aquelas não.
A tipificação legal das Associações, Fundações e sociedades é notória no Código Civil. Este regula a matéria das Associações e Fundações no cap. II, dedicado às Pessoas Colectivas, arts. 167º seg. - Associações; arts. 185º seg. - Fundações.
O art. 157º (as disposições do presente capítulo são aplicáveis às Associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às Fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.), é o primeiro artigo do Código Civil onde se estabelece o regime das Pessoas Colectivas. Esclarece este artigo, que se aplica directamente às Fundações sem fim lucrativo; às Fundações de interesse social e também às sociedades sempre que a analogia das situações o justifique.
No art. 157º CC, o legislador entendeu que há três tipos de Pessoas Colectivas.
No ordenamento jurídico português, há em termos legais uma separação de Pessoas Colectivas de Direito Público em Associações e Fundações.
Os arts. 167º a 184º CC, visam regular as Associações em sentido restrito.
O legislador faz distinções entre Pessoas Colectivas e sociedades (art. 2033º/2 CC. Na sucessão testamentária ou contratual têm ainda capacidade: b) As pessoas colectivas e as sociedades).
No entanto, quando se fala de Pessoas Colectivas, não se quer excluir as sociedades. A Pessoa Colectiva abrange sempre as sociedades.
Na ordem jurídica portuguesa há sociedades comerciais e as sociedades civis sob a forma comercial.
O legislador usa palavra Pessoa Colectiva num sentido amplo (encontram-se abrangidas as entidades susceptíveis de personificação) e restrito (as sociedades).
Sociedade, é uma associação privada com fim económico lucrativo.

88. Sociedades Comerciais
Nos termos do art. 1º/2 do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade é comercial quando tenha por objecto a prática de actos de comércio e adopte um dos diversos tipos regulados nesse código.
A sua caracterização faz-se em, função do seu objecto e da sua organização formal.
Podem revestir quatro formas:
1. Sociedades em nome colectivo: nestas sociedades cada sócio responde individualmente pela sua entrada e responde ainda solidariamente e subsidiariamente pelas organizações sociais (art. 175º/1 CSC). Neste caso, se um dos sócios satisfizer do passivo social mais que aquilo que lhe competia, tem direito de regresso sobre os demais sócios (art. 175º/3 CSC).
2. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada: cada sócio responde apenas pela realização da sua quota e solidariamente pela dos demais sócios até à completa realização do capital social. No entanto não responde em geral pelas dívidas sociais (art. 197º/1/3 CSC).
3. Sociedades anónimas: cada sócio responde apenas pela realização das acções que subscreveu. Uma vez realizado o seu capital, o sócio não responde nem pela realização da quota dos demais sócios, nem pelas dívidas sociais.
4. Sociedades em Comandita: nestas sociedades o regime de responsabilidade dos sócios é misto: há sócios comanditados que são aqueles que respondem como sócios das sociedades em nome colectivo e há os sócios comanditários, estes respondem apenas pela sua entrada na sociedade (art. 477 seg. CSC).

89. Sociedades civis sob forma comercial
Caracterizam-se pela circunstância de não terem por objecto a prática de actos de comércio nem o exercício de quaisquer actividades previstas no Código Comercial. No entanto, a lei comercial portuguesa admite a possibilidade dessas sociedades civis adoptarem as formas comerciais para efeito de estruturação das quatro formas que pode revestir a sociedade comercial. Neste caso, passam a chamar-se sociedades civis sob forma comercial e ficam, sujeitas às disposições do Código das Sociedades Comerciais. No entanto, não ficam sujeitas a um conjunto de obrigações específicas das sociedades comerciais. São Pessoas Colectivas com Personalidade Jurídica.
90. Sociedades civis simples
São aquelas que não têm por objecto a prática de actos comerciais e estão sujeitas ao regime do Código Civil. Aplicam-se-lhes as disposições do art. 980º seg. CC. Estas sociedades civis simples, distinguem-se das sociedades civis sob forma comercial, dada a forma que revestem, que está relacionada com a sua organização formal.
Tem ainda uma outra característica que é o facto de ficarem subordinadas ao regime da lei civil.
No que toca à responsabilidade dos sócios destas sociedades, segue-se o modelo de responsabilidade dos sócios das sociedades em nome colectivo.
Para além da responsabilidade dos bens de entrada, diz o art. 997º CC, que eles também têm ainda a responsabilidade pessoal e solidariamente pelas dívidas sociais.

91. Constituição das pessoas colectivas
O início da sua personalidade resulta de um acto que geralmente se analisa em, três momentos distintos:
1. Organização do substracto da Pessoa Colectiva;
2. Reconhecimento da Pessoa Colectiva;
3. Registo da Pessoa Colectiva.

92. Organização do substracto da pessoa colectiva
Tem de se ter em atenção os requisitos e formalidades comuns à constituição da Pessoa Colectiva.
A existência de um conjunto de pessoas ou existência de um conjunto de bens organizados, por forma a assegurarem a prossecução de certos fins tutelados pelo Direito (substracto).
A personalidade colectiva assenta numa realidade social que implica a reunião de pessoas determinadas, pessoas essas que prosseguem um certo fim que lhes é comum e que também, criam um património que é determinado à realização de certos objectivos colectivos, que essas pessoas entendem como socialmente relevantes.
Depois, segue-se o negócio jurídico. Negócio esse que se manifesta numa vontade adequada à realização dos objectivos que nos propusermos e através deste regime jurídico do Código das Sociedades Comerciais, adequamos o tal substracto à realização de um fim.
À formação do substracto das Associações referem-se os arts. 167º e 168º CC. A primeira destas disposições, no seu n.º 1, refere-se ao chamado acto de constituição da associação, enunciando as especificações que o mesmo deve conter; o n.º 2 refere-se aos chamados estatutos.
O acto de constituição da associação, os estatutos e as suas alterações estão sujeitos a exigências de forma e publicidade.
Devem constar de escritura pública, verificando-se, em casos de inobservância desta exigência, a sanção correspondente ao vício de forma: nulidade. Deve-se, além disso, o acto de constituição e os estatutos ser publicados no Diário da República, só pena de ineficácia em relação a terceiros, cabendo oficiosamente ao notário remeter o respectivo extracto para a publicação, bem como à autoridade administrativa e ao Ministério Público a constituição e estatutos, bem como a alteração destes (art. 168º/2 CC).
Note-se que a falta de escritura pública, provocando a nulidade do acto de constituição e dos estatutos, impede o reconhecimento da associação, a qual figurará por falta deste requisito legal (art. 158º CC), como associação sem Personalidade Jurídica (art. 195º e segs.).
A formação do substracto da sociedade pressupõe um contracto de sociedade.
A lei estabelece ainda para as sociedades comerciais e para as civis sob forma comercial a escritura pública, que tem de abranger o pacto social.
A natureza do acto constitutivo varia em função do seu tipo. Há no entanto dois pontos de contacto:
1. Denominação;
2. Sede.

93. Denominação
Relaciona-se com um requisito prévio comum à constituição das Pessoas Colectivas. O chamado certificado de admissibilidade da firma ou denominação.
A denominação social acaba por desempenhar uma função correspondente à do nome nas pessoas individuais. Constitui o momento de individualidade das Pessoas Colectivas.
O Código Civil, apenas se refere à denominação no art. 167º/1 (quanto a Associações). Esta matéria veio a ser regulamentada no DL n.º 42/89 de 3 de Fevereiro (de forma genérica).

94. Princípios fundamentais comuns a todas as pessoas colectivas
a) Princípio da verdade: impõe a necessidade de não induzir em erro quanto à identificação e natureza da Pessoa Colectiva nem induzir em erro quanto à sua actividade art. 1º, DL 42/89).
a) Princípio da novidade: impõe a necessidade da Pessoa Colectiva não se confundir com nomes de outros estabelecimentos já existentes (art. 2º/5, DL 42/89).
b) Princípio da exclusividade: assegura ao titular da denominação, desde o seu registo, o direito ao uso privativo da mesma, afastando quaisquer outras Pessoas Colectivas de usar uma denominação igual (art. 6º e 78º/1, DL 42/89).
c) Respeito pela língua portuguesa: impõe a necessidade na redacção de respeito pelas regras gramaticais em português.
d) Princípio da legalidade: impede o uso de denominação que lesem os bons costumes ou que contenham termos ou expressões incompatíveis com a liberdade de opção política, religiosa ou ideológica.

95. Sede
Havendo uma sede fixada nos estatutos é irrelevante uma sede de facto, ou seja, o lugar onde funciona normalmente a Administração principal (art. 159º CC). A fixação da sede nos estatutos é obrigatória quanto às Associações (art. 167º/1 CC).
Pode alargar à sede das Pessoas Colectivas a distinção entre domicílio voluntário e legal. O papel da vontade é extremamente amplo na escolha do lugar da sede.

96. Registo
Para as Pessoas Colectivas há o registo geral e os vários registos especiais. O que mais interessa é o regime geral, visto que ser feito no ficheiro central da Pessoa Colectiva, que existe no Registo Nacional da Pessoa Colectiva (arts. 29º e 36º-a, DL 42/89).
Além do registo geral há alguns registos especiais de Pessoa Colectiva.

97. Associações
O regime de constituição de Associações é o dos arts. 167º e 168º CC.
Este acto sobre a sua natureza jurídica, distingue o acto constitutivo das Associações e das sociedades, num distingue contracto, noutro distingue acto constitutivo.
Quase toda a doutrina vê o acto como equiparado.
O acto de constituição é plurilateral e de fim comum. O contracto seria fundamentalmente um negócio ou contracto de terceiros. O acto de constituição tem natureza contratual.

98. Formalidades para a constituição de uma associação
Deve conter escritura pública. É necessário que nessa escritura pública se satisfaçam um conjunto de exigências mínimas de conteúdo (art. 167º/1 CC).
No entanto, para o acto ter eficácia plena, é necessário que haja publicidade da associação e dos seus estatutos (art. 168º/2/3 CC).
A publicidade faz-se pela remessa do estrato de escritura de constituição ao Ministério Público; à entidade administrativa (Governo Civil) e ao jornal oficial (Diário da República).
Para assegurar devidamente a publicidade, a lei impõe que o próprio notário promova essa publicidade oficiosamente, a expensas da associação.
O DL 42/89, no seu art. 46º/1 obriga que os notários comuniquem ao RNPC todos os actos respeitantes à constituição de Associações que fizeram no mês anterior, sendo este prazo de 15 dias do mês subsequente.
Sem estatutos não se pode dar forma à associação.
Além das menções obrigatórias do art. 167º/1 CC, os associados podem especificar nos estatutos um certo número de matérias, tal como refere o art. 167º/2 CC.
No entanto, o Código Civil, prevenindo o caso dos associados serem mais distraídos, vem supletivamente estabelecer um conjunto de normas que vigorarão e se aplicarão às Associações caso os associados não especifiquem as matérias (arts. 159º, 162º, 163º, 164º, 166º).
O estatuto deve ainda constar de escritura pública (art. 168º CC), e estar sujeito ao regime da publicidade.

99. Sociedades civis simples
Seguem um regime muito próximo da constituição da Associações.
A constituição de uma sociedade simples, para que obtenha personificação, é necessário que haja constituída por escritura pública, embora esta forma não seja imposta pelo regime específico do contracto de sociedade que vem previsto no art. 980º CC.
Por analogia ao art. 158º CC, deve-se constituir uma sociedade simples por escritura pública, mas esta não é imposta.
O art. 981º/1 CC, só impõe escritura pública para o contracto da sociedade, quando tal seja exigido pela natureza dos bens com que os sócios entram para a sociedade.
Se os sócios entrarem com bens imóveis nessa afectação de bens, a escritura é exigida. Se essa forma legal não for observada quando imposta pelas razões do regime consagrado no art. 981º CC, diversas ocorrências poderão surgir.
No caso da personificação, a primeira consequência da não escritura é a não aquisição de Personalidade Jurídica.
O acto constitutivo de uma sociedade simples é válido, no entanto essa sociedade não tem Personalidade Jurídica.
Se houver preterição do disposto no art. 981º/1 CC, as coisas passam de modo diferente. As consequências da inobservância da escritura pública são diversas, a da não escritura pública é a do art. 981º CC.
O art. 981º/1 CC, não ficam dúvidas de que a razão determinante da exigência de forma legal, está ligada ao facto de poderem ser imóveis os bens com que os sócios entram para a sociedade.
Segundo o regime estabelecido no art. 291º CC, a inobservância de forma legal deveria determinar a nulidade do contracto. Contudo, o art. 981º/2 CC, estatui que esse contracto só é totalmente nulo se não poder converter-se segundo o disposto no art. 293º CC. De acordo com o art. 981º/2 CC, há aqui a aplicação alternativa do regime de conversão e de redução.

100. Reconhecimento
Ao reconhecimento da associação refere-se o art. 158º/1 CC, ressalta claramente que o reconhecimento das Associações resulta de um normativo explícito.
Assim, hoje, uma associação constituída por escritura pública e com a observância de todos os requisitos do art. 167º CC, adquire automaticamente Personalidade Jurídica. Estamos aqui perante o reconhecimento explícito, (normativo explícito) embora a lei possa fazer depender Associações de outras formalidade.
Quanto ao reconhecimento das sociedades civis, este é normativo implícito. No plano geral, pode-se dizer que o registo não é um elemento da aquisição de Personalidade Jurídica das Associações. Não é um acto que confere Personalidade Jurídica a essas entidades.
Para as sociedades civis simples, pode-se dizer que o seu registo não é requisito da sua personificação jurídica

101. Fundações
A constituição das Fundações conduz-se ao esquema geral de constituição de Associações, e não se afasta muito desses aspectos gerais.
O facto do substracto das Associações ter natureza patrimonial, coloca o acento tónico da organização desse próprio substracto, tenha de ser colocado em todo o conjunto de bens.
Este conjunto de bens que são afectos aos fins da Fundação, chama-se dotação ou instituição.
Marcello Caetano, diz que é a manifestação de vontade pela qual o instituidor afecta o património à realização de certo fim duradouro.
O art. 185º CC, é expresso em permitir a instituição de Fundações por testamento ou por acto inter vivos, devendo o instituidor indicar no acto de instituição o fim da Fundação e especificar os bens que lhe são destinados e podendo ainda providenciar sobre a sede, organização, funcionamento e eventual transformação ou extinção do ente fundacional. Em qualquer destes casos estamos sempre perante um negócio jurídico formal, unilateral e gratuito.

102. Instituição por testamento
Este acto tem características diferentes da instituição de herdeiro ou legatário. Todavia este acto, quando contido num testamento, tem características diferentes das que lhe cabem quando praticado entre vivos. Assim, é livremente revogável até ao momento da morte do testador, mas torna-se irrevogável quando o testador faleça.
Por outro lado, se os bens destinados à Fundação consistem na totalidade ou numa quota do património do falecido, aplicam-se à instituição certas normas privativas da instituição de herdeiro (por ex. arts. 2301º, 2068º CC). Têm que ser observados os requisitos dos arts. 2204º – 2210º segs. CC.

103. Instituição inter vivos
Trata-se de um negócio unilateral, o Código Civil (art. 457º) reconhece a eficácia vinculativa da promessa unilateral de uma prestação, embora só nos casos previstos na lei (art. 185º CC).
A instituição só se torna irrevogável quando for requerido o reconhecimento ou principiar o respectivo processo oficioso. Portanto, até esse momento, pode o fundador revogar a disposição (art. 185º/3 CC).
O art. 185º/4 CC, segundo o qual os herdeiros do instituidor não é permitido revogar a instituição por força das normas sobre a sucessão legitimária. Tal solução está aliás em conformidade com a regra do art. 226º CC.
Resulta igualmente do mesmo art. 185º/3/4, que o acto de instituição não pode ser revogado com fundamento em supereminência de filhos legítimos ou outra causa própria da revogação das doações.

104. Formalidades para a constituição de uma fundação
As formalidades inerentes à instituição das Fundações, são determinadas pela natureza do respectivo negócio ou acto subjacente à própria instituição.
Há também lugar a cumprimento de certas formalidades para a publicação do acto de instituição (art. 185º/5 e 168º/2/3 CC - sempre que a constituição da Fundação conste de escritura pública).
Esta forma de publicidade é observada no caso da instituição por acto inter vivos e também tem de ser observada quando se trate de instituição mortis causa (art. 2205º CC).

105. Regime de elaboração dos estatutos das fundações
O princípio dominante é que o instituidor pode elaborar os estatutos. Se não os elaborou, neste caso temos de distinguir se a Fundação foi instituída por acto inter vivos, ou por testamento.
No entanto, em qualquer dos casos, ao elaborar esses estatutos, temos de ter sempre em conta e na medida do possível a vontade real ou presumível do fundador (art. 187º/3 CC). Se se trata de instituição de Fundação de acto inter vivos, a elaboração parcial ou total dos estatutos cabe à entidade competente para o reconhecimento da Fundação (art. 187º CC).
Se a instituição for feita por testamento, na falta ou insuficiência dos estatutos compete aos executores do testamento elabora-los e completá-los e têm o prazo de um ano posteriormente à abertura da sucessão (art. 187º/1 - parte final n.º 2 - 2ª parte).
Se os executores do testamento não elaboraram ou completaram os estatutos desse prazo, a incumbência passa para a entidade competente para o reconhecimento da Fundação (art. 187º/2 CC).
Independentemente da sua forma de elaboração, os estatutos de uma Fundação estão sempre sujeitos aos formalismos da publicidade estipulados para o acto constitutivo.
O reconhecimento da Fundação é sempre um reconhecimento individual e da competência da autoridade administrativa. Este reconhecimento é mais complexo que o das Associações. Pode ser requerido pelo próprio instituidor como pelos herdeiros ou executores testamentários (art. 185º/2 CC). Pode ainda ser requerido oficiosamente pela entidade competente para reconhecer a sociedade.

106. O reconhecimento de uma fundação
Só pode ser concebido quando a Fundação tenha presente dois requisitos:
1. Um fim de interesse social;
2. Os bens que foram afectados a essa Fundação sejam considerados suficientes para prossecução do fim da Fundação, ou quando esses bens embora insuficientes no acto da instituição, a entidade administrativa entenda que o suprimento dessa insuficiência seja fundamentalmente possível.
Quando a Administração Pública reconhece a Fundação, esse acto de reconhecimento faz com que por esse efeito adquira de imediato Personalidade Jurídica e este mesmo acto de reconhecimento, envolve a aceitação dos bens que são atribuídos pelo instituidor à Fundação.
Quando a Administração nega o reconhecimento da Fundação, é preciso saber o que fazer aos bens afectados à Fundação.
O art. 158º/2 CC, aplicável às Fundações, prescreve o reconhecimento por concessão ou individual, da competência da autoridade administrativa.
Já são porém, discricionários os poderes de apreciação resultantes, no que toca ao reconhecimento das Fundações do art. 188º CC: deve ser negado o reconhecimento no caso de o fim da Fundação não ser considerado de interesse social, bem como no caso de insuficiência do património à Fundação.
Dos dois requisitos atrás focados, a lei só contempla o segundo.
O reconhecimento só pode ser negado quando não haja fundadas expectativas do suprimento da insuficiência. Havendo essas expectativas, a insuficiência patrimonial que se verifique no momento do reconhecimento não é por si causa impeditiva desse reconhecimento (art. 188º/2 CC).
Se essas expectativas se não vierem a verificar, tem de se entender que a Fundação pode ser extinta pela própria entidade que é competente para fazer o reconhecimento. Isto por analogia do art. 192º/2-a CC.
Se o património da afectação for definitivamente insuficiente, há que distinguir a situação do instituidor ser vivo ou se ele já faleceu no acto da negação do reconhecimento.
Se ele for vivo, os bens ficam para o instituidor.
Se já tiver falecido, também se tem de fazer uma nova distinção com base no facto do instituidor ter ou não deixado uma disposição a tal respeito.
- Se o instituidor tiver previsto o facto do não reconhecimento, segue-se o que ele estabeleceu.
- Se o instituidor nada previu, a entidade competente para o reconhecimento da Fundação, deverá designar uma Fundação de fim análogo à qual esses bens deverão ser entregues, sem que essa Fundação os possa rejeitar.

107. Extinção das pessoas colectivas
A cessação da personalidade da Pessoa Colectiva, resulta da sua extinção. Esta tem três momentos:
1. Dissolução: opera pela verificação de um facto, que é capaz de determinar a extinção da Pessoa Colectiva. É um facto dissolutivo, ocorrido este, inicia-se o processo de extinção. Continua a ter Personalidade Jurídica, porque enquanto não for extinta não está impossibilitada de retomar a sua actividade normal (art. 1019º CC). Não é um fenómeno irreversível.
2. Liquidação: consiste na ultimação dos assuntos em que a Pessoa Colectiva estava envolvida, e no apuramento total dos bens desta. Para isso é necessário realizar o activo patrimonial (liquidez) e pagar o passivo da sociedade. Feito isso, apuramos o acervo.
3. Sucessão: o destino a dar ao património da Pessoa Colectiva, mediante a atribuição a outras pessoas, sejam colectivas ou privadas (art. 166º CC).

108. Modo de dissolução ou extinção das associações
Pode-se dar por três causas (arts. 182º a 184º - 166º CC):
a) Pela vontade dos associados (art. 182º/1-a CC): essa vontade tem de ser expressa em Assembleia-geral e a deliberação tem de ser tomada por voto conforme de 3/4 de associados. A menos que o estatuto exija um número de votos superior (art. 172º CC - art. 175º/4/5 CC).
b) Por disposição da lei (art. 182º/1-e/2 CC): (a) pelo decurso do prazo das Associações temporárias; (b) facto essencialmente previsto no estatuto ou no pacto social; (c) pelo falecimento ou desaparecimento de todos os associados; (d) pela declaração de falência ou de insolvência (arts. 181º e 182º CC). Em (a) e (b) é licito aos associados deliberarem no sentido da continuação da Pessoa Colectiva.
c) Por decisão Tribunal (art. 182º/2 CC): esta reporta-se sempre a situações relacionadas com o fim da Pessoa Colectiva, ocorridos após a sua constituição. Estas situações reduzem-se aos seguintes fins:
- Realização plena do fim, art. 182º/2-a (1ª parte);
- Verificação de causas que impliquem defeitos no fim, nomeadamente causas que impliquem inidoneidade do objecto negociável ou fim ilícito e contrário à ordem pública, art. 182º-a (2ª parte) -c- d CC).
- Quando a prossecução do fim não seja coincidente com o fim fixado no acto de constituição (art. 182º/2-d CC).
A acção pode ser proposta por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, se verificar-se algumas destas causas.

109. Liquidação
A Pessoa Colectiva subsiste com o objectivo da liquidação. É necessário um Administrador Liquidatário, que:
• Apura o activo da sociedade;
• Realiza o activo em dinheiro para pagar aos credores.
Ao liquidatários cabe-lhes os actos inerentes à liquidação. Casos estes pratiquem outros actos, são eles que respondem perante terceiros e não a associação.

110. Sucessão
Se os bens tiverem sido doados ou deixados com qualquer encargo ou que estejam afectados a um certo fim, o Tribunal atribuí-los-á com o mesmo encargo ou afectação a outra Pessoa Colectiva.
Os bens não abrangidos por este princípio, têm o destino que lhes for fixado pelos estatutos ou por deliberação dos associados, sem prejuízo do disposto em leis especiais. Na falta de fixação de leis especiais, o Tribunal determinará que sejam atribuídos a outra Pessoa Colectiva ou ao Estado.
Quando os bens são livres, a sua afectação pode resultar da ordem de preferências do art. 166º/2 CC, os bens devem ser entregues a outra Pessoa Colectiva.

111. Regime de extinção das fundações
Existem dois tipos de causas para a dissolução das Fundações:
1. Pelo decurso do prazo daquelas que foram constituídas por certo período de tempo; pela verificação de qualquer facto que tenha sido previsto no acto da constituição; por declaração de falência, art. 192º/1-a), b), c); art. 193º (1ª parte) CC.
2. Pela entidade que tem competência para o seu reconhecimento, art. 192º/2 CC. Podem não determinar a extinção da Fundação em caso de alteração do fim (art. 190º/3 CC) da Fundação. Nos casos em que foi preenchido o fim, em caso de impossibilidade de superveniência do fim ou de falta de superveniência do interesse social do fim.
A Administração tem o dever de informar a entidade com capacidade e com competência para reconhecer a Fundação, casos se verifiquem as causas previstas nas alíneas deste artigo.
Há algumas particularidades que ocorrem nas Fundações, em relação às Associações, no caso do regime da extinção:
- Algumas das hipóteses previstas no art. 192º/2 CC, podem implicar a dissolução das Fundações se efectivamente assim for determinado pela entidade competente para o reconhecimento;
- Insuficiência superveniente do património para o fim previsto;
- Podem ainda ser dissolvida a Fundação, quando ocorra a situação prevista no art. 191º/2 CC.
Se tal ocorrer, uma das soluções possíveis consiste na determinação da incorporação da Fundação noutra Pessoa Colectiva capaz de satisfazer o encargo. Cabe à entidade competente para o reconhecimento da Fundação fazê-lo.

112. Liquidação da fundação
Está sempre dependente da entidade competente para o reconhecimento (arts. 193º - parte final - e art. 194º - 1ª parte [+ art. 184º] CC).
Relativamente à sucessão das Fundações, não há sobre esta matéria qualquer disposição no Código Civil, portanto aplicar-se-á o regime das Associações (art. 166º CC).

113. Modificação das associações
Não se trata de forma específica, arts. 168º; 172º; 175º CC. A partir destes três artigos é possível fixar o regime.
Há três perguntas que se põem:
1. Qual o regime do acto através do qual a modificação das Associações opera?
O regime do acto do qual essa modificação opera é o que consta no art. 172º/2 CC.
2. Qual o órgão competente para proceder à modificação?
É a Assembleia-geral (art. 172º/2) Competência reservada.
3. Qual o regime que deve corresponder essa deliberação?
O regime de correspondente deliberação tem que ser no mínimo de 75% dos votos dos associados presentes, 3/4 dos votos. Isto resulta do art. 175º/3 CC, mas para deliberar em primeira convocação é preciso que estejam presentes pelo menos metade dos associados (art. 175º/1 CC).

114. Regime de modificação das fundações
As particularidades são notórias. Desde logo o órgão competente para o reconhecimento é diferente. Não há órgão semelhante à Assembleia-geral das Associações. É à entidade competente para o reconhecimento que cabe a função da modificação da Fundação (art. 189º e 190º CC).
Criam implicações, que no regime das Fundações podem ter encargos que oneram o património da Fundação (art. 191º CC).
Todas as modificações que não sejam relativas ao fim, dependem de proposta do administrador.
Essa proposta fica condicionada por dois limites:
1. Condicionada ao fim da instituição;
2. Os administradores nunca podem contrariar a vontade do instituidor (art. 189º CC).
A transformação do regime da Fundação também não é livre porque só pode ocorrer nos casos previstos na lei e desde que se encontrem preenchidos certos requisitos (modificação do fim).
Esses requisitos constam no art. 190º/1 CC (transformação).
Sempre que o fim possa ser alterado, o novo fim deve ficar o mais próximo possível daquele que foi previamente fixado pelo instituidor (art. 190º/2 CC).
Sempre que não for possível preencher este requisito, a modificação não será levada a cabo.
Como se faz a alteração do fim da instituição?
O art. 1185º/5 CC, manda observar a forma de escritura pública e as normas de publicidade para as Associações (art. 168º CC).
Se se verificar a falta de observância destas formalidades não há eficácia da modificação. O art. 191º CC, consagra a hipótese do património ficar onerado com encargos, cujo cumprimento dificulte gravemente o fim institucional.
O regime deste artigo, distingue a natureza dos encargos. Se o encargo for o motivo essencial para a sobrevivência da instituição, as entidades competentes para o reconhecimento podem optar por:
- Englobar o cumprimento do encargo no fim da própria instituição;
- Incorporar essa Fundação noutra instituição de Pessoa Colectiva que possa prosseguir fins semelhantes.

115. Capacidade das pessoas colectivas
A Capacidade Jurídica das Pessoas Colectivas é um “status” inerente à sua existência como pessoas jurídicas (art. 67º CC). É uma Capacidade Jurídica Específica enquanto a das pessoas singulares é de carácter geral.
A lei refere-se-lhe expressamente para o efeito de a limitar. Essas limitações constam do art. 160º CC.
A noção de Capacidade de Gozo, tal como em relação às pessoas singulares, estabelece-se como medida de direitos ou vinculações de que a Pessoa Colectiva pode ser titular ou estar adstrita.

116. Âmbito da capacidade de gozo das pessoas colectivas
O art. 160º CC, delimita o âmbito das Pessoas Colectivas a partir de um elemento positivo e de dois negativos:
• Elemento positivo (art. 160º/1 CC): a Capacidade de Gozo da Pessoa Colectiva compreende todos os direitos e obrigações necessários, e convenientes à prossecução dos seus fins.
• Elementos negativos (art. 160º/2 CC): exclui dessa Capacidade de Gozo os direitos e vinculações que são vedados por lei à personalidade colectiva, visto serem inseparáveis da personalidade de singular. A capacidade das Pessoas Colectivas admite a possibilidade da Pessoa Colectiva ser titular de direitos adequados à realização dos seus fins.
• Não obstante a especialização consagrado neste artigo (160º) quanto à Capacidade de Gozo de direitos, admite-se que a Pessoa Colectiva pratique actos convenientes à prossecução dos seus fins, consagra-se, por conseguinte, o princípio da especialidade do fim, mas com uma larga atenuação do seu rigor.
Receber liberdades por acto entre vivos ou “mortis causa” – a solução negatória da capacidade não pode substituir à face do Código Civil, o art. 1033º/2-b, atribuí às sociedades capacidade testamentária passiva e, quanto a doações a sua aceitação não é mais destoante do fim especulativo da sociedade do que se deve atribuir-lhe igualmente capacidade para as receber, todavia por força do art. 160º/1 CC, subsiste a incapacidade de as sociedades fazerem doações.

117. Síntese
As Pessoas Colectivas são dominadas pelo princípio da especialidade, o que tem de ser entendido com um alcance amplo. Portanto, se é verdade que a Capacidade de Gozo da Pessoa Colectiva está dominado pelo seu fim, segundo a sua própria natureza (estatuto) isso significa que há uma capacidade diversa para as pessoas em concreto, dadas as várias categorias de Pessoas Colectivas que existem.
A Capacidade de Gozo das Pessoas Colectivas, abrange direitos de natureza patrimonial, essencialmente, mas não estão vedados às Pessoas Colectivas direitos de natureza pessoal, ex.: direito ao bom-nome, à honra, distinções honoríficas.
Inclusive, há Pessoa Colectivas a quem estão conferidos também certos direitos políticos, nomeadamente aqueles que são conferidos aos partidos.

118. Competência dos órgãos das pessoas colectivas e a relação com a capacidade de gozo
A competência respeita aos seus órgãos, embora estes sejam parte da Pessoa Colectiva, não são a Pessoa Colectiva em si.
A competência das Pessoas Colectivas, é o complexo dos poderes funcionais, que são conferidos a cada órgão para o desempenho dos fins da Pessoa Colectiva. O conjunto das competências dos diversos órgãos, asseguram a Capacidade de Gozo de cada Pessoa Colectiva.
A Capacidade de Gozo coloca-se no plano da própria Pessoa Colectiva, e na sua actuação, ocorre por intermédio dos seus órgãos.
A repartição de competências entre os vários órgãos das Pessoas Colectivas pode resultar da lei ou dos estatutos. A lei intervém supletivamente quando os estatutos forem omissos em relação a repartição de competências. É deixado no nosso Direito uma ampla liberdade na estipulação destas matérias. No entanto, há situações em que a lei estipula a título vinculativo, imperativo (ex.: art. 172º/2; art. 981º CC).
As deliberações de um órgão para além da sua competência, que envolvam a violação da lei ou dos estatutos são anuláveis (art. 177º CC). Podem requerer a anulação, o órgão da Administração ou qualquer associado que não tenha votado a deliberação, no prazo de seis meses, este prazo conta-se normalmente a partir da data em que a deliberação foi tomada. Para um associado que não tenha sido regularmente convocado para a reunião da assembleia, o prazo só começa a correr a partir da data em que ele teve conhecimento da deliberação (art. 178º/1 e 2).

119. Capacidade de exercício das pessoas colectivas
A Capacidade para o exercício de direitos ou Capacidade de agir consiste na aptidão para pôr em movimento a Capacidade Jurídica por actividade própria sem necessidade de se ser representado ou assistido por outrem. Ora as Pessoas Colectivas carecem de um organismo físico-psiquico, só podendo agir por intermédio de certas pessoas físicas, cujos actos projectarão a sua eficácia na esfera jurídica do ente colectivo. Logo, as Pessoas Colectivas, não podendo agir elas mesmas, mas apenas através de determinadas pessoas singulares, estariam necessariamente privadas daquela capacidade.
Este regime é mais complexo que o da Capacidade de Gozo. A Pessoa Colectiva pode ter Capacidade de Exercício das Pessoas Colectivas é uma capacidade juridicamente organizada (tese positivista).
Por outro lado a tese negativista, defendida pelo Prof. Cabral de Moncada, que diz, que as Pessoas Colectivas não têm vontade psicológica própria, ignora a circunstância que as Pessoas Colectivas têm órgãos impostos por lei. A Capacidade de Exercício como distinta da Capacidade de Gozo não tem aplicação das Pessoas Colectivas, pela natureza das coisas; carece quem a represente, as pessoas que representam os órgãos, igualar estes ao órgão das pessoas singulares é um grosseiro antropomorfismo!
Não há necessidade de comparar os órgãos da pessoa singular e da Pessoa Colectiva. Os actos dos órgãos desta, são actos próprios dela, sendo através dos seus órgãos que a Pessoa Colectiva se relaciona no mundo social.
O órgão não deve ser reduzido a simples representante da Pessoa Colectiva, e deve-se ter em consideração os actos próprios deste para se aferir a Capacidade de Exercício.
Tem Capacidade de Exercício, não pelo facto de ter capacidade natural de agir, mas na circunstância, pelo que o Direito lhe atribui de meios técnicos necessários para ela poder exercer os seus direitos.
As Pessoas Colectivas nunca seriam incapazes (na medida em que o direito lhe afira a capacidade), não está totalmente correcta, pois o direito pode limitar a Capacidade de Exercício (a Incapacidade de Exercício, a falta dos titulares dos órgãos).

120. Responsabilidade contratual das pessoas colectivas
Devem responder pelos factos dos seus órgãos, agentes ou mandatários que produzam o inadimplemento de uma obrigação em sentido técnico (art. 165º CC), aplicável às Associações, às Fundações e também às sociedades, por assim o justificar a analogia das situações (art. 157º CC).
Do art. 198º CC, resulta, ser necessário para o surgimento da obrigação de indemnizar que tenha havido culpa do devedor no não cumprimento, estabelecendo-se no art. 799º CC, uma presunção refutável da culpa dos órgãos ou agentes da Pessoa Colectiva pelo inadimplemento da obrigação. Mas é óbvio, que para existir responsabilidade contratual das Pessoas Colectivas, é necessário que o contracto, donde emerge a obrigação infringida, tenha sido celebrado por quem tinha poderes para vincular a Pessoa Colectiva em causa. São porém, problemas diferentes: o da representação de poderes e o da responsabilidade por não cumprimento de uma obrigação eficazmente assumida pela Pessoa Colectiva.
O art. 165º CC, estatui que as Pessoas Colectivas respondem nos mesmos termos em que os comitentes pelos actos ou omissões dos seus comissários (art. 800º CC).

121. Organização e funcionamento de uma pessoa colectiva
A lei civil ao traçar os regimes das Associações (art. 167º CC), refere que no acto de constituição se devem especificar os bens ou serviços com que os actos associados concorrem para o fim social.
Tem de existir desde logo um corpo social constituído pelos associados dessa organização.
Acontece no entanto que, muitos desses associados (sócios fundadores), acabam por ter direitos especiais, direitos esses que os obrigam também a vinculações especiais em relação aos restantes sócios.
A própria ideia sugere a existência de uma pluralidade de pessoas, sendo todavia certo que só a falta da totalidade dos sócios de uma associação determinará a extinção da mesma (art. 182º/1-d CC). Pode dizer-se que há um número de sócios igual ao número de titulares dos órgãos. A nota mais relevante é de que o substracto pessoal não se apresenta como um corpo fechado, antes pelo contrário, o que pode dizer é que estão sempre abertas à adesão de novos sócios.

122. Aquisição da qualidade de sócio de uma associação
A lei confere grande liberdade às Associações nas regras relativas à admissão de novos sócios, art. 167º/2 CC.
O princípio constitucional da liberdade de associação, aponta no sentido da liberdade de qualquer pessoa se poder associar entre si, mas não aponta no sentido de qualquer associação poder ou dever admitir qualquer associado sem que se habilite a isso. Podem as próprias Associações fixar regras próprias sobre a admissão dos seus associados, e fazer depender de certos requisitos a admissão de novos associados. Esta é uma prática lícita, desde que os critérios que forem adoptados pelos estatutos para a admissão não sejam discriminatórios.

123. Perda da qualidade de associado
Pode-se perder a qualidade de associado por manifestação da vontade própria do associado, ou por vontade da própria associação, manifestada através dos órgãos competentes desta.
No primeiro caso refere-se à saída do sócio. No segundo caso refere-se à exclusão de sócio (art. 167º/2 CC). No enquadramento do princípio da liberdade de associação é deixado aos estatutos a fixação do regime para estas duas situações.
A exclusão, geralmente, está ligada a violações graves dos seus deveres sociais, ou a práticas pouco abonatórias do bom-nome da associação. A exclusão não é matéria compreendida no art. 172º/2 CC; não é matéria reservada da Assembleia-geral; portanto os estatutos podem, “à contrário” definir outro(s) órgão(s).
Sem prejuízo da liberdade de estipulação estatutária, o legislador acabou por intervir nesta matéria, acautelando interesses que pudessem ser postos em perigo (art. 181º CC). É uma norma imperativa (injuntiva) que não pode ser alterada pelos estatutos. É determinada pelo carácter do interesse social instaurado por esta.
- O associado não tem o direito de pedir a restituição das quotas pagas;
- Perde o direito ao património social, mas, apesar disso, não deixa de estar obrigado ao pagamento de todas as quotas vencidas e devidas à associação.

124. Natureza jurídica do direito do associado
A natureza jurídica do associado de uma associação, é não patrimonial, ou de natureza pessoal (art. 185º CC).
A matéria de direitos e obrigações do associado pode ser objecto de regulamentação estatutária. É um dos pontos de que os estatutos geralmente se ocupam, por ser uma área previamente definida pelos associados aquando da instituição.
O direito de participação exerce-se de forma mais significativa através de:
- Direito de voto;
- Direito de participação nos serviços ou benefícios da associação.
Os associados têm ainda o direito de ser informados sobre todo o desenvolvimento da vida social da sua associação, podendo proceder eles próprios á fiscalização dessa actividade. Cabe ainda o direito de poderem vir a ser eleitos para os cargos sociais.
O direito de voto é um direito deveras importante porquanto, através da sua manifestação de vontade, o associado pode condicionar a vida da associação; exercendo-se este direito de voto em sede de Assembleia-geral.
Os direitos de informação e fiscalização exercem-se mediante participação na Assembleia-geral, e é a este órgão que está reservada a competência para a apreciação das contas e exercícios. A participação na vida de uma associação é um dever do próprio associado. O direito de ser eleito é inerente á qualidade de associado.
O regime estabelecido nesta matéria de eleição é o que vem no art. 170º/1 CC. A principal obrigação do associado é a de contribuir para o património social da associação (art. 167º/1 CC).

125. Tipos de sócios
Além dos sócios que entram para a sociedade com o capital, há ainda um outro tipo de sócio, o sócio de indústria. Este sócio entra para a sociedade com a “prestação de serviços”.

126. Órgão, competência e funcionamento
É através dos seus órgãos que as Associações actuam no meio social em que estão inseridas (art. 167º CC). Embora nesta matéria um grande campo seja deixado à autonomia privada, o Código Civil estabelece algumas limitações (Associações), verifica-se a existência necessária de pelo menos três órgãos:
- Colegial de Administração;
- Conselho Fiscal;
- Assembleia-geral.
Há no entanto restrições imperativas quanto à competência e ao modo de funcionamento destes órgãos. Podem criar órgãos facultativos e atribuir-lhes competências que não colidam com as dos órgãos obrigatórios, e estabelecidos por lei.

127. Órgãos obrigatórios
Há um conjunto de pontos comuns a todos estes órgãos, e há especificidades próprias de cada um deles.
O acto de designação do titular do órgão pode ocorrer mediante eleição, nomeação ou título jurídico similar; através deste acto o associado fica investido na qualidade de titular do órgão.
Para além deste acto de nomeação ou eleição, há ainda o contracto, constituindo este o título de relações estabelecidas entre a Pessoa Colectiva e a pessoa singular, sendo nesse contracto que se fixam os direitos e as obrigações de cada uma das partes.
O Código Civil, atribui à Assembleia-geral competência para eleger os titulares dos órgãos sociais (art. 170º/1 CC). A natureza supletiva desta norma resulta do facto de ela própria admitir que o estatuto estabeleça outra ordem de escolha.
Este facto envolve não só a possibilidade de se estabelecer outro processo de escolha, mas também a possibilidade de a designação ser da competência de outro órgão e já não da Assembleia-geral.
A duração do mandato é matéria omissa na lei e por isso fica na disposição dos associados, fica deixado à sua autonomia a duração do mandato dos titulares dos órgãos.
A regra de oiro em matéria de cessação das funções dos titulares dos órgãos é da sua revogabilidade a todo o tempo (art. 170º/2 CC). O n.º 3 deste artigo estabelece a excepção.
O órgão executivo das Associações é a Administração. Resulta pois, que a função da Administração é essencialmente externa.
O art. 162º CC, estabelece uma regra imperativa no tocante à composição dos conselhos de Administração, ao determinar que a Administração tem que ser um órgão colegial, e constituída por um número ímpar de titulares, em que um deles exerça a função de presidente.
O conselho de Administração de uma associação também tem limites, limites esses que são estabelecidos ao prever-se a existência de um Conselho Fiscal e também ao ser prevista a existência de uma Assembleia-geral com competências próprias reservadas (art. 172º/2 CC).
Em regra estão reservados ao conselho de Administração, todos os actos de gestão da vida social, nomeadamente as competências para a representação da Pessoa Colectiva, em juízo e fora dele (art. 163º CC). Os estatutos podem estabelecer um regime diferente do art. 163º/1 CC, atribuindo a representação a outro que não a Administração. A Administração por sua vez designa representantes, mas só é oponível a terceiros se estes tiverem conhecimento (art. 163º/2 CC).
A Administração pode ainda designar representantes para a representar em juízo ou fora dele. É o órgão com competência para requerer a convocação da Assembleia-geral.
Quando os associados decidam proceder à liquidação da associação, os membros da associação, os membros do conselho de Administração passam a exercer as funções de administradores liquidatários.
No que toca ao funcionamento das sociedades, a lei só estabelece imperativamente em relação a três matérias:
• Quórum de reunião;
• Quórum constitutivo ou de funcionamento;
• Quórum deliberativo.
A convocação da Administração é da competência do seu presidente, não estabelecendo a lei qualquer norma quanto à periodicidade do seu funcionamento.
Os estatutos podem estabelecer uma certa periodicidade, mas também podem deixar á consideração do presidente da Administração a convocação do órgão em qualquer altura.
Para que a Administração possa funcionar validamente, tem de estar presente a maioria dos seus titulares. É o que resulta do art. 171º/1 CC.
O acto de designação do titular pode ocorrer por eleição ou por nomeação (designação).
A relação obrigacional, é o conjunto de deveres e direitos que a pessoa fica vinculada, tal como a Pessoa Colectiva.
Estes cargos são preenchidos por eleição (art. 170º/1 CC), compete à Assembleia-geral eleger os órgãos (natureza supletiva, pode haver outra forma de escolha).

128. Conselho Fiscal
A lei é omissa à competência do Conselho Fiscal, mas a própria designação quer dizer que a ele lhe cabem funções de fiscalização do órgão de gestão ou Administração da associação, e em segundo lugar, da totalidade da actividade da associação.
As regras que se ocupam da Administração e do Conselho Fiscal são comuns em muitos aspectos (arts. 162º e 171º CC).
A Assembleia-geral é constituída pelo universo de associados, e nas Associações é o órgão superior, sendo a este que cabe a vontade soberana da Pessoa Colectiva e deliberar. É o órgão de funcionamento mais complexo e é por isso que o legislador lhe dedicou maior atenção que aos outros órgãos.
Relativamente aos arts. 170º, 172º a 179º CC, a regra é de que os associados participem nas assembleias-gerais, sem distinção de direitos.
Sofre alguns desvios que são tolerados pelo Código Civil, que a esse respeito, deixa aos estatutos a liberdade de fixação de direitos e deveres dos associados, e é por isto que encontramos vários tipos de sócios, nomeadamente:
- Sócio honorário;
- Sócio de mérito.
Qualquer dos dois, não tem direito a participar com o seu voto nas orientações da associação. Não têm uma participação activa. Podem estar presentes em Assembleia-geral mas não têm o direito de participar nas deliberações, tendo no entanto o direito de intervir se os outros sócios lhe derem a palavra.
Também é possível a atribuição a certos associados direitos especiais de voto ou na formação de maiorias. Geralmente é aos sócios fundadores que se atribuem estes direitos especiais.
A determinação da competência da Assembleia-geral, exige que se faça uma distinção entre três tipos de matérias:
• Competência necessária ou reservada, estão em causa matérias sobre as quais só a Assembleia-geral pode deliberar (art. 172º/2 CC).
• Competência normal, compreendem-se nesta competência funções que o Código Civil lhe atribui a título supletivo mas que os estatutos podem atribuir a outro órgão (arts. 170º/1 e 166º/2 CC, respectiva e relativamente à eleição dos titulares do órgão e destino dos bens em caso de extinção).
• Competência genérica, todas as deliberações para matérias não atribuídas por lei ou estatuto a outros órgãos (art. 172º/1 CC).

129. Convocação
O regime de convocação, resulta em parte da lei e em parte dos estatutos, estando sempre relacionado com a própria orgânica da associação.
É corrente ou normal que os estatutos prevejam como que uma espécie de sub-órgão, a mesa da Assembleia-geral. Em regra a mesa tem um presidente e dois secretários que asseguram a execução e boa ordem dos trabalhos e a elaboração das actas: título comprovativo das matérias aí formadas e deliberadas. A convocação é feita nos termos do disposto no art. 173º/1 CC.
O direito conferido ao associado nos termos do art. 173º/3 CC, está condicionado à abstenção de procedimento do órgão da Administração (não permite a exclusão estatutária). O art. 173º/2 CC, configura o exercício de um direito colectivo quando ocorra qualquer fim legítimo.
A convocação em sentido material, no entanto, obedece a requisitos muitos mais exigentes do que os requisitos da convocação dos restantes órgãos da associação. Por um lado porque a relevância dos assuntos a tratar assim o exige dos associados, estando em causa os seus interesses – princípio da participação. Os requisitos mínimos podem ser agravados pelos estatutos.
A convocação é feita mediante aviso postal, dirigido a cada um dos associados individualmente, com a antecedência mínima de oito dias. É usual essa convocação ser acompanhada de anúncio em um ou dois jornais (art. 174º/1 CC). A forma de convocação é consignada a este artigo, sendo esta matéria de particular relevância no concernente à Assembleia-geral.
Em conformidade com o disposto no art. 175º CC, a lei só estabelece os requisitos mínimos. Os estatutos podem agrava-los.
O quorum constitutivo varia em função da ordem do dia e do facto de a assembleia estar a funcionar em primeira ou em segunda convocação.

130. Dos vícios
O Código Civil, estabelece como regra para as deliberações tomadas em violação da lei e ou dos estatutos, um regime de anulabilidade (arts. 174º/2, 176º/2, 177º e 178º CC). Nesta esteira têm valor negativo as deliberações tomadas sobre matérias estranhas à ordem do dia e as deliberações tomadas em assembleia que funcione irregularmente, mas alguns destes vícios são sanáveis (art. 174º/2/3 CC). O art. 178º/1 CC, informa-nos quem tem legitimidade para arguir da anulabilidade, sendo o prazo de seis meses (art. 178º/2 CC).
O quorum de deliberação (art. 175º/2 CC) varia em função do tipo de deliberação, excepto se o associado não tiver sido regularmente convocado, pode arguir a anulabilidade, sendo o prazo de seis meses após ter conhecimento, não sendo esta oponível a terceiros de boa fé (art. 179º CC).

131. Fundações: órgãos
O Código Civil não contém normas sobre os órgãos das Fundações, mas nos arts. 185º a 194º CC, há normas sobre a competência da direcção. Aplicam-se as normas gerais relativas às Pessoas Colectivas (arts. 162º a 164º CC), prevalece uma grande margem de autodeterminação, ao fundador ou a quem o substitua.

132. Órgãos necessários ou obrigatórios
Na lei não há nenhum impedimento que se criem outros órgãos que se demonstrem adequados á Administração desta Pessoa Colectiva. É no acto de instituição que se fixa a própria designação dos órgãos facultativos.
A Administração, é um órgão externo, as suas funções vêm no art. 162º CC, valem as mesmas regras que as das Associações. Não há dissolução voluntária nas Fundações, o Conselho de Administração é obrigado a comunicar à entidade competente para reconhecer a Fundação a verificação das causas de extinção (art. 192º/1 CC). A transformação da Fundação também cabe à entidade competente para o reconhecimento (art. 190º/1 CC). Convocação e modo de funcionamento, se nada se disser, aplica-se analogicamente o art. 171º CC.
O Conselho Fiscal, art. 162º CC, vale também o regime que se considerou para as Associações.




COISAS E PATRIMÓNIO

133. Noção jurídica de coisa
Num sentido corrente e amplo, coisa é tudo o que pode ser pensado, ainda que não tenha existência real e presente. Num sentido físico, coisa é tudo o que tem existência corpórea, “quod tangi potest”, ou pelo menos, é susceptível de ser captado pelos sentidos.
Quanto ao sentido jurídico de coisa, há que considerar o art. 202º CC, onde se contém a seguinte definição: “diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas.”
Podemos definir as coisas em sentido jurídico como os bens (ou entes) de carácter estático, desprovidos de personalidade e não integradores de conteúdo necessário desta, susceptíveis de constituírem objecto de relações jurídicas, ou, toda a realidade autónoma que não sendo pessoa em sentido jurídico, é dotada de utilidade e susceptibilidade de denominação pelo homem.
Os bens de carácter estático, carecidos de personalidade, só são coisas em sentido jurídico quando puderem ser objecto de relações jurídicas. Para esses efeito devem apresentar as seguintes características:
a) Existência autónoma ou separada;
b) Possibilidade de apropriação exclusivas por alguém;
c) Aptidão para satisfazer interesses ou necessidades humanas.
Inversamente não é necessário:
a) Que se trate de bens de natureza corpórea;
b) Que se trate de bens permutáveis, isto é, com valor de troca;
c) Que se trate de bens efectivamente apropriados.
O Código Civil define no art. 204º e seguintes os tipos de coisas. Dá também o conceito de frutos (art. 212º). Define igualmente as benfeitorias (art. 216º).

134. Classificação das coisas
A lei indica no art. 203º CC, as várias classificações de coisas:
• Coisas corpóreas: são caracterizadas por serem apreendidas pelos sentidos;
• Coisas incorpóreas: serão as meras criações do espírito humano, não podendo como tais ser apreendidas pelos sentidos;
• Coisas materiais: são também coisas corpóreas;
• Coisas imateriais: podem ser corpóreas ou incorpóreas.
Os direitos sobre as coisas corpóreas seguem o regime especial do Código Civil, enquanto os direitos sobre as coisas incorpóreas são regidos por lei especial (arts. 1302º e 1303º CC).
Além desta classificação, distingue-se ainda coisas no comércio, aquelas que são susceptíveis de apropriação privada e coisas fora do comércio, aquelas que escapam à apropriação privada. Estão à disposição da generalidade dos homens. São comuns a todos.
O prof. Castro Mendes, refere-nos que: “são bens potencialmente dominiais que ainda não estão em poder do Estado”.
São coisas que não são individualmente aprováveis, porque o seu próprio regime não permite essa apropriação (os baldios), e outras coisas que embora possam ser objecto de relações privadas, são insusceptíveis de apropriação individual (bens de personalidade).

135. Categorias das coisas imóveis
Os arts. 204º e 205º CC, distinguem por enumeração coisas imóveis de coisas móveis.
Da confrontação das diversas categorias, crê-se a sua condução em dois grupos:
- Imóveis por natureza, prédios rústicos, prédios urbanos e águas do seu estado natural;
- Imóveis por relação, não sendo em si imóveis, têm essa categoria por disposição, por isso encontramos aqui realidades que criam em si mesmas, a natureza das coisas móveis.
A classificação dessas coisas móveis como imóveis, vem-lhes de certa relação que mantém com determinadas coisas imóveis, resultando daqui duas consequências:
- Quebrada essa relação com a coisa imóvel, essas coisas readquirem a sua qualidade de móveis e passam pelo direito a ser tratadas como igual;
- Ao incluir essas coisas na categoria de imóveis, o legislador pretendeu mais do que classificá-las como tal, atribuir-lhes o regime jurídico das coisas imóveis. Por isso, para essas coisas, o melhor que havia a fazer era dizer-se que seriam coisas móveis, sujeitas ao regime de coisa imóveis.
Prédio rústico: é uma parcela delimitada de solo terrestre e as construções aí existentes que não tenham autonomia económica.
Prédio urbano: qualquer edifício incorporado no solo, com carácter de estabilidade e permanência e os terrenos que lhe serviam de logradouro.
O elemento essencial do prédio urbano é o edifício, não havendo no entanto qualquer definição legal de edifício. O Código Civil adoptou a solução de não admitir a classificação de prédios mistos. Os prédios rústicos abrangem também as construções que neles existem, quando estas não tenham autonomia económica. Nos prédios urbanos incluem-se também os logradouros. São ainda indicadas como coisas imóveis, as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos. A definição de parte integrante resulta claramente do art. 204º/4 CC.

136. Categoria das coisas móveis
Os bens móveis escapam a uma classificação taxativa, podem ser móveis por:
- Natureza;
- Relação;
- Imposição legal.
Coisas semoventes: são uma categoria das coisas móveis. Não estão previstas autonomamente no Código Civil, e abrangem as coisas que se movem por si mesmas, em virtude de uma força anímica própria, incluindo-se portanto os animais, com exclusão do Homem.
Há direitos que só podem ter por objecto coisas imóveis, exemplos:
• Direitos de habitação;
• Direitos de superfície e servidões prediais;
• Condomínio horizontal.
Há ainda os direitos reais de aquisição, que podem incidir sobre coisas imóveis e sobre móveis sujeitos a registo.
Registáveis são além de todos os imóveis, os veículos automóveis, as embarcações e navios e as aeronaves.
A esta classificação também faz referência o art. 205º/2, ao mandar aplicar às coisas móveis sujeitas a registo o mesmo regime das coisas móveis, em tudo o que não seja especialmente regulado.

137. Coisas fungíveis e não fungíveis
A diferença assenta na posição por elas ocupadas na relação jurídica. Em certos casos em que são consideradas no Direito pela sua individualidade, ou seja, pelas suas características específicas, pelo contrário, noutras relações jurídicas as coisas são tomadas segundo o seu género e determinadas apenas pela sua qualidade e pela sua quantidade.
As primeiras valem pelo que nelas há de individual e de específico, porque só essas coisas é que têm essa característica específica e mais nenhuma outra coisa tem essa característica, e é nesse elemento específico que se encontram a vontade e a intenção da pessoa que contrata a respeito dessa coisa que tem essas características específicas.
As segundas já valem pelo que nelas há de genérico, ou seja, pelo que nelas há de comum em relação a outras do mesmo género, e é nesse elemento genérico que se concentram a vontade e a intenção das pessoas que contratam sobre esses tipo de coisas.
Atende-se no art. 207º CC, à susceptibilidade de, na relação jurídica, a coisa poder ser substituída por outra equivalente. Se essa coisa é substituível é fungível. Se é insubstituível, é não fungível.
O critério de classificação não pode ser aferido no plano do jurídico, revelando-se assim a noção de coisa fungível pela referência à situação da coisa na relação jurídica.

138. Coisas consumíveis, coisas divisíveis, coisas indivisíveis
As coisas consumíveis, são as que resultam do art. 208º CC, são as coisas cujo o uso regular importa a sua destruição ou a sua alienação.
As coisas divisíveis, são as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam (art. 209º CC).
Não será um critério natural ou físico, antes um critério jurídico. A razão deste facto resulta de, no campo meramente físico, as coisas poderem ser divisíveis e poderem assim deixar de ter utilidade sob o ponto de vista jurídico. Logo que o fraccionamento de uma coisa implique alteração da sua substância ou do valor, ela será juridicamente indivisível.
A distinção não se esgota neste critério, havendo a possibilidade de certas coisas divisíveis serem consideradas indivisíveis por força de disposição específica na lei, ou por convenção das partes e imposição legal (art. 1376º CC por exemplo).

139. Coisas futuras e coisas compostas
As coisas futuras são, as que não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial.
Este conceito impõe a necessidade de se fixar o momento em função do qual a existência da coisa se determina. Esse momento é o da declaração negocial de que a coisa é objecto. Esta definição legal baseia-se em dois critérios:
- Critério da existência;
- Critério da titularidade do direito em causa.
Assim tanto é coisa futura aquela que não existe no momento da declaração negocial, como aquela que existe e não está, ao tempo da declaração negocial, na disponibilidade do disponente.
As coisas compostas, identificam-se estas com a universalidade de facto (art. 206º).
Segundo o prof. Inocêncio Galvão Teles, “universalidade de facto será o complexo de coisas jurídicas pertencentes ao mesmo sujeito e tendentes ao mesmo fim. Fim esses que a ordem jurídica reconhece e trata como formando uma coisa só.”
Das universalidades de facto, convém demarcar as universalidades de direito, universalidade esta que será constituída por elementos patrimoniais activos e passivos, e vinculações. As universalidades de facto serão constituídas por bens e por elementos patrimoniais activos. Tendo como características:
- Há sempre uma unidade de tratamento do conjunto;
- Autonomia jurídica dos elementos.
A circunstância de um conjunto poder ser tomado autonomamente em si mesmo, traduzindo individualidade para além dos seus próprios elementos, acarreta uma consequência de alteração dos elementos da universalidade.
Verificando-se a universalidade de facto, não perde a sua individualidade, e essa variabilidade de elementos da universalidade pode manifestar-se através de três modalidades distintas:
1. Compressibilidade, traduzindo uma possibilidade de diminuição dos elementos da universalidade;
2. Extensibilidade, envolvendo a possibilidade de aumento dos elementos da universalidade;
3. Fungibilidade, a viabilidade de substituição dos elementos da universalidade existente em certo momento, por outros.

140. Coisas principais e acessórias
A classificação de coisa acessória pressupões a existência de uma coisa, que será a coisa principal, a coisa que existe em si mesma e que não pressupõe a existência de uma outra. É de esta outra que ela, coisa acessória, depende.
Coisa principal, é aquela cuja existência ou sorte jurídica não está na dependência de outras (art. 210º/1 CC).
Coisas acessórias, ou pertenças, as coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afectadas por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra.
Parte integrante, é toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência.
Ordem de consequências:
- Decorre do próprio conceito de parte integrante (art. 204º/3 CC), que a coisa acessória não pode estar ligada materialmente, com carácter de permanência, à coisa principal;
- Significa que a coisa acessória não pode ser um elemento da coisa principal.
O primeiro elemento positivo do conceito de coisa acessória resulta da última parte deste art. 210º/1 CC. Esta afectação pode ser de ordem económica ou de ordem estática, mas também pode ser uma afectação de ordem jurídica.
De todas as coisas que revestem estas características se podem entender como acessórias, porque o art. 210º/2 CC, impõe a necessidade de se estabelecer uma restrição nas coisas que, embora em abstracto, caibam nas restrições do n.º 1 do artigo
A razão para tal, reside no facto deste preceito determinar que as coisas acessórias não seguem os princípios dos negócios respeitantes a estas, salvo disposição em contrário.
Segundo o prof. Castro Mendes, devem ser estabelecidas na noção do art. 210º/1 CC, duas distinções:
• Há que distinguir coisas acessórias com valor autónomo desafectáveis da coisa principal;
• Coisas acessórias sem valor autónomo, ligadas à coisa principal mas só economicamente.
Pode ainda haver lugar a alguma censura a este preceito, se se identificarem as coisas acessórias com pertenças.
Pertenças, são as coisas móveis em sentido restrito (art. 210º/1 CC). Não têm portanto valor autónomo e não podem ser destacadas da coisa principal, sob pena desta ficar prejudicada na sua utilidade normal. Neste sentido, é necessário que a coisa móvel se encontre afectada à coisa principal, sendo que se tratará de uma afectação de destino, distinguindo-se por isso da ligação material que se verifica nas partes componentes e nas partes integrantes.

141. Frutos
São tudo o que uma coisa produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância. É tudo o que nasce e renasce de uma coisa (art. 212º CC).
Produtos, coisas que, sem carácter de periodicidade, podem ser destacadas de outras coisas principais, sem prejuízo da sua substância.
Os frutos classificam-se em (art. 212º/2 CC):
- Frutos naturais: são os que provêm directamente da coisa, quer por efeitos das forças da natureza, quer por acção do homem em conjunto com estas;
- Frutos civis: rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica.
- Os frutos podem ainda distinguir-se:
- Frutos percebidos: são só que estão separados da coisa principal mediante uma operação de colheita.
- Frutos pendentes: são os frutos naturais que não se encontram ainda separados da coisa que os produz.

142. Benfeitorias
São todas as despesas para conservação ou melhoramento da coisa (art. 216º/1 CC).
Respeitam tanto a cosas móveis como a coisas imóveis e repartem-se por três categorias que o art. 216º/2 e 3 CC, contemplam e definem:
- Benfeitorias necessárias, quando têm por fim evitar a perda, deterioração ou destruição da coisa;
- Benfeitorias úteis, são as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor;
- Benfeitorias voluptuárias, são as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
Estas benfeitorias visam unicamente a satisfação ou recreio de quem as realiza, torna o bem mais agradável para quem dele desfruta. O regime das benfeitorias varia consoante a modalidade que cada uma destas merece.
O instituto da posse distingue muito significativamente no seu regime, as diferenças relativas aos diversos tipos de benfeitorias.
No que respeita às benfeitorias necessárias, o possuidor de um bem de boa ou má fé, tem sempre o direito de ser indemnizado pelas benfeitorias que haja realizado nesse bem (art. 1273º/1 e 2 CC).

143. Prestações
Toda a conduta humana a que o sujeito da relação jurídica está adstrito (art. 397º CC). São o objecto típico das relações obrigacionais.
Interessa referir que a prestação consiste sempre numa conduta determinada ou pelo menos determinável, que é imposta a uma ou mais pessoas, também elas determinadas ou determináveis.
Esta conduta pode consistir numa acção, num facere, ou numa abstenção, non facere, e é por isso que se fala em conduta de prestação positiva ou de conteúdo positivo, e de prestação negativa ou de conteúdo negativo. Distingue-se ainda prestação instantânea e prestação duradoura. Atende-se aqui ao modo como se realiza a prestação.
Assim, se o comportamento que é devido se esgota num só momento, estaremos perante uma prestação instantânea. Se pelo contrário, a prestação se consubstancia em condutas que se prolongam no tempo, diz-se prestação duradoura, podendo ainda distinguir-se prestação duradoura contínua, ou seja, o cumprimento da prestação prolonga-se ininterruptamente por um período de tempo indeterminado; ou prestação duradoura de acto sucessivo, a conduta do devedor não é ininterrupta, consistindo em acto que se repetem sucessiva e periodicamente.
A prestação de facto, é aquela que consiste apenas numa conduta do devedor, não se referindo e esgotando-se em si mesma.
A prestação de coisa, é quando do devedor se reporta a uma certa coisa, essa que nos parece aqui como objecto da própria prestação.

144. Noção de património
Fala-se por vezes, de património para designar o património global. Tem-se então em vista o conjunto de relações jurídicas activas e passivas avaliáveis em dinheiro de que uma pessoa é titular. 1) Trata-se do conjunto de relações jurídicas; não se trata do conjunto de imóveis, móveis, créditos ou outros direitos patrimoniais, pois as coisas móveis não são entidades do mesmo tipo dos créditos ou dos outros direitos. O património é integrado por direitos sobre as coisas, direitos de crédito, obrigações e outros direitos patrimoniais. 2) Não fazem parte do património certas realidades, susceptíveis de ter relevância para a vida económica das pessoas, mas que não são relações jurídicas existentes, sendo antes meras fontes de rendimentos futuros. 3) Só fazem parte do património as relações jurídicas susceptíveis de avaliação pecuniária; esta pecuniaridade pode resultar do valor de troca do direito por este ser alianável mediante uma contraprestação, ou do valor de uso, traduzido em direito, não sendo permutável, proporcionar o gozo de um bem, material ou ideal, que só se obtém mediante uma despesa.
É a esta noção que se refere o art. 2030º/2, ao definir herdeiro como o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido.
Fala-se, outras vezes, de património para designar o chamado património bruto ou património ilíquido. Tem-se então em vista o conjunto de direitos avaliáveis em dinheiro, pertencentes a uma pessoa, abstraindo, portanto, das obrigações.
Finalmente, num sentido mais restrito, pode designar-se por património o chamado património líquido, isto é, o saldo patrimonial.
O património distingue-se pois, facilmente da esfera jurídica. Esta é a totalidade das relações jurídicas de que uma pessoa é sujeito. Abrange, assim o património e os direitos e obrigações não avaliáveis em dinheiro (pessoais hoc sensu), encabeçados na pessoa.
O conceito de património traduz a soma ou conjunto das relações jurídicas avaliáveis em dinheiro, pertencentes a uma pessoa. Não se trata de um objecto jurídico único ou universalidade.

145. O fenómeno da autonomia patrimonial ou separação de patrimónios
Na esfera jurídica de uma pessoa existe normalmente apenas um património. Em certos casos, porém, seremos forçados a concluir existir na titularidade do mesmo sujeito, além do se património geral, um conjunto de relações patrimoniais submetido a um tratamento jurídico particular, tal como se fosse de pessoa diversa – estamos então perante um património autónomo ou separado.
Se o património tem como função principal responder pelas dívidas do seu titular, então parece que o critério mais adequado para caracterizar a separação de patrimónios deve ser o da existência de um tratamento jurídico particular em matéria de responsabilidade por dívidas.
Património autónomo ou separado será, assim, o que “responde por dívidas próprias”, isto é, só responde e responde só ele por certas dívidas.

146. A figura do património colectivo
Na hipótese de autonomia patrimonial existem na titularidade do mesmo sujeito duas ou mais massas patrimoniais separadas.
A figura do património colectivo apresenta-se-nos quando, inversamente, um único património tem vários sujeitos. Duas ou mais pessoas, que possuem – cada uma – o seu património que lhes pertence globalmente.
O património colectivo não se confunde, porém, com a compropriedade ou propriedade em comum. Na propriedade em comum ou compropriedade, figura de procedência romanística, estamos perante uma comunhão por quotas ideais, isto é, cada comproprietário ou consorte tem direito a uma quota ideal ou fracção do objecto comum. O património colectivo pertence em bloco, globalmente ao conjunto de pessoas correspondente. Individualmente nenhum dos sujeitos tem direito a qualquer quota ou fracção; o direito sobre a massa patrimonial em causa cabe ao grupo no seu conjunto. Daí que nenhum dos membros da colectividade titular do património colectivo possa alienar uma quota desse património ou possa requerer a divisão, enquanto não terminar a causa geradora do surgimento do património colectivo.

FACTO JURÍDICO E ACTO JURÍDICO

147. Noção de facto jurídico
É todo o acto humano ou acontecimento natural juridicamente relevante. Esta relevância jurídica traduz-se principalmente, senão mesmo necessariamente na produção de efeitos jurídicos.
A constituição de uma relação jurídica depende sempre de um evento, evento esse a que o Direito reconhece relevância como fonte de eficácia jurídica. A delimitação de facto jurídico é tarefa que cabe ao próprio Direito.
A criação de efeitos jurídicos cabe à norma jurídica. Daí que, os factos jurídicos constituam a caracterização das situações que sob forma hipotética a norma faz depender a produção de efeitos de Direito.
Para o prof. Oliveira Ascensão: a factispécie pressupõe já uma situação juridicamente valorada, a que se ligam ulteriores efeitos jurídicos, para o facto de sobrevir determinado facto jurídico.

148. Contraposição entre efeito jurídico e facto jurídico
Os factos jurídicos são sempre acontecimentos do mundo real que o Direito toma como causas de certas consequências juridicamente atendíveis. Os efeitos jurídicos serão as consequências desses factos jurídicos.
É corrente estabelecer a distinção entre factos naturais, tem a sua origem num acontecimento da natureza; humanos, tem a sua origem na vontade humana.

149. Classificação dos factos jurídicos
A primeira classificação dos factos jurídicos é a que se pode estabelecer entre factos voluntários ou actos jurídicos, resultam da vontade como elemento juridicamente relevante, são manifestação ou actuação de uma vontade; são acções humanas tratadas pelo direito enquanto manifestação de vontade. Os factos jurídicos involuntários ou naturais, são estranhos a qualquer processo volitivo – ou porque resultam de causas de ordem natural ou porque a sua eventual voluntariedade não tem relevância jurídica.
Classifica-se, os factos humanos em voluntários, e os factos naturais em extraordinários/involuntários.
Mas, há factos humanos não voluntários, porque a vontade do Homem não é determinante nem na sua produção nem nos efeitos que lhes são correspondentes (análise casuística dos efeitos que a norma lhes atribuí, excepto o decurso do tempo - art. 276º CC).
Os factos jurídicos humanos (caracterizam-se por acções que atingem um determinado fim) podem também ser, não voluntários, integrando-se estes naqueles comportamentos caracterizados por se dirigirem a um fim que o Homem mentalmente antecipa e quer realizar.
No entanto, nem sempre o Direito atende a esta estrutura finalista de acção humana. Há factos em relação aos quais, o seu carácter humano é volitivo (voluntário) é completamente desconsiderado pelo Direito na atribuição de quaisquer fins, e tudo acaba por se passar como se de um acto natural se tratasse.
Os factos jurídicos não voluntários, no seu conjunto, formam uma categoria a que muitos autores designam por facto jurídico strictu sensu, contrapondo-se a esta a de actos jurídicos correspondentes aos factos jurídicos voluntários.
Acto jurídico
É uma manifestação de vontade e que como tal, a norma atribuí efeitos de Direito. Nos diversos actos humanos existe sempre uma manifestação de vontade, sendo que esta é o elemento relevante do acto jurídico, que é entendida e considerada pelo direito.
O prof. Castro Mendes, diz que só estamos na presença de um acto jurídico quando pensamos num facto voluntário a que a Ordem Jurídica liga efeitos de Direito, em atenção à sua voluntariedade.
A simples conjugação destes elementos permite a formulação de actos jurídicos, entendendo-se aqui, a manifestação de vontade como tal, a norma jurídica atribuí efeitos de Direito.

150. Classificação
A classificação dos actos jurídicos obedece a diferentes critérios. Assim, no que toca à estrutura do acto, distingue-se acto jurídico simples e acto jurídico complexo. Se atendermos à modalidade dos efeitos, distingue-se entre actos positivos e actos negativos, actos principais e actos secundários, e actos lícitos e actos ilícitos.
O papel que é reservado à vontade na formulação dos efeitos do acto, permite-nos ainda fazer a distinção entre actos jurídicos simples ou não intencionais, e actos jurídicos intencionais. Os actos intencionais serão de conteúdo determinado e de conteúdo não determinado ou indeterminado.
No acto intencional de conteúdo determinado, o conteúdo da manifestação de vontade está pré-determinado, ficando assim definindo o efeito do acto.

151. Actos simples e actos complexos
Atendendo-se ao critério da estrutura, definir-se-á como acto simples, aquele que é formado por um só elemento. Relativamente ao acto complexo e em antinomia ao acto simples, tem-se a destacar diversos elementos:
• Os actos jurídicos complexos há que estabelecer a distinção consoantes se produzem os seus elementos constitutivos;
• Os elementos, quando ocorrem todos a um tempo, definem um acto complexo de formação instantânea ou simultânea.
Actos complexos de formação sucessiva ou plurissubsistente, os vários elementos de um acto complexo acabam por se produzir em tempos diferentes, havendo no entanto um tempo intermédio entre cada declaração de vontade o que se tornará relevante em termos jurídicos.

152. Actos jurídicos positivos e negativos
Estes actos, situam o critério de distinção no plano dos efeitos jurídicos do acto e atendendo-se ao modo como eles se projectam sobre uma situação jurídica existente no momento da sua prática.
Os actos positivos, consistem sempre em acções, num facere. Em certas situações, também se pode considerar a omissão, um non facere, conducente à manutenção de um estado de coisas anterior.

153. Actos jurídicos principais e secundários
Esta disposição prende-se muito com a eficácia do acto, da própria relevância do acto jurídico como autêntica fonte criadora de factos jurídicos.
Os factos a que a Ordem Jurídica liga efeitos jurídicos, são factos principais. Se atendermos à modalidade dos efeitos que produzem, os actos principais podem agrupar-se em certas classificações:
- Actos constitutivos;
- Actos modificativos;
- Actos extintivos;
- Actos aquisitivos modificativos dispositivos de direitos, o facto adstritos em relação à esfera jurídica de outra pessoa (ex. 342º CC).
Os actos secundários em si mesmos, não são causas de efeitos. No entanto, interferem com eficácia dos actos principais, impedindo ou confirmando essa mesma eficácia. Neste sentido, dizemos que estamos perante actos impeditivos, permissivos ou confirmativos de actos principais.

154. Actos jurídicos lícitos e ilícitos
O critério de distinção é o de conformidade com a lei, projectando-se esta distinção igualmente no regime dos efeitos jurídicos do acto, é uma distinção privativa dos actos jurídicos.
A razão de ser desta delimitação reside na circunstância de a ilicitude envolver sempre um elemento de natureza subjectiva que se manifesta num não acatamento, numa rebeldia à Ordem Jurídica instituída. Envolve sempre uma violação da norma jurídica, sendo nesse sentido a atitude adoptada pela lei a repressão, desencadeando assim um efeito tipo da violação – a sanção.
Os actos ilícitos, são contrários à Ordem Jurídica e por ela reprovados, importam uma sanção para o seu autor (infractor de uma norma jurídica).
Os actos lícitos são conformes à Ordem Jurídica e por ela consentidos. Não podemos dizer que o acto ilícito seja sempre inválido. Um acto ilícito pode ser válido, embora produza os seus efeitos sempre acompanhado de sanções. Da mesma feita, a invalidade não acarreta também a ilicitude do acto.
A distinção entre actos jurídicos simples ou não intencionais ou calculados, não põe em causa o problema da intervenção da vontade, não obstante se atenda à relevância da vontade no regime dos efeitos jurídicos do acto.
Há certos actos jurídicos que bastam com a vontade do agente, dirigida a uma conduta em si mesma. Esta conduta, tem no entanto de ser querida pelo agente e necessita sempre de uma acção humana – sendo esta apta e suficiente para que se produzam os efeitos previstos na forma jurídica.
Os actos jurídicos intencionais, podem distinguir-se entre determinados e indeterminados. Há nestes actos jurídicos aquilo a que alguns autores chamam: a nota finalista da conduta humana.
Na modalidade dos actos jurídicos intencionais é possível distinguir-se a vontade humana, sendo que esta é considerada para o direito, como a génese da voluntariedade de determinar Direito – vontade expressa de uma certa acção. Noutros casos para além dessa voluntariedade, atende-se também ao facto de o agente querer expressar uma determinada conduta de pensamento.
A vontade funcional encontra-se sempre nos actos intencionais, não tendo no entanto em todos eles a mesma extensão, processando-se a distinção nos termos seguintes. Em certos actos jurídicos intencionais, a vontade, embora se refira aos efeitos do acto, não estipula esses efeitos. O agente tem de acatar os efeitos não patrimoniais do casamento. Não são, neste caso, os nubentes que definem os efeitos não patrimoniais do acto. Os efeitos do acto indeterminado, não são fixos tão só pela norma jurídica, como também pelo agente.
Nem a norma nem o agente determinam os efeitos do acto em termos absolutos. A norma confere uma certa liberdade ao agente na determinação dos efeitos.

155. Factos voluntários ou actos jurídicos
Estes podem, segundo outra classificação de caracter fundamental, distinguir-se em negócios jurídicos e simples actos jurídicos ou actos jurídicos “sirito sensu”. Estamos no domínio dos factos voluntários, apesar disso nem sempre os efeitos jurídicos respectivos são produzidos por terem sido queridos e na medida em que o foram.
Os negócios jurídicos, são factos voluntários, cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais declarações de vontade a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da vontade das partes, tal como este é objectivamente (de fora) apercebido.
Os simples actos jurídicos, são factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que não tenham sido previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja concordância entre a vontade destes e os referidos efeitos. Os efeitos dos simples actos jurídicos ou actos jurídicos “sirito senso” produzem-se “ex. lege” e não “ex. voluntate”.
Dentro dos simples actos jurídicos é usual fazer-se uma distinção entre:
1) Quase-negócio jurídicos ou actos jurídicos quase-negócio, traduzem-se na manifestação exterior da vontade (ex. art. 471º Código Comercial - art. 808º CC);
2) Operações jurídicas, também designada na doutrina estrangeira pelas expressões actos materiais, actos reais ou actos exteriores, traduzem-se na efectivação ou realização de um resultado material ou factual a que a lei liga determinados efeitos jurídicos.


NEGÓCIO JURÍDICO

156. Conceito e importância do negócio jurídico
Os negócios jurídicos são actos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob tutela do direito, determinado o ordenamento jurídico produção dos efeitos jurídicos conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes.
A importância do negócio jurídico manifesta-se na circunstância de esta figura ser um meio de auto ordenação das relações jurídicas de cada sujeito de direito. Está-se perante o instrumento principal de realização do princípio da autonomia da vontade ou autonomia privada.
O negócio jurídico enquadra-se nos actos intencionais e caracteriza-se sempre pela liberdade de estipulação. No que toca à sua estrutura, o negócio jurídico autonomiza-se como acto voluntário intencional e por isso acto finalista.
No negócio, tem de haver de acção, sem esta, o negócio é inexistente. O autor do acto tem de querer um certo comportamento exterior por actos escritos ou por palavras. Tem de ser de livre vontade, de outra maneira será inexistente (ex. coacção física), tem de haver uma declaração (exteriorização da vontade do agente), constitui um elemento de natureza subjectiva.
O comportamento não basta ser desejado em si mesmo, é necessário que ele seja utilizado pelo declarante como meio apto a transmitir um certo conteúdo de comportamento.

157. A concepção de negócio jurídico
A concepção de negócio jurídico como acto voluntário intencional fixa-se na vontade dos sujeitos. Um dos aspectos mais relevantes é o papel da vontade na elaboração do negócio jurídico, sendo certo que a norma jurídica desempenha o papel principal.
Assim, tem-se a norma jurídica como verdadeira fonte criadora de efeitos jurídicos, fazendo no entanto o Direito depender a produção desses efeitos de uma vontade.
Na concepção clássica, concebia-se a vontade como fonte de efeitos de Direito. No campo jurídico, a vontade, por si mesma, não tem eficácia alguma; a eficácia é tão só e apenas a susceptibilidade de produzir efeitos atribuída à vontade pela lei. Nesta esteira, como dado assente e definitivo, só a norma jurídica tem poderes criadores dos efeitos jurídicos, ainda que esses efeitos dependem de uma vontade. A norma jurídica, ao criar efeitos jurídicos confere à vontade um campo lacto, onde este se pode e deve manifestar com bastante relevância na produção desses efeitos.
A eficácia da vontade jurídica não é uma eficácia causativa como a da vontade psicológica, mas uma eficácia normativa. No acto jurídico tem de haver uma determinada vontade de acção. Não havendo, o acto poderá ser considerado inexistente enquanto negócio (ex. art. 246º CC).
Quer isto dizer que, o autor do acto tem de querer livremente a produção de certos efeitos; um comportamento exterior que se manifesta através de palavras, de gestos, sendo que estes elementos exteriores correspondem à predeterminação da vontade. Esse comportamento exterior, não basta ser querido, tem também de ser manifestado.
O Direito no entanto, é bastante exigente quanto ao problema da vontade nos negócios jurídicos, porquanto ela se deve orientar com vista à obtenção de um certo resultado, resultado este que deveria ser querido, e é em função desse resultado que há efeitos de direito.
No negócio jurídico, a voluntariedade do acto é tomada pela lei, na sua máxima expressão. Portanto, podemos dizer que tem de haver vontade de acção, sob pena de o negócio ser inexistente. Neste sentido se fala também em vontade funcional, dirigida à produção de certos efeitos jurídicos. Situações há em que se pode verificar a existência de vontade de acção e de vontade de declaração e no entanto faltar a vontade funcional (ex. art. 245º CC). No negócio jurídico, a vontade tem de se manifestar sempre nos três planos referidos.

158. Relação entre a vontade exteriorizada na declaração negocial e os efeitos jurídicos do negócio
Quando se trata de saber o verdadeiro sentido da vontade funcional, em que termos esta vontade se deve dirigir à produção de tais efeitos jurídicos? A questão que se coloca é a de saber se ela tem de se dirigir aos efeitos jurídicos do acto em si mesmo, ou meramente aos efeitos de ordem prática – ordem económica e social.
Teoria dos efeitos jurídicos: para esta doutrina os efeitos jurídicos produzidos, tais como a lei os determina, são perfeita e completamente correspondentes ao conteúdo da vontade das partes. Os próprios efeitos derivados de normas supletivas resultariam da tácita vontade das partes. Haveria uma vontade das partes dirigida à produção de determinados e precisos efeitos jurídicos.
Teoria dos efeitos práticos: para esta doutrina a teoria dos efeitos jurídicos não é realista – está longe da realidade. As partes manifestam apenas uma vontade de efeitos práticos ou empíricos, normalmente económicos, sem carácter ilícito. A estes efeitos práticos ou empíricos manifestados, faria a lei corresponder efeitos jurídicos concordantes.
Teoria dos efeitos prático-jurídicos: é o ponto de vista correcto. Os autores dos negócios jurídicos visam certos resultados práticos ou materiais e querem realizá-los por via jurídica. Têm, pois, também uma vontade de efeitos jurídicos. A vontade dirigida a efeitos práticos, não e a única nem a decisiva – decisivo para existir um negócio é a vontade de os efeitos práticos queridos serem juridicamente vinculativos, a vontade de se gerarem efeitos jurídicos, nomeadamente deveres jurídicos, correspondentes aos efeitos práticos. Há uma “intenção dirigida a um determinado efeitos económico juridicamente garantido”.
O comum dos Homens tem um conhecimento muito impreciso das consequências jurídicas dos seus actos, mas não deixam de ter a percepção que estão a construir entre eles com intensidade específica. Vínculos que separam de valores distintos, de outros valores sociais.
A maior parte das pessoas têm consciência do mundo jurídico em que se inserem, uma vez adoptados esses meios garantem o benefício da tutela organizada do Estado, se não agirem daquela maneira, o próprio Estado estabelece soluções.
A consciência da jurisdicidade dos actos explica a necessidade que as pessoas sentem de se socorrem dos juristas.
Para definirem o próprio conteúdo negocial, acautelam os seus interesses, e proteger o fim económico e social.
O negócio jurídico, deve-se procurar saber qual deve ser a vontade de as partes e precisamente por se tratar saber qual deve ser a vontade das partes, na resolução de qualquer questão, devemos atender às consequências emergentes do facto de essa vontade não satisfazer os requisitos que as diversas teorias exigem, e que tudo isto se prende manifestamente àquilo que se chama: a relevância do erro de Direito.
Há a ter presente sempre o facto de o negócio jurídico não ser a única causa dos efeitos, que em função dele se desencadeia.

159. Vontade funcional
O regime do erro ou vício de direito, relativo aos efeitos do próprio negócio, faz com que hajam efeitos de contrato do negócio que sejam efeitos essenciais e que importa a violação de normas imperativas, ou de efeitos secundários que importam a violação de normas supletivas.
O Código Civil, não distingue entre erro de facto e de direito, enquadrando os dois erros, no art. 251º CC. O negócio só é anulável se o erro dever ignorar a essencialidade para o declarante do motivo sobre que caiu o erro (art. 247º CC).
A falta de vontade dirigida a efeitos jurídicos não é determinante no regime do negócio, porque assim lhe impõe as normas a que respeita o erro (injuntivas).
Há actos que as partes não sabem bem classificar, mas que querem que produzam efeitos de Direito. A questão salda-se em termos de ónus da prova, sendo certo que é à parte interessada que compete esse ónus.
Quanto ao comum dos negócios jurídicos, enquanto as partes se moverem no domínio do jurídico, a jurisdicidade do negócio não depende de uma vontade dirigida aos seus efeitos.
Só há negócio jurídico quando a vontade seja determinante dos efeitos produzidos pelo acto, sendo por isso que se fala de vontade determinante desses efeitos, bastando simplesmente que o autor tenha consciência de que se pretende vincular juridicamente quanto ao conjunto das consequências económicas e sociais que ele quer quando realiza o tal acto; portanto os efeitos correspondentes a esse negócio jurídico produzem-se, por um lado, tendo em atenção a vontade funcional do agente tal como o Direito os define, e enquanto esses efeitos estiveram também eles ajustados àquele tipo de negócio concreto, por outro.

160. Relevância do negócio jurídico
Basta que o autor do negócio tenha consciência de se vincular juridicamente quanto ao conjunto das consequências económico-sociais que ele cria ao celebrar aquele acto. Os efeitos jurídicos produzem a vontade funcional do agente, tal como o direito os define enquanto ajustados ao conteúdo daquele negócio concreto.
• Ordenação autónoma de interesses particulares;
• Mediante a emissão de uma vontade dirigida a consequência de ordem económico-social;
• Consequências essas que são juridicamente atendíveis;
• E são também tuteladas pelo sistema;
• Desde que haja a consciência da jurisdicidade do comportamento adoptado.

CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

161. Breve classificação dos negócios jurídicos
Um dos critérios clássicos é o que atende ao número de pessoas que intervêm nesses negócios. O negócio diz-se singular, se apenas intervém uma pessoa, se intervierem mais de que uma pessoa, o negócio diz-se plural.
Na Ordem Jurídica portuguesa, há negócios que são obrigatória e necessariamente singulares: é o caso do testamento, só uma pessoa pode testar o acto.
Por outro lado, há negócios que são necessariamente plurais, e nalguns casos, os negócios além de serem plurais, envolvem contraposição de interesses entre as várias partes intervenientes. O negócio plural será bilateral ou plurilateral, sendo que o contrato é a figura paradigmática deste tipo de negócios. Não se deve confundir nunca parte com pessoas: podem intervir várias pessoas constituindo uma só parte.
O negócio unilateral, pode ser singular ou plural, mas o negócio singular é necessariamente unilateral.
A doutrina nem sempre está de acordo com isto, sendo que uma das soluções possíveis envolve o atender-se às declarações emitidas, não apenas ao seu número, mas à forma como elas se articulam no negócio.
Mais importante ainda é o modo como elas se articulam entre si: casos há em que as diversas declarações são paralelas e formam um só grupo, havendo igualmente casos em que o conteúdo de uma declaração é o oposto ao conteúdo da outra, embora convirjam num certo sentido, tendo em vista um resultado comum unitário.
Se a divergência de vontades interfere com o regime dos efeitos do negócio, justificando um tratamento distinto entre os seus autores, estamos perante um negócio bilateral ou plurilateral.
Num contrato de sociedade há posições comuns dos autores do negócio e então este mantém-se como negócio unilateral. O critério jurídico de distinção entre negócios unilaterais e bilaterais reside na diferente posição que, perante os interesses que são regulados pelo negócio, os autores do mesmo ocupam. Se os interesses forem divergentes, para que haja negócio, as vontades dos diversos intervenientes têm de se encontrar num ponto comum, sendo este o acordo de vontades ou livre consenso.

162. Negócios jurídicos unilaterais e contratos ou negócios jurídicos bilaterais
O Código Civil contém uma regulamentação geral do negócio jurídico, abrangendo assim as duas modalidades. O critério classificativo é o do número e modo de articulação das declarações integradoras do negócio.
Nos negócios unilaterais, há uma declaração de vontade ou várias declarações, mas paralelas formando um só grupo.
Nos contratos ou negócios bilaterais, há duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergentes, ajustando-se na sua comum pretensão de reduzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte.
Acerca dos negócios unilaterais, importa focar as seguintes características:
a) É necessário a anuência do adversário, a eficácia do negócio unilateral não carece de concordância de outrem;
b) Vigora, quanto aos negócios unilaterais, o princípio da tipicidade ou do “numerus clausus”;
c) Deve-se fazer a distinção entre negócios unilaterais receptícios (ou recepiendos), a declaração só é eficaz, se for e quando for dirigida e elevada ao conhecimento de certa pessoas; e negócios unilaterais não receptícios, basta a emissão da declaração sem ser necessário comunicá-la a quem quer que seja.
Acerca dos contratos, não são integrados por dois negócios unilaterais, cada uma das declarações (proposta e aceitação) é emitida em vista do acordo.
A proposta do contrato é irrevogável, depois de chegar ao conhecimento do destinatário (art. 230º CC), mantendo-se durante os lapsos de tempo referidos no art. 228º CC, sendo o contrato integrado por duas declarações, põe-se o problema de saber qual o momento da sua perfeição. O problema surge, quanto aos contratos entre ausentes, e tem interesse para efeitos vários. Várias doutrinas abordam a questão:
a) Doutrina da aceitação: o contrato está perfeito quando o destinatário da proposta aceitar a oferta que lhe foi feita;
b) Doutrina da expedição: o contrato está perfeito quando o destinatário expediu, por qualquer meio a sua aceitação;
c) Doutrina da recepção: o contrato está perfeito quando a resposta contendo a aceitação chega à esfera de acção do proponente, isto é, quando o proponente passa a estar em condições de a conhecer;
d) Doutrina da percepção: o contrato só está perfeito quando o proponente tomou efectivo da aceitação.
Do art. 224º CC, resulta consagrar o nosso direito a doutrina da recepção, que parece ser aliás, a preferível “de iure condendo”. Não será todavia necessário que a declaração chegue ao poder ou à esfera de acção do proponente, se, por qualquer meio, foi dele conhecida (art. 224º/1).

163. Consequências da distinção entre negócios bilateral e unilateral
• À própria distinção corresponde a estrutura do negócio, que é diferente consoante estejamos perante um negócio unilateral ou bilateral.
• Se só há uma parte, o negócio só fica perfeito com a declaração dessa vontade.
• Nos negócios bilaterais a perfeição depende sempre da conjugação de duas vontades divergentes, não existindo negócios enquanto elas não se ajustarem.
No Código Civil, é igualmente considerado como negócio jurídico bilateral, o acto constitutivo de uma sociedade. No entanto, há certos contratos que a lei considera negócios jurídicos, embora sejam de conteúdo determinado, como é o caso do casamento. Parece então que se pode definir o contrato como negócio jurídico unilateral ou plurilateral.
Há no entanto uma classificação que é privativa dos contratos, que deve ser referida pela sua importância:
• Contratos sinalagmáticos ou bilaterais: emergem de obrigações recíprocas para ambas as partes, sendo deste exemplo o contrato de compra e venda ou contrato de empreitada;
• Contratos não sinalagmáticos ou unilaterais: as obrigações emergentes vinculam só uma das partes, sendo deste exemplo o mútuo ou as doações.
Diz-se que o contrato sinalagmático decorre obrigações interdependentes, porque existem entre as obrigações é causa de outras obrigações. É este vínculo mútuo que se diz sinalágma, este vínculo existente entre obrigações dos diversos sujeitos, constitui-se no momento da celebração do negócio, e diz-se sinalágma genérico.
No entanto, este vínculo pode não ser simultâneo, gerando-se as obrigações em momentos diferentes para ambas as partes, só com o desenvolvimento da execução dessas obrigações para uma parte é que surgem as obrigações para actos administrativos outras partes. Fala-se então em sinalágma sucessivo.
A importância da distinção entre sinalagmáticos e não sinalagmáticos, reside no facto de os contratos do primeiro tipo terem um regime especial de características próprias:
- Excepção de não cumprimento: segundo esta excepção, a falta de cumprimento de uma das obrigações, sendo comum o tempo de cumprimento, ou ainda perdendo o contraente relapso ou benefício do prazo, justifica ainda o não cumprimento pela parte contrária (art. 428º CC);
- Condição resolutiva tácita: é um instituto que confere a uma das partes a faculdade de resolver o negócio, com fundamento na falta de cumprimento da outra parte (art. 801º/1 e 808º CC).

164. Negócios consensuais ou não solenes e negócios formais e solenes
Os negócios formais ou solenes, são aqueles para os quais a lei prescreve a necessidade da observância de determinada forma, o acatamento de determinado formalismo ou de determinadas solenidades. Os negócios não solenes (consensuais, tratando-se de contratos), são os que podem ser celebrados por quaisquer meios declarativos aptos a exteriorizar a vontade negocial, a lei não impõe uma determinada roupagem exterior para o negócio.
Quando o negócio é formal, as partes não podem realizar por todo e qualquer comportamento declarativo; a declaração negocial deve, nos negócios formais, realiza-se através de certo tipo de comportamento declarativo imposto por lei. Hoje o formalismo é exigido apenas para certos negócios jurídicos, é uniforme, traduzindo-se praticamente na exigência de documento escrito, e está assim simplificado, relativamente aos direitos antigos. O princípio geral do Código Civil em matéria de formalismo negocial é o princípio da liberdade declarativa ou liberdade de forma ou consensualidade (art. 219º CC).
Quando, nos casos excepcionas em que a lei prescrever uma certa forma, esta não for observada, a declaração negocial é nula.

165. Negócios reais
São aqueles negócios em que se exige, além das declarações de vontade das partes, formalizadas ou não, prática anterior ou simultânea de um certo acto material.
Assim, o negócio é real, obrigacional, familiar, sucessório, consoante dele resulte a constituição, a modificação ou a extinção de uma qualquer relação jurídica real, obrigacional, familiar ou sucessória. A importância desta classificação resulta da diversa extensão que o princípio da liberdade contratual (art. 405º CC) reveste em cada uma das categorias.
Quanto aos negócios familiares pessoais, a liberdade contratual está praticamente excluída, podendo apenas os interessados celebrar ou deixar de celebrar o negócio, mas não podendo fixar-lhe livremente o conteúdo, nem podendo celebrar contratos diferentes dos previstos na lei.
Quanto aos negócios familiares patrimoniais, existe, com alguma largueza, a liberdade de convenção (art. 1698º CC), sofrendo embora restrições (arts. 1699º 1714º CC).
Quanto aos negócios reais, o princípio da liberdade contratual sofre considerável limitação derivada do princípio da tipicidade ou do “numerus clausus”, visto que “não é permitida a constituição, com caracter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei” (art. 1306º). Só podem constituir-se direitos reais típicos, embora essa constituição possa resultar de um negócio inominado ou atípico.
No domínio dos negócios obrigacionais vigora o princípio da liberdade negocial, quase inconfinadamente, quanto aos contratos, abrangendo a liberdade de fixação do conteúdo dos contratos típicos, de celebração de contratos diferentes dos previstos na lei e de inclusão nestes quaisquer cláusulas (art. 405º CC); quanto aos negócios unilaterais, vigora porém, a princípio da tipicidade (art. 457º CC).

166. Negócios patrimoniais e negócios não patrimoniais ou pessoais
O critério distintivo é, também, o de natureza da relação jurídica a que o negócio se fere.
Os negócios pessoais são negócios cuja disciplina, quanto a problemas como o da interpretação do negócio jurídico e o da falta ou dos vícios da vontade, não têm que atender às expectativas dos declaratários e os interesses gerais da contratação, mas apenas à vontade real, psicológica do declarante. Esta prevalência da vontade real sobre a sua manifestação exterior exprime-se, por vezes quanto aos negócios pessoais, em textos especiais que se afastam da doutrina geral dos negócios jurídicos; na ausência de textos directos é um princípio, inferido da natureza dos interessados em jogo, que se impõe ao intérprete. Na disciplina dos negócios patrimoniais, por exigência da tutela da confiança do declaratário e dos interesses do tráfico, a vontade manifestada ou declarada triunfa sobre a vontade real, assim se reconhecendo “o valor social da aparência”.

167. Negócios recepiendos e não recepiendos
A distinção atende às diferentes modalidades pelas quais o negócio ganha eficácia. Os negócios não recepiendos, são os negócios em que os efeitos se produzem por meros efeitos do acto sem ter de o negócio ser levado ao conhecimento de outrem. Os negócios recepiendos ou dirigidos a outrem, são os negócios cuja eficácia depende da circunstância de a declaração negocial ser dirigida ou levada ao conhecimento de outra pessoa (art. 224º/1 CC).
Esta classificação tem por excelência aplicação nos negócios jurídicos unilaterais. Nestes casos, encontram-se com facilidade exemplos de negócios não recepiendos:
- Repúdio de herança;
- Actos constitutivos de fundação;
- Testamentos;
- Aceitação de herança.
Importa não confundir os negócios unilaterais que são dirigidos a outrem com a comunicação que tem de ser feita ao destinatário do negócio e com a aceitação por parte do mesmo. É que esta comunicação representa a mera condição de eficácia do negócio.

168. Negócios entre vivos e negócios “mortis causa”
Os negócios entre vivos, destinam-se a produzir efeitos em vida das partes, pertencendo a esta categoria quase todos os negócios jurídicos e na sua disciplina tem grande importância, por força dos interesses gerais do comércio jurídico, a tutela das expectativas da parte que se encontra em face da declaração negocial.
Os negócios mortis causa, destinam-se a só produzir efeitos depois da morte da respectiva parte ou de alguma delas. Os negócios desta categoria, são negócios “fora do comércio jurídico”, no sentido de que, na sua regulamentação, os interesses do declarante devem prevalecer sobre o interesse na protecção da confiança do destinatário dos efeitos respectivos. Tal diversidade dos interesses prevalecentes manifestar-se-á quanto a problemas, como a divergências entre a vontade e a declaração, os vícios da vontade, a interpretação, etc., negócios “mortis causa” é, inequivocamente, o testamento.

75. Negócios onerosos e negócios gratuitos
Esta distinção tem como critério o conteúdo e finalidade do negócio. Os negócios onerosos ou a título oneroso, pressupõem atribuições patrimoniais de ambas as partes, existindo, segundo a perspectiva destas, um nexo ou relação de correspectividade entre as referidas atribuições patrimoniais.
As partes estão de acordo em considerar, as duas atribuições patrimoniais como correspectivo uma da outra. Neste sentido pode dizer-se que no negócio oneroso as partes estão de acordo em que a vantagem que cada um visa obter é contrabalançada por um sacrifício que está numa relação de estrita casualidade com aquela vantagem. As partes consideram as duas prestações ligadas reciprocamente pelo vínculo da casualidade jurídica.
Os negócios gratuitos ou a título gratuito, caracterizam-se ao invés, pela intervenção de uma intenção liberal (“animus domandi, animus beneficiandi”). Uma parte tem a intenção devidamente manifestada, de efectuar uma atribuição patrimonial a favor de outra, sem contrapartida ou correspectivo. A outra parte procede com a consequência e vontade de receber essa vantagem sem um sacrifício correspondente.

169. Negócios parciários
São uma subespécie dos negócios onerosos. Caracterizam-se pelo facto de uma pessoa prometer certa prestação em troca, de uma qualquer participação nos proventos que a contraparte obtenha por força daquela prestação (ex. art. 1121º CC).

170. Negócios de mera administração e negócios de disposição
A utilidade da distinção, está relacionada com a restrição por força da lei ou sentença, dos seus poderes de gestão patrimonial dos administradores de bens alheios, ou de bens próprios e alheios, ou até nalguns casos (inabilitação), de bens próprios, aos actos de mera administração ou de ordinário administração.
Os actos de mera administração ou de ordinária administração, são os correspondentes a uma gestão comedida e limitada, donde estão afastados os actos arriscados, susceptíveis de proporcionar grandes lucros, mas também de causar prejuízos elevados. São os actos correspondentes a uma actuação prudente, dirigida a manter o património e aproveitar as sua virtualidades normais de desenvolvimento, “mas alheia à tentação dos grandes voos que comportam risco de grandes quedas”.
Ao invés, actos de disposição são os que, dizendo respeito à gestão do património administrado, afectam a sua substância, alteram a forma ou a composição do capital administrados, atingem o fundo, a raiz, o casco dos bens. São actos que ultrapassam aqueles parâmetros de actuação correspondente a uma gestão de prudência e comedimento sem riscos.


ELEMENTOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

171. Elementos do negócio jurídico
Relativamente ao negócio jurídico, há dois aspectos ter em conta:
1. Pressuposto do negócio jurídico ou requisito do negócio jurídico ou ainda elementos extrínsecos do negócio jurídico;
2. Elementos intrínsecos ou elementos constitutivos do negócio jurídico, aqui enquadra-se a forma e o conteúdo do negócio.
Entende-se, por forma, o modelo como o negócio se apresenta face aos outros negócios na vida da relação, na vida exterior do negócio. Por conteúdos, o que é intrinsecamente considerado no negócio.
Esta caracterização abrange realidades muitos concretas, donde se destaca a capacidade das partes, a legitimidade das partes e a idoneidade do objecto: sendo que estes são elementos do negócio jurídico.
Quando se analisa o negócio jurídico deve-se distinguir dois tipos de realidades: realidades lógica e ontologicamente anteriores ao negócio, ou seja, realidades que têm de existir para que o negócio possa existir; deve-se distinguir também a estrutura do negócio, as realidades que formam o negócio.
A regulação dos interesses funciona através de estipulações das partes e também através de estatuições da lei.
Na doutrina portuguesa há várias opiniões:
O prof. Paulo Cunha, distingue quatro categorias:
• Elementos necessários: aqueles que faziam com que o negócio tivesse humanidade própria, é essencial ao negócio, fazendo existir o negócio tal como ele é, a sua falta gera a nulidade;
• Elementos específicos: não interessam ao regime geral, mas interessam para a apreciação de um certo tipo de negócio;
• Elementos naturais: são inerentes à natureza jurídica daquele acto, decorrem da lei e correspondem aos efeitos que por lei estão estabelecidos para cada negócio;
• Elementos acidentais: os que não se incluem em nenhuma das categorias anteriores.
- Meros factos habilitantes do negócio, ficam na disponibilidade das partes (variáveis ou atípicos), implica a anulabilidade do negócio.

172. Estrutura do negócio jurídico
O conteúdo ou estrutura do negócio jurídico diz respeito aos elementos intrínsecos do negócio, deve ser entendido como objecto social pretendido com a celebração do negócio jurídico.
As realidades anteriores ao negócio, entendem-se como os pressupostos para que o próprio negócio possa existir, são esses pressupostos: a capacidade das partes, idoneidade dos objectos, são a estrutura do negócio.
O negócio jurídico é essencialmente um instrumento de regulação de interesses que se obtém através da estipulação das partes ou da própria lei que integra o negócio.
A regulação dos interesses usada pelas partes, alcança-se através da produção de efeitos que foram queridos pelas partes. A produção desses efeitos corresponde ao fim do negócio (função do negócio) e está em correspondência com o próprio dos negócios, e com a sua eficácia.
Há quatro grandes temas a analisar:
- Pressupostos do negócio;
- Estrutura do negócio;
- Fim ou valor do acto (efeitos).
O Código Civil, não se refere expressamente a esta matéria, ele ocupa-se do negócio jurídico, no desenvolvimento da matéria da relação jurídica nos arts. 217º a 333º. É neste corpo do Código que se encontra o fundamento do regime dos negócios jurídicos.

173. Pressupostos do negócio jurídico
O negócio jurídico enquanto acto humano e voluntário, implica sempre uma ou mais pessoas na sua feitura. Cada autor do negócio representa uma vontade que é consubstanciada numa declaração, pelo que, sem essas partes não existiria o negócio jurídico.
Os efeitos do negócio jurídico, não se referem necessariamente às partes que nele intervêm (não interessam só as pessoas), porque os efeitos de qualquer negócio jurídico podem interferir directa ou indirectamente com pessoas que foram alheias à feitura de negócio.
É preciso distinguir entre as posições ocupadas pelas partes e posições ocupadas por terceiros. Os efeitos dos negócios respeitam sempre a bens, e podem criar, modificar ou extinguir as situações de afectação dos mesmos à realização dos interesses das pessoas. Pode haver uma, duas ou mais partes no negócio jurídico. Alguém que emite uma declaração e alguém a quem essa declaração foi dirigida. A pessoa que emite a declaração chama-se declarante ou agente no negócio; e a pessoa que recebe a declaração é o declaratário ou o destinatário. Mas, o acto só se torna perfeito quando há o entrecruzar de uma ou mais declarações, ainda que uma delas seja uma simples aceitação de outra. As partes, a um tempo, são simultaneamente declarante e declaratário. Além das partes há os preceitos.
A regulação de interesses mantido no negócio jurídico, extravasa por vezes os interesses do próprio negócio e afecta terceiros que não ocupam no negócio a posição de partes.
Nem todos os terceiros no negócio podem ser tratados do mesmo modo:
• Terceiros imediatamente (verdadeiramente) interessados no negócio: pessoa a quem o negócio unilateral é dirigido ou a quem o seu conhecimento interesse;
• Terceiros mediatamente interessados no negócio: são pessoas de modo indirecto ou eventual, podem ser afectadas pelo negócio jurídico de outrem; podem ver os seus efeitos por um negócio celebrado entre sujeitos, no qual eles não são parte;
• Terceiros auxiliares: cooperam na feitoria do negócio, mas não estão nem mediata nem imediatamente interessados (intervêm acidentalmente no negócio);
• Terceiros indiferentes: demais pessoas alheias ao acto que não cabem nos anteriores.
A distinção entre parte e terceiros tem uma importância muito grande, no regime do negócio, prende-se com um aspecto fundamental no efeito do negócio. Quando os efeitos dos negócios jurídicos interferem com terceiros, os requisitos de eficácia do negócio perante terceiros, em certos casos, ficam dependentes de algumas formalidades. Os negócios jurídicos, quando estão aptos a produzir efeitos (entre partes) mas só podem valer quando sejam levados ao conhecimento desses terceiros, uma manifestação dessa transmissão são os actos sujeitos a registo.
Se alguns actos podem ser invocados perante terceiros, também a lei tem de facultar a terceiros meios para se acautelarem quando o efeito que as partes pretenderem com esses negócios não for favorável para eles.
174. Requisitos ou pressupostos gerais de validade dos negócios jurídicos
A capacidade, traduz-se num modo de ser ou qualidade do sujeito em si. No domínio dos negócios jurídicos fala-se de capacidade negocial de gozo (ou capacidade jurídica negocial) e da capacidade negocial de exercício.
A capacidade negocial de gozo, é a susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações derivados do negócio jurídico. Contrapõe-se-lhe a incapacidade negocial de gozo, que representa um absoluto impedimento ou proibição da titularidade de tais relações e, como tal, é insuprível.
A capacidade negocial de exercício, é a idoneidade para actuar juridicamente, exercendo ou adquirindo direitos, cumprindo ou assumindo obrigações, por actividade própria ou através de um representante voluntário. Contrapõe-se-lhe a incapacidade negocial de exercício, que representa um impedimento ou proibição não absoluta da realização de negócios e, como tal, é suprível pelos institutos da representação ou da assistência.
A legitimidade, é uma relação entre o sujeito e o conteúdo do acto (a relação jurídica que está em jogo no negócio). Contrapõe-se-lhe a ilegitimidade, ou seja, a falta de tal modo que o sujeito não pode com a sua vontade afectar esse direito ou essa obrigação.

175. Consequências da falta de legitimidade
O negócio praticado por uma pessoa não legitimada para interferir com os interesses que esse negócio regula, fica enfermo por um vício que vai afectar necessariamente o valor jurídico do negócio.
O Código Civil não se ocupa especificamente da legitimidade, não tem um regime unitário sistematizado para este instituto, portanto está fragmentado pelo Código. A análise das múltiplas situações do Código Civil, permite ter um conhecimento da diversidade de valores negativos reportados aos diversos negócios que se compreendem entre a nulidade, a anulabilidade e a ineficácia.
Põe-se a questão de saber se alguns destes valores podem ser considerados protótipos da falta de legitimidade. É corrente apontarem o regime da nulidade como típico dos negócios relativos a um direito que não tem titularidade. É o caso específico do regime da venda de coisa alheia como própria (art. 892º CC). Neste caso o acto é nulo entre o devedor não pode opor ao titular qualquer direito. Podem considerar-se ilegitimidades, o autor do negócio exceder os poderes que lhe tinham sido conferidos ou as situações dos que actuam sem as autorizações requeridas por lei – sem requisitos de legitimidade. Em situações como esta, a sanação é a anulabilidade, e é exemplo a falta de legitimidade no exercício do poder paternal. Assim, aqueles que actuam para além dos poderes que lhe foram conferidos, ou sem legitimidade, vêm como sanção a anulabilidade (art. 1893º e 1940º). O regime da anulabilidade é estatuído na lei para resolver certas ilegalidade conjugais.
As consequências negociais da falta de legitimidade no valor do negócio que é afectado por certos vícios, nem sempre são irremediáveis. E por isso o Código Civil, dá muita atenção à legitimidade superveniente do negócio. Pode haver lugar à convalidação do negócio, se isso se verificar, o negócio torna-se válido como se não tivesse havido ilegitimidade (art. 875º CC).

176. Objecto negocial
Esta palavra tem um sentido próprio. Pode ser entendida como conteúdo do negócio ou conjunto de efeitos que o negócio visa produzir; pode ser entendido como sinónimo da realidade sobre quem recaem os efeitos do negócio.
No primeiro caso fala-se em objecto negocial em sentido jurídico – objecto imediato; no segundo caso fala-se em objecto negocial em sentido material – objecto mediato.
O Código Civil, ocupa-se desta matéria nos arts. 280º e segs. e usa a expressão em sentido amplo. O objecto em sentido material: para existir um negócio jurídico este pressupõe a existência de um bem, sobre o qual incidem os efeitos que esse negócio pretende produzir. No entanto, para que o negócio jurídico se constitua validamente, não basta a existência de um bem, torna-se necessário que o objecto do negócio tenha certos atributos, os quais são estabelecidos pela lei como condição de validade do acto. Se esses requisitos não se verificarem o objecto é inidóneo. Se se verificarem o objecto é idóneo. Os requisitos de idoneidade do negócio são três e estão formulados no art. 280º CC:
• Licitude;
• Possibilidade física;
• Determinabilidade.

177. Possibilidade legal e não contrariedade à lei (ilicitude)
O Código Civil distingue entre impossibilidade legal e contrariedade à lei (ilicitude, consiste na não conformidade do acto jurídico com a lei), como sendo duas vicissitudes distintas que pode conhecer o objecto negocial.
No plano do objecto negocial, a licitude existe quando a lei não permite que sobre certa realidade possam incidir os efeitos de determinado negócio jurídico – há uma ilicitude do objecto jurídico. Há ilicitude quando por disposição legal, certo acto ilícito não pode ser objecto do negócio jurídico.
Será impossível legalmente o objecto de um negócio quando a lei ergue a esse objecto um obstáculo tão insuperável como o que a leis da natureza põem aos fenómenos fisicamente impossíveis. Ora o impedimento legal deste tipo só pode existir em relação a realidades de carácter jurídico.
Será contrário à lei (ilícito), o objecto de um negócio quando viola uma disposição da lei, isto é, quando a lei não permite uma combinação negocial com aqueles efeitos. Note-se que devem ser considerados contrários á lei, não só os negócios que frontalmente a ofendam (negócio “contra legem”), mas também, quando se constate, por interpretação, que a lei quis impedir, de todo em todo, um certo resultado, os negócios que procuram contornar uma proibição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei expressamente previu e proibiu (negócios em fraude à lei).
Quanto ao objecto negocial, pode-se dizer que é ilicitude mediata, a contrariedade á ordem pública ou quando o acto é também ofensivo dos bons costumes. Ilicitude imediata, existe quando há violação de uma regra que proíbe esse negócio.

178. Possibilidade física
Significa que não há qualquer impossibilidade material ou natural (derivada da natureza das coisas) do objecto do negócio.
Este requisito da idoneidade do objecto refere-se ao objecto mediato ou material do negócio: a coisa ou prestação.
O art. 401º/3 CC, permite concluir que só a possibilidade objectiva invalida o negócio e não já a simples impossibilidade subjectiva, isto é, a que se verifica apenas em relação à pessoa do devedor. Sem essa possibilidade, o objecto negocial é inidóneo. A impossibilidade do objecto pode ser ferida no momento da celebração do negócio – impossibilidade originária – ou no momento do cumprimento do negócio – impossibilidade superveniente. Pode-se dar o caso de o negócio ser possível no momento em que é celebrado entre as partes, e ser impossível mais tarde. O inverso também é possível.
Impossibilidade originária, a impossibilidade do objecto negocial poder revestir diversas modalidades. Há que se ter em conta, seja impossibilidade física, só o objecto do negócio é uma coisa ou se é uma prestação, esta impossibilidade do objecto pode ser:
• Objectiva, quando existe em relação à generalidade das pessoas e não apenas em relação à pessoa do devedor; subjectiva, quando atente apenas á pessoa do devedor.
- Prestação de coisa fungível, não é impossível porque pode ser sempre realizada por outra pessoa, sendo certo que a prestação de coisa infungível é impossível. Só a impossibilidade objectiva gera idoneidade do objecto.
• Definitiva, quando o obstáculo que inviabiliza o objecto do negócio não pode ser removido, nem mesmo no futuro, e temporária.
- Impossibilidade física do objecto negocial, quando o objecto é uma coisa, pode assumir mais que uma configuração, pode haver impossibilidade física se o negócio incidir sobre uma realidade que não é ela própria coisa em sentido jurídico.
• Absoluta, em certos casos, o objecto não é de todo impossível, no entanto, a sua concretização envolve o devedor, o que apresenta uma grande dificuldade impossibilidade relativa ou mera dificuldade.

179. Determinabilidade
O objecto negocial deve estar individualmente concretizado no momento do negócio ou pode vir a ser individualmente determinado, segundo um critério estabelecido no contrato ou na lei. Esta exigência refere-se, sobretudo ao objecto mediato do negócio (art. 400º CC).
Devem considerar-se nulos por falta deste requisito, os negócios cujo objecto não foi determinado nem é determinável, por nem as partes nem a lei terem estabelecido o critério de harmonia com o qual se deva fazer a individualização do objecto.
ESTRUTURA DO NEGÓCIO JURÍDICO

180. Estrutura do negócio jurídico
São elementos essenciais da estrutura do negócio jurídico:
• A Vontade;
• A Declaração;
• A Causa.
A vontade, é nesta estrutura o elemento interno do negócio jurídico, sendo que é um elemento (interno) psicológico e por isso subjectivo.
A declaração, é um elemento externo, pelo que configura uma situação objectiva. O facto de se dar primazia à vontade ou à declaração, no regime do negócio está relacionada com a relevância que cada um deles tem no negócio. Não se traduz numa opção inocente, uma vez que é daqui que resulta uma maior ou menor relevância dos interesses nos negócios jurídicos.

181. Declaração negocial como verdadeiro elemento do negócio jurídico
O Código Civil regula a declaração negocial nos arts. 217º e segs. trata-se de um verdadeiro elemento do negócio, uma realidade componente ou constitutiva da estrutura do negócio.
A capacidade de gozo ou de exercício e a legitimidade são apenas pressupostos ou requisitos de validade, importando a sua falta uma invalidade. A idoneidade do objecto negocial é, igualmente, um pressuposto ou requisito de validade, pois a sua falta implica a nulidade do negócio. Diversamente, a declaração negocial é um elemento verdadeiramente integrante do negócio jurídico, conduzindo a sua falta à inexistência material do negócio.

182. Conceito de declaração negocial
Pode definir-se, como a declaração da vontade negocial como o comportamento que, exteriormente observado cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando, depois a vontade negocial como a intenção de realizar certos efeitos práticos como ânimo de que sejam juridicamente tutelados ou vinculantes.
A declaração pretende ser o instrumento de exteriorização da vontade psicológica do declarante.
A essência do negócio, expressa no Código Civil (arts. 257º, 147º, 136º…), não está numa intenção psicológica, nem num meio de a exteriorizar, mas num comportamento objectivo, exterior, social, algo que todavia, não se confunde com um formalismo ritual, como é próprio das fases mais primitivas de evolução jurídica e que normalmente, tem ou teve subjacente um elemento subjectivo, uma vontade, por parte do seu autor, coincidente com o significado que assume na vida da relação.

183. Breve referência aos actos jurídicos de natureza não negocial
O Código Civil não dá uma definição de carácter dogmático do negócio jurídico, nem aos Códigos cabe formular definições dessa natureza, pertencendo essa função à doutrina.
O art. 195º CC, manda aplicar aos actos negociais, na medida em que a analogia das situações o justifique. Daí que se infere que não se aplicarão aquelas normas, sempre que não haja uma verdadeira analogia de situações.
Sempre que por um acto pessoal – perfilhação, adopção, etc. – for relevante como causa de invalidade um qualquer fundamento (ex. erro), deve entender-se, na falta de preceito especial que a relevância desse fundamento não exige o conhecimento, cognoscibilidade ou suspeita da sua existência pela contraparte, por não haver aqui dado o conteúdo do negócio quaisquer expectativas dignas de tutela.
Aos actos pessoais, e mesmo que a lei o não diga expressamente, não se aplicam, portanto as disposições inspiradas pela tutela da confiança dos declaratários e da segurança e celeridade do comércio jurídico.
Os quase-negócios jurídicos ou actos jurídicos quase-negociais traduzem-se na manifestação exterior de uma vontade e existe quase sempre uma consciência e até uma intenção de relevância jurídica da vontade exteriorizada. Aplicar-se-lhe-ão, em regra, as normas sobre capacidade, recepção da declaração pelo destinatário, interpretação, vícios da vontade e representação.

184. Elementos constitutivos normais da declaração negocial
Numa declaração negocial podem distinguir-se normalmente os seguintes elementos:
a) Declaração propriamente dita (elemento externo) – consiste no comportamento declarativo;
b) A vontade (elemento interno) – consiste no querer, na realidade volitiva que normalmente existirá e coincidirá com o sentido objectivo da declaração.
O elemento interno – a vontade real – pode decompor-se em três subelementos:
a) Vontade de acção, consiste na voluntariedade (consciência e intenção) do comportamento declarativo, pode faltar vontade de acção.
b) Vontade da declaração ou vontade da relevância negocial da acção, consiste em o declarante atribuir ao comportamento querido o significado de uma declaração negocial; este subelemento só está presente, se o declarante tiver consciência e a vontade de que o seu comportamento tenha significado negocial vinculativo. A declaração deve corresponder a um “sic volo sic jubeo”, vinculativo do declarante, pode haver vontade da declaração.
c) Vontade negocial, vontade do conteúdo da declaração ou intenção do resultado, consiste na vontade de celebrar um negócio jurídico de conteúdo coincidente com o significado exterior da declaração. É na vontade efectiva correspondente ao negócio concreto que apareceu exteriormente declarado, pode haver um desvio na vontade negocial.

185. Declaração negocial expressa e declaração negocial tácita
Os negócios jurídicos, realizam uma ampla autonomia privada, na mediada em que, quanto ao seu conteúdo, vigora o princípio da liberdade negocial (art. 405º CC). Quanto à forma (“lato sensu”) é igualmente reconhecido pelo ordenamento jurídico um critério de liberdade: o princípio da liberdade declarativa (arts. 217º e 219º CC).
O critério da distinção entre declaração tácita e expressa consagrada pela lei (art. 217º CC) é o proposto pela teoria subjectiva: a declaração expressa, quando feita por palavras, escrito ou quaisquer outros meios directos, frontais, imediatos de expressão da vontade e é tácita, quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas implica e torna cognoscível, “a latere”, um autoregulamento sobre outro ponto (“quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”).
Em conformidade com o critério de interpretação dos negócios jurídicos consagrado no Código Civil (art. 236º), deve entender-se que a concludência dum comportamento, no sentido de permitir concluir “a latere” um certo sentido negocial, não existe a consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito, bastando que, objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante. A possibilidade de um negócio formal ser realizado através de declaração tácita está expressamente reconhecida pelo art. 217º/2 CC.

186. O valor do silêncio como meio declarativo
Trata-se, principalmente de saber se o silêncio pode considerar-se um facto concludente (declaração tácita) no sentido da aceitação de propostas negociais.
O Código Civil, resolve o problema no art. 218º, estabelecendo que o silêncio não vale como declaração negocial, a não ser que esse valor lhe seja atribuído por lei, convenção ou uso.
O silêncio é, em si mesmo, insignificativo e quem cala pode comportar-se desse modo pelas mais diversas causas, pelo que deve considerar-se irrelevante – sem dizer sim, nem não – um comportamento omissivo. De outro modo, ao enviar a outrem uma proposta de contrato estaria a criar-se-lhe o ónus de responder, a fim de evitar a conclusão do negócio, o que viola a ideia de autonomia das pessoas.
Afasta-se igualmente a ideia de que o silêncio vale declaração quando o silenciante podia e devia falar (“qui tacet con sentire videtur loqui potuit ac debuit”). Não seria isento de dúvidas quando é que alguém podia e devia falar.
O silêncio não tem qualquer valor como declaração negocial, em princípio – não é eloquente. Só deixará de ser assim quando a lei, uma convenção negocial ou o uso lho atribuam. Não basta ter-se estabelecido um dever de responder. É necessário que resulte da lei, de convenção ou de uso que a ausência de resposta tem um certo sentido.

187. Declaração negocial presumida, declaração negocial ficta
A declaração negocial presumida, tem lugar quando a lei liga a determinado comportamento o significado de exprimir uma vontade negocial, em certo sentido, podendo-se ilidir-se tal presunção mediante prova em contrário (art. 350º/1/2 CC).
A declaração negocial ficta, tem lugar sempre que a um comportamento seja atribuído um significado legal tipicizado, sem admissão de prova em contrário (presunção “iuris et iure” ou absoluta ou irredutível, art. 350º/2 CC).
O regime regra é o de as presunções legais poderem ser ilididas mediante prova em contrário, só deixando de ser assim quando a lei o proibir (art. 350º/2 CC). Quer dizer: salvo os casos excepcionais consagrados na lei, as presunções legais são presunções “tantum iuris”.

188. Protesto e reserva
Emitido certo comportamento declarativo, pode o seu autor recear que lhe seja imputado, por interpretação, um certo sentido para impedir, o declarante afirma abertamente não ser esse o seu intuito.
A esta contradeclaração dá-se o nome de protesto. O protesto tem o nome de reserva, quando consiste na declaração de um certo comportamento não significa renúncia a um direito próprio, ou reconhecimento de um direito alheio.
Afirma-se comummente que o protesto não vale quando o comportamento declarativo só consente a interpretação contra a qual o declarante se quer acautelar. É o pensamento expresso no aforismo “protestatio facto contrario nihil relevat”. A validade deste aforismo não tem, porém um alcance absoluto.

189. Forma da declaração negocial
O formalismo negocial tem as seguintes vantagens:
a) Assegura uma mais elevada dose de reflexão das partes. Nos negócios formais, o tempo, que medeia entre a decisão de concluir o negócio e a sua celebração, permite repensar o negócio e defende as partes contra a sua ligeireza ou precipitação. No mesmo sentido concorre a própria solenidade do formalismo.
b) Separa os termos definitivos do negócio da fase pré-contratual (negociação).
c) Permite uma formulação mais precisa e completa da vontade das partes.
d) Proporciona um mais elevado grau de certeza sobre a celebração do negócio e por seu turno, evitando-se os perigos ligados à falível prova por testemunhas.
e) Possibilita uma certa publicidade do acto, o que interessa ao esclarecimento de terceiros.
Estas vantagens pagam-se porém, pelo preço de dois inconvenientes principais:
a) Redução da fluência e celeridade do comércio jurídico;
b) Eventuais injustiça, derivadas de uma desvinculação posterior de uma parte do negócio, com fundamento em nulidade por vício de forma, apesar de essa parte ter querido efectivamente o acto jurídico negociável.
Ponderando as vantagens e inconvenientes do formalismo negocial, sancionou o Código Civil (art. 219º) o princípio da liberdade de forma ou da consensualidade. Considerando, quanto a certos negócios, prevalecerem as vantagens sobre os inconvenientes, admitiu, porém, numerosas e importantes excepções a esse princípio.
O formalismo exigível para um certo negócio pode ser imposto por lei (forma legal) ou resultar de uma estipulação ou negócio jurídico das partes (forma convencional).
O reconhecimento das estipulações das partes sobre forma do negócio não significa que os particulares possam afastar, por acordo, as normas legais que exigem requisitos formais para certos actos, pois trata-se de normas imperativas. O reconhecimento da forma convencional significa apenas, poderem as partes exigir determinados requisitos para um acto, pertencente a um tipo negocial que a lei regula como não formal ou sujeita a um formalismo menos solene.
O negócio dirigido à fixação de uma forma especial para um ulterior negócio não está sujeito a formalidades (art. 223º CC). O Código Civil consagrou a regra dos pactos abolitivos ou extintivos, na medida em que estatui, em princípio, que as estipulações acessórias anteriores ao negócio ou contemporâneas dele devem revestir a forma exigida pela lei para o acto, sob pena de nulidade (art. 221º). Admite-se contudo, na mesma disposição, restrições a este princípio. Reconhece-se a validade de estipulações verbais anteriores ao documento exigido para a declaração negocial ou contemporâneas dele, desde que se se verifiquem, cumulativamente, as condições:
a) Que se trate de cláusulas acessórias;
b) Que não sejam abrangidas pela razão de ser da exigência do documento;
c) Que se prove que correspondem à vontade das partes.
A possibilidade de as estipulações acessórias não formalizadas, a que se refere o art. 221º, produzirem efeitos é bem menos do que “prima facie” pode parecer. Isto dado disposto no art. 394º que declara inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos autênticos ou particulares.
Quanto aos pactos modificativos e aos pactos extintivos ou abolitivos o art. 221º/2, dispensa-os de forma legal prescrita para a declaração, se as razões da exigência especial da lei não lhes forem aplicáveis.

190. Consequências da inobservância da forma
a) Distinção doutrinal entre formalidades “ad substatian”, são insubstituíveis por outro género de prova, gerando a sua falta a nulidade do negócio, enquanto a falta das formalidades simplesmente “ad probationem”, pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir.
b) Consequências da inobservância da forma no nosso direito:
• Inobservância da forma legal: em conformidade com a orientação da generalidade das legislações e com os motivos de interesse público que determinam as exigências legais de forma, o Código Civil liga à inobservância da forma legal a nulidade, e não a mera anulabilidade (arts. 289º, 473º, 482º…). A nulidade deixará de ser a sanção para a inobservância da forma legal, sempre que, em casos particulares, a lei define outra consequência (art. 220º CC).
• Inobservância da forma convencional: rege a este respeito o art. 223º. É obvio que, tratando-se de averiguar quais as consequências da falta de requisitos formais que a lei não exige, mas as partes convencionaram, a resposta ao problema posto deve ser pedida, em primeiro lugar, à vontade das partes. O art. 223º limita-se a estabelecer presunções que, como todas as presunções legais, são em princípio meramente relativas ou “tantum iuris” (art. 350º CC). Essas presunções são duas, variando com o facto que é da presunção, assim:
1. Se a forma especial foi estipulada antes da conclusão do negócio, consagra-se uma presunção de essencialidade, isto é, presume-se que, sem a observância da forma, o negócio é ineficaz, a forma tem, pois, carácter constitutivo;
2. Se a forma foi convencionada após o negócio ou simultaneamente com ele, havendo, nesta última hipótese, fundamento para admitir que as partes e quiseram substituir o negócio, suprimindo-o e concluindo-o de novo, mas apenas visaram consolidá-lo por qualquer outro efeito.

191. Perfeição da declaração negocial
O contrato está perfeito quando a resposta, contendo a aceitação, chega á esfera de acção do proponente, isto é, quando o proponente passa a estar em condição de a conhecer. Concretizando algo mais: quando a declaração de aceitação foi levada à proximidade do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais, este possa conhecê-la, em conformidade com os seus usos pessoais ou os usos de tráfico.
A retracção ou revogação da proposta ou da aceitação tem lugar, se a declaração revogatória chegou ao poder de outra parte ao mesmo tempo ou antes do que as declarações de proposta ou de aceitação; releva, para este efeito a relação temporal da possibilidade de conhecimento, não a ordem do conhecimento efectivo.
Registe-se que uma proposta contratual só existirá se for suficientemente precisa, dela resultar a vontade de o seu autor se vincular e houver consciência de se estar a emitir uma verdadeira declaração negocial.
Em relação com esta matéria da perfeição da declaração negocial e da formação dos contratos, merece destaque o art. 227º CC, que manda pautar a conduta das partes pelos princípios da boa fé, entendida esta num sentido ético, quer durante a fase negociatória, quer durante a fase decisória do contrato.
O dano a ser ressarcido pela responsabilidade pré-contratual é o chamado dano da confiança, resultante de lesão do interesse contratual negativo. Quer dizer: deve colocar-se o lesado na situação em que estaria, se não tem chegado a depositar uma confiança, afinal frustada, na celebração dum contrato válido e eficaz. Coisa diversa seria a reparação do interesse contratual positivo, que consistiria em colocar as coisas na situação correspondente ao cumprimento de um contrato válido.

192. Vontade
O negócio jurídico tem de ser entendido como um acto de vontade pelo qual os particulares ordenaram os seus interesse. No entanto à necessidade de uma exteriorização dessa vontade resultando do acto negocial. Esta exteriorização, representa uma auto-ordenação de interesses, porque vai-se tentar projectar na esfera jurídica de outrem a vontade, isto de modo a que se apreenda a vontade.
A exteriorização da vontade, constitui uma condicionante objectiva da estrutura do negócio e cria uma tenção entre a vontade e a declaração, caso estas não coincidam.
A declaração tomada na sua objectividade não corresponde ao que o autor pretendia traduzir através dessa mesma declaração. A vontade é a causa jurídica dos efeitos do negócio, mas a declaração é a causa absoluta dos efeitos da vontade.
É ao autor do negócio, que deve adoptar o meio que o melhor represente a vontade. Tem de suportar o ónus de expressar a vontade. Impõe ao declarante a responsabilidade, o sentido atribuível ao seu comportamento negocial. O próprio autor da declaração não pode ignorar que o negócio vale segundo a declaração que ele emitiu.
A confiança do declaratário também tem os seus limites porque lhe incumpre o ónus de diligência no entendimento da declaração. No cuidado e atenção do apuramento da intenção do declarante segundo as intuições do declarante. Pode acontecer, estarmos perante sentidos não ajustáveis à vontade.
Se esse ajustamento for insanável temos que sustentar que o negócio é nulo porque o objecto deste é indeterminável.
Cabe ao Direito estabelecer os condicionalismos desta situação. A vontade relevante dos interesses privados é aquela que a Ordem Jurídica considera atendivel, à vontade normativa que pode no seu conteúdo não incidir com a vontade real do autor do negócio.
Quando se analisa a vontade e a declaração tem-se que ter em consideração os interesses dos destinatários do negócio e a divergência entre vontade e declaração.
A caracterização do negócio jurídico impõe um papel importante na vontade, para que haja negócio jurídico para além do acto ser desejado, tem de haver a vontade do autor do acto, estar dirigida para os efeitos do acto, que se produzem pela circunstância do acto ser produzido. O conteúdo substancial desta categoria de acto voluntário não se pode deixar de reconhecer à vontade o papel do negócio. A exteriorização da vontade faz-se através da declaração, e é condicionante objectiva da estrutura do negócio.
As posições dogmáticas repartem-se entre:
• Voluntarista ou subjectivista, atribuindo-se aqui a primazia à vontade na estrutura do negócio;
• Declarativista ou objectivista, atribuindo-se agora o papel mais relevante à declaração.
O negócio jurídico é um acto de vontade, mas este não pode valer só por si, porquanto a mera vontade não pode ser atendida enquanto não for exteriorizada, fazendo-se essa exteriorização através da declaração.
A declaração não é um simples instrumento de manifestação da vontade (corporiza-se na declaração e forma um todo), sendo por isso que os autores defendem que a vontade purpuriza-se na declaração formando com ele um todo, todo esse que é incidível e que forma efectivamente o negócio jurídico, dizendo-se por isso que a declaração é o elemento inseparável do negócio. Não obstante, é a vontade que é a causa dos efeitos jurídicos do negócio.
A falta de qualquer dos seus elementos declarativos se traduz na falta do verdadeiro suporte jurídico do negócio, não se podendo impor a qualquer pessoa, uma vontade não manifestada, uma vontade de que essa pessoa não tem conhecimento.
A moderna teoria da vontade impõe ao declarante a responsabilidade pelo sentido que possa ser atribuível ao seu comportamento negocial. E é por isso que, se esse comportamento traduz um sentido que não corresponde à real intenção do seu autor, implica que esse mesmo autor não possa obstar a que lhe seja oposto esse comportamento negocial atendivel pelo homem comum, sendo que o valor do negócio é algo que o autor da declaração não pode deixar de atender.
O declarante tem à sua disposição um conjunto de meios declarativos, podendo por esse meio o declaratário aferir se o comportamento do declarante é um comportamento ambíguo ou extravagante, sendo certo que o sentido perceptível da declaração tem de ser sempre imputada ao declarante. A vontade relevante é a que a ordem jurídica considerar atendivel, sendo que essa vontade do autor do negócio.
Em sede de interpretação do negócio jurídico, a prevalência do sentido correspondente à vontade real do declarante sofre limites importantes porque consagra o ónus de determinado comportamento (arts. 236º/2, 224º/1, 280º/1 CC); pode vir a ser confrontado com um entendimento contrário.
No art. 237º CC, não entrando o legislador em sentido contrário à doutrina das regras anteriores, não quis no entanto deixar por resolver estas situações de casos duvidosos, antes procurar a sua integração.
A vontade tem de ser:
- Funcional;
- De declaração;
- De acção.
A falta de qualquer desses comportamentos compromete a eficácia do negócio. O regime da vontade é estabelecido em função da declaração, cabendo à lei fixar o regime do negócio. Certo é que sem declaração não há negócio.
A vontade juridicamente relevante pode sem coincidir necessariamente com a vontade real, pode ser afixada pela norma em determinadas condições. Há ainda a considerar os casos em que os efeitos foram queridos pelo autor, segundo uma vontade viciada – casos de vícios de formação de vontade erro e medo.
Vontade normativa, (quando o direito valora essa mesma vontade) a relevância que é atribuída à vontade para além dos limites do princípio da autonomia privada. Tem-se que considerar os limites que decorrem da necessidade da tutela dos interesses de que são portadores as próprias pessoas, porque nelas se vão projectar os efeitos de manifestação de vontade, e são esses efeitos legais que o direito tem obrigação de considerar.
Interessa sobremaneira o caso dos efeitos queridos pelo autor da declaração segundo uma vontade funcional, viciada na sua formação da vontade. É o que ocorre quando se verifica o vício na formação da vontade, como sejam o medo e o erro.
A vontade negocial é sempre uma vontade em sentido jurídico, e é por isso que se fala em vontade normativa tal como o Direito valora.
São requisitos da relevância da vontade a:
• Maturidade;
• Liberdade;
• Esclarecimento;
• Licitude da motivação.
A falta destes requisitos gera necessariamente:
• Incapacidade (maturidade);
• Vício da formação da vontade (liberdade, esclarecimento);
• Ilicitude (licitude dos motivos).
Quando não haja qualquer vício da vontade, o negócio concretiza-se. No entanto o Direito admite que o autor material da declaração não seja por vezes a pessoa sobre cuja esfera jurídica os efeitos se projectam.

A DIVERGÊNCIA ENTRE A VONTADE E A DECLARAÇÃO

193. Formas possíveis de divergência
Normalmente o elemento interno (vontade) e o elemento externo da declaração negocial (declaração propriamente dita) coincidirão.
Pode, contudo, verificar-se por causas diversas, uma divergência entre esses dois elementos da declaração negocial. A normal relação de concordância entre a vontade e a declaração (sentido objectivo) é afastada, por razões diversas, em certos casos anómalos. À relação normal de concordância substitui-se uma relação patológica. Está-se perante um vício da formulação da vontade.
Esse dissídio ou divergência entre vontade real e a declaração, entre “querido” e o “declarado”, pode ser uma divergência intencional, quando o declarante emite, consciente e livremente uma declaração com um sentido objectivo diverso da sua vontade real. Está-se perante uma divergência não intencional, quando o dissídio em apreço é involuntária (porque o declarante se não apercebe da divergência ou porque é forçado irresistivelmente a emitir uma declaração divergente do seu real intento).
A divergência intencional pode apresentar-se sob uma de três formas principais:
a) Simulação: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, por força de um conluio com o declaratário, com a intenção de enganar terceiros.
b) Reserva mental: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, sem qualquer conluio com o declaratário, visando precisamente enganar este.
c) Declarações não sérias: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, mas sem intuito de enganar qualquer pessoa (declaratário ou terceiro). O autor da declaração está convencido que o declaratário se apercebe do carácter não sério da declaração. Pode tratar-se de declarações jocosas, didácticas, cénicas, publicitárias, etc.…
A divergência não intencional pode consistir:
• Erro-obstáculo ou na declaração: o declarante emite a declaração divergente da vontade, sem ter consciência dessa falta de coincidência.
• Na falta de consciência da declaração: o declarante emite uma declaração sem sequer ter consciência (a vontade) de fazer uma declaração negocial, podendo até faltar completamente a vontade de agir.
• Coacção física ou violência absoluta: o declarante é transformado num autómato, sendo forçado a dizer ou escrever o que não quer, não através de uma mera ameaça mas por força do emprego de uma força física irresistível que o instrumentaliza e leva a adoptar o comportamento.

194. Teorias que visam resolver o problema da divergência entre a vontade e a declaração
a) Teoria da vontade: propugna a invalidade do negócio (não vale nem a vontade real nem a declarada), desde que se verifique uma divergência entre a vontade e a declaração e sem necessidade de mais requisitos.
b) Teoria da culpa “in cotrahendo”: parte da teoria da vontade, mas acrescenta-lhe a obrigação de indemnizar a cargo do declarante, uma vez anulado o negócio com fundamento na divergência, se houve dolo ou culpa deste no dissídio entre a vontade e a declaração e houve boa fé por parte do declaratário; a indemnização visa cobrar o chamado interesse contratual negativo ou interesse da confiança, isto é, visa repor o declaratário, lesado com a invalidade, na situação em que estaria se não tivesse chegado a concluir o negócio.
c) Teoria da responsabilidade: enquanto a teoria da vontade arranca da consideração de que a essência do negócio está apenas na vontade do declarante (dogma da vontade), a teoria da declaração, embora de modo diverso, em conformidade com as suas modalidades, dá relevo fundamental à declaração, ou seja, ao que foi exteriormente manifestado. Comporta diversas modalidades:
1) Modalidade primitiva e externa, características dos direitos formalistas onde se consagra uma adesão rígida à expressão literal – se a forma ritual foi observada, produzem-se certos efeitos, mesmo que não tenham sido queridos.
2) As modalidades modernas e atenuadas, em particular a doutrina da confiança, a divergência entre a vontade real e o sentido objectivo da declaração, isto é, o que um declaratário razoável lhe atribuíra, só produz a invalidade do negócio se for conhecida ou cognoscível do declaratário.

195. Simulação: conceito e elementos
As partes acordam em emitir declarações não correspondentes à sua vontade real, com intuito de enganar terceiros (art. 240º/1 CC). Esta operação, é uma operação complexa que postula três acordos:
1. Um acordo simulatório: visa a montagem da operação e dá corpo à intenção de enganar terceiros.
2. Um acordo dissimulado: exprime a vontade real de ambas as partes, visando o negócio verdadeiramente pretendido por elas, ou um puro e simples retirar de efeitos ao negócio simulado.
3. O acordo simulado, traduz uma aparência de contrato destinado a enganar a comunidade jurídica.
Na simulação as partes tem uma única vontade, a vontade simulada, que por definição implica a dissimulada e implica a simulatória. No art. 240º, pede-se três requisitos:
1. Acordo entre declarante e declaratário;
2. No sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes;
3. Com o intuito de enganar terceiros.
Todos estes requisitos têm de ser invocados e provocados por quem pretender prevalecer-se do regime da simulação. Este acordo entre declarante e declaratário, é muito importante, até para que se fique prevenido contra uma certa confusão que possa haver do erro e a simulação, ou da reserva mental e da simulação. A divergência entre a vontade e a declaração também surge nesta figura como um dado essencial da existência da simulação. O intuito de enganar terceiros (não confundir com intenção de prejudicar terceiros, porque o que se passa é que haja criação de uma aparência).

196. Modalidades de simulação
Uma primeira distinção é a que se estabelece entre simulação inocente, se houve o mero intuito de enganar terceiros, sem os prejudicar (“animus decipiendi”); e simulação fraudulenta, se houver o intuito de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar qualquer norma da lei (“animus nocendi”). Esta distinção é aludida no art. 242º/1, in fine, revelando a mesma disposição legal a ausência de interesses civilísticos da referida dicotomia.
Outra distinção e a que se faz entre simulação absoluta, as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio jurídico, há apenas o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais (“colorem habet substantian vero nullam”); e simulação relativa, as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso.
Pelo art. 241º/2 CC, enquanto o negócio simulado é nulo, e na simulação se não põe mais nenhum problema, na simulação relativa surge o problema do tratamento a dar ao negócio dissimulado ou real que fica a descoberto com a nulidade do negócio simulado.

197. Efeitos da simulação absoluta
A simulação importa a nulidade do negócio simulado (art. 240º/2 CC).
De acordo com o respectivo regime negocial, pode qualquer interessado invocar a nulidade e o Tribunal declará-la oficiosamente (art. 286º - 242º CC).
A simulação pode ser deduzida tanto por via de acção como por via de excepção. A lei não o diz expressamente a propósito da simulação, mas é óbvio que qualquer nulidade ou anulabilidade podem ser deduzidas por ambas as vias (art. 287º/2 CC).
Como todas as nulidade, a invalidade dos negócio simulados pode ser arguida a todo o tempo (art. 286º CC), quer o negócio não esteja cumprido quer tenha tido lugar o cumprimento.

198. Modalidade de simulação relativa
A simulação relativa manifesta-se em, espécies diversas consoante o elemento do negócio dissimulado a que se refere.
Podem ser, desde logo, simulados os sujeitos do negócio jurídico, mais frequentemente um apenas. É o que se verifica com a chamada interposição fictícia de pessoas.
Pode igualmente a simulação consistir, não na intervenção de um sujeito aparente, mas na supressão de um sujeito real.
A interposição fictícia de pessoas não se deve confundir com a interposição real. Na interposição fictícia há um conluio entre os dois sujeitos reais da operação e interposto. Este é um simples testa de ferro.
A simulação objectiva ou sobre o conteúdo do negócio pode ser:
a) Simulação sobre a natureza do objecto: se o negócio ostentivo ou simulado resulta de uma alteração do tipo negocial corresponde ao negócio dissimulado ou oculto.
b) Simulação de valor: incide sobre o “quantum” de prestações estipuladas entre as partes

199. Efeitos da simulação quanto aos negócios formais
Os problemas suscitados pela aplicação aos negócios formais da doutrina geral da simulação relativa (o negócio fictício ou simulado está ferido de nulidade, tal como a simulação absoluta), encontram sua resposta no art. 241º/2 CC.
Resulta do teor desta disposição que, se não se cumpriram, no negócio simulado, os requisitos de forma exigidos para o dissimulado, este será nulo por vício de forma, mesmo que se tenham observado as formalidades exigidas para o negócio aparente. O negócio simulado é nulo por simulação, o negócio dissimulado é nulo por vício de forma.
Os interessados no negócio dissimulado devem invoca-lo e devem prová-lo segundo o regime do Código Civil; e também não pode o Tribunal se for uma declaração de simulação absoluta, não pode este declarar uma simulação relativa (art. 238º CC)
O art. 242º/1 CC, dá legitimidade aos próprios simuladores, mesmo na simulação fraudulenta, faculdade de arguir a simulação. Se o contrato for nulo, a nulidade pode ser invocada por qualquer terceiro interessado (art. 286º CC).
A invocação da simulação pelos próprios simuladores ou terceiros (art. 243º/1 CC), diz que a anulabilidade proveniente da simulação não pode ser invocada perante terceiros de boa fé.

200. Inoponibilidade de simulação a terceiros de boa fé (art. 243º)
Tem sido suscitado um problema de Justiça principalmente no confronto das preferências legais.
Se houver violação do direito de preferência, o preferente pode através de uma acção própria (acção de preferência - art. 1410º CC), pode fazer se o negócio preferível.
Uma das simulações mais frequentes é a venda por um preço declarado por um valor mais baixo que o real para fuga ao fisco.
Os terceiros preferentes não podem evocar boa fé para optarem por um preço inferior ao real, porque isso equivaleria a enriquecimento estranho ao espírito do legislador.

201. Prova de simulação
A prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado por terceiros é livre, podendo ser feita por qualquer dos meios admitidos por lei: confissão, documentos, testemunhas, presunções etc., dado que lei não estabelece qualquer restrições.
Quanto à prova da simulação pelos princípios simuladores, a lei estabelece, quando o negócio simulado conste de documento autêntico ou particular, a importante restrição constante do art. 394º/2: não é admissível o recurso à prova testemunhal e, consequentemente, estão também excluídas as presunções judiciais (art. 351º CC).

202. Reserva Mental
O art. 244º/1 CC, define reserva mental: (1) emissão de uma declaração contrária à vontade real; (2) intuito de enganar o declaratário. Os efeitos desta figura são determinados pelo art. 244º/2 CC, onde se estatui a irrelevância da reserva mental, excepto se for conhecida do declaratário. Por consequência, a declaração negocial emitida pelo declarante, com a reserva, ocultada ao declaratário, de não querer o que declara, não é em princípio nula. Deixará, todavia de ser assim, sendo o negócio nulo, como na simulação, se o declaratário teve conhecimento da reserva, por desaparecerem então as razões que justificam aquele princípio geral. Se o declaratário conheceu a reserva, não há confiança que mereça tutela.
Não bastará para a relevância da reserva, a sua cognoscibilidade, sendo necessário o seu efectivo conhecimento.
A doutrina estabelecida vale mesmo que só por sua culpa o declaratário desconheça a reserva, por se entender que o dolo do declarante apaga a culpa da outra parte, e vale tanto para a chamada reserva inocente como para a reserva fraudulenta.
Mandando aplicar o regime da simulação à reserva conhecida do declaratário, a lei considerar nula a declaração (art. 240º/2 CC), permite que a nulidade seja arguida pelo próprio declarante em face do declaratário (art. 242º/1 CC), mas já não admite a sua oponibilidade pelo declarante a terceiros de boa fé (art. 243º/1 CC).

203. Declarações não sérias (art. 245º CC)
São declarações não sérias a jocosas (“causa ludendi”), cénicas ou didácticas. Nelas não há o intuito de enganar e há mesmo a expectativa do declarante de que não sejam tomadas a sério. Se faltam nestes requisitos, como no gracejo jocoso feitos para enganar, com a convicção de que o destinatário se convencerá da seriedade da declaração, a figura é a da reserva mental.
O disposto no art. 245º/2 CC, é somente aplicável quando, não obstante a expectativa do declarante, o declaratário acreditou na declaração e essa crença é justificável, dadas as circunstâncias em que o caso ocorreu. Três condições são portanto, necessárias para que o declarante seja obrigado a indemnizar a contraparte:
a) Que o declaratário tenha tomado a sério a declaração;
b) Que a convicção do declaratário tenha sido provocada pelas circunstâncias em que a declaração foi emitida;
c) Que seja justificado, compreensível, aceitável o erro em que o declaratário caiu.

204. Coacção física ou coacção absoluta ou ablativa
Na coacção física ou absoluta o coagido tem a liberdade de acção totalmente excluída, enquanto na coacção moral ou relativa está cerceada, mas não excluída.
O Código Civil prevê, sob a epígrafe “coacção física” (art. 246º), a hipótese de o declarante ser “coagido pela força física a emitir” a declaração (“agitur sed non agit”). Têm-se em vista as hipóteses em que o declarante é reduzido à condição de puro autómato (coacção absoluta) e não aquelas em que o emprego da força física não chega aos extremos da “vis absoluta”. A coacção física ou absoluta importa, nos termos do art. 246º, a ineficácia da declaração negocial.

205. Falta de consciência da declaração
A hipótese está referida no art. 246º: “se o declarante não tiver consciência de fazer uma declaração negocial”. Estatui-se que o negócio não produz qualquer efeitos, mesmo que a falta de consciência da declaração não seja conhecida ou cognoscível da declaratário. Trata-se dum caso de nulidade, salvo no hipótese de falta de vontade de acção em que parece estar-se, antes, perante um caso de verdadeira inexistência da declaração. Com efeito, quando falta a vontade de acção não há um comportamento consciente, voluntário, reflexo ou, na hipótese de coacção física, absolutamente forçado, embora exteriormente pareça estar-se perante uma declaração.

206. Erro
O legislador parte do erro da declaração (art. 247º), regime geral. Admite a validade do negócio no art. 248º, regula o erro de escrita ou de cálculo no art. 249º e o erro de transmissão na declaração no art. 250º. Depois o erro vício sobre a pessoa ou objecto (art. 251º), passa a erros sobre os motivos determinantes (art. 252º/1) e conclui com erro de base do negócio (art. 252º/2).

207. Erro na declaração ou erro-obstáculo
No erro-obstáculo, havendo embora uma divergência inconsciente entre a vontade e a declaração, há um comportamento declarativo do errante, nas declarações, sob o nome de outrem não há qualquer comportamento por parte do sujeito a quem a declaração é atribuída.
Da declaração sob o nome de outrem pode pretender que o negócio vincule o sujeito ao qual, aparentemente, diz respeito, mesmo que outra parte se não tenha apercebido da falsificação (art. 247º CC).
O negócio será, porém eficaz relativamente ao declarante aparente (“dominus negotti”) se este o quer aprovar, pois, se as vontades se encontram efectivamente “falsa demonstratio non nocet”.
A vontade formou-se correctamente, porém aquando da exteriorização houve uma falta de tal modo que a declaração não retracta a vontade. Para que haja relevância neste erro, a lei apenas exige:
• Essencialidade para o declarante do elemento sobre o elemento que recai o erro;
• Exige o conhecimento dessa essencialidade pelo declaratário ou o dever de o declaratário a conhecer.
Quando há desvio na vontade de acção (“lapsus linguae” ou “lapsus calami”; erro mecânico) ou desvio na vontade negocial (erro juiz). Nestas hipóteses o declarante tem a consciência de emitir uma declaração negocial, mas, por lapso da actividade ou por “error in judicando”, não se apercebe de que a declaração tem um conteúdo divergente da sua vontade real. Por esse motivo fala-se, para estes casos de “erro sobre o conteúdo da declaração”.
O princípio geral regulador destas hipóteses consta do art. 247º, exigindo-se para a anulação do negócio que “o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
A lei não exige, porém, o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro, admitindo a anulabilidade em termos excessivamente fáceis e gravosos para a confiança do declaratário e para a segurança do tráfico jurídico. Contenta-se com o conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, embora este conhecimento possa não ter suscitado ao declaratário qualquer suspeita ou dúvida acerca da correspondência entre vontade real e a declarada.
Certas hipóteses merecem tratamento especial, assim:
1. Se o declaratário se apercebeu do dissídio entre a vontade real e a declarada e conheceu a vontade real (art. 236º/2 CC). As razões que estão na base da doutrina da declaração – tutela da boa fé do declaratário – não colhem nesta hipótese;
2. Se o declaratário conheceu ou devia ter conhecido o erro, o regime aplicável continua a ser a anulabilidade e não a nulidade verdadeira e própria.
3. Se o declaratário aceitar o negócio como o declarante queria, a anulabilidade fundada em erro não procede (art. 248º CC). A validação do negócio, nesta hipótese, tem uma explicação análoga à da solução indicada em 1).
4. O erro de cálculo e o erro de escrita, ostensivamente relevados no contexto da declaração ou nas circunstâncias que a acompanham, não dão lugar à anulabilidade do negócio mas apenas à sua rectificação (art. 249º CC).

208. Erro na transmissão da declaração
Esta hipótese está prevista no art. 250º, que a regulamenta nos mesmos termos do erro-obstáculo. O erro na transmissão da declaração não tem portanto relevância autónoma desencadeará o efeito anulatório, apenas nos termos do art. 247º CC.
Estabelece-se uma excepção a este regime geral, no art. 250º/2, admitindo-se a anulação, sempre que o intermediário emita intencionalmente (com dolo) uma declaração diversa da vontade do “dominus negotti”. Compreende-se que o declarante suporte o risco de transmissão defeituosa, de uma deturpação ocorrida enquanto a declaração não chega à esfera de declaratário, uma adulteração dolosa deve, porém, considerar-se como extravasando o cálculo normal de risco a cargo do declarante.
Para que o erro seja relevante, exija-se sempre que o declaratário assuma a essência do motivo:
• Ou porque conhecia o motivo (art. 251º, 252º/2 CC);
• Ou porque havia de o conhecer (art. 251º, 252º/2 CC);
• Ou porque o declaratário reconheceu por acordo como declarante a essencialidade do motivo (art. 252º/1 CC).
Os requisitos, do erro relativo ao destinatário da declaração seja qual for a modalidade, tem sempre a intenção de acautelar o interesse do declaratário (na subsistência do negócio). Traduzem-se numa limitação da relevância invalidaste do erro protegendo essencialmente a confiança que ao declaratário razoavelmente podia merecer a declaração.
A declaração vale por si mesma sem ser dirigida ou levada por alguém, a razão de ser destes requisitos não se leva aos negócios jurídicos recepiendos. Só se põe aos negócios formais.

209. Erro sobre a base do negócio
Abrange o erro que incida sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio (quando se celebra certo negócio jurídico existem várias circunstâncias que determinam as partes a praticar ou a não praticar aquele acto concreto e ou a faze-lo com certo conteúdo), a base do negócio é constituída por aquelas circunstâncias (de facto e de direito) que sendo conhecidas de ambas as partes foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto, também determinam os termos concretos do conteúdo do negócio (art. 437º/1 CC).
Estas circunstâncias têm que ser contemporâneas do negócio ou são passadas, mas não podem ser futuras.
Este requisito do erro na fase do negócio como erro de vício de marca-o da sua posição. O erro da base do negócio pode ainda referir-se a quaisquer outras circunstâncias do acto que ainda sejam relevantes.
Da remissão do art. 252º/2 CC, resulta que o erro sobre a base do negócio é relevante desde que: (1) incida sobre circunstâncias (patentemente fundamentais) em que as partes fundaram a decisão de contratar; (2) desde que essas circunstâncias sejam comuns a ambas as partes; (3) desde que a manutenção do negócio tal como foi celebrado seja contrária à boa fé.
Se se considerar que o erro sobre a base do negócio é relevante no valor do negócio (há várias dificuldades de interpretação do art. 252º/2 CC); não se pode sustentar a aplicação imediata e directa dos arts. 437º e 439º CC. No erro sobre a base porque essa aplicação directa implicava a imediata razoabilidade do negócio, duas razões:
• Hipótese contemplada no art. 252º/2, é uma hipótese de um verdadeiro erro (vicio contemporâneo da vontade na formação do acto), a resolução é um instituo adequado à regulação ou regulamentação de problemas de vicissitudes, contrariedades surgidas durante a vida do acto – vício genérico do negócio, gera a invalidade.
• O erro sobre a base do negócio, é também um vício na formação da vontade, na falta de razões que sejam justificativas é razoável admitir uma solução que seja mais ajustada ao tratamento comum, aos vícios da formação da vontade, impõe a anulabilidade do negócio.
Deixam em aberto, tudo o mais que é remissão para os arts. 437º e 439º CC.
Se o erro for relevante na base do negócio ou é anulável ou é modificável (se as partes estiverem de acordo e pode ser pedido por qualquer das partes) devendo essa modificação ser feita sobre juízos de equidade.
Todo o negócio jurídico tem um conteúdo e um objecto. Conteúdo, é o conjunto de regras que pode ter celebrado um negócio têm aplicação sobre aquilo que as partes entenderam dispor. Do conteúdo deve-se distinguir o objecto, isto porque este não tem a ver com a regulação em si, tem a ver com o “quid” sobre que vai recair essa relação negocial propriamente dita (contrato de compra e venda). O conteúdo de qualquer negócio analisa-se em dois tipos de elementos:
• Elementos normativos: são aqueles que correspondem às regras que são aplicáveis para efeitos da lei. Dentro destes tem-se os injuntivos, fixados na lei; os supletivos, fixados na lei caso as partes não se pronunciarem sobre eles, mas que as partes tem liberdade de alterar.
• Elementos voluntários: tem a ver com as regras combinadas entre as partes. Aqui ainda se tem, os necessários, são aqueles factores que embora estejam da disponibilidade das partes têm de estar fixados no contrato; os eventuais, as partes só os incluem se as partes assim o quiserem.


VÍCIOS DA VONTADE

210. Vícios da vontade
Trata-se de perturbações do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo Direito, como ilegítimos. A vontade não se formulou de um “modo julgado normal e são”. São vícios da vontade:
- Erro;
- Dolo;
- Coacção
- Medo;
- Incapacidade acidental.
A consequência destes vícios traduz-se na invalidação do negócio, tendo para isso os vícios de revestir-se de certos requisitos. Quando esses vícios são relevantes, geram a anulabilidade do respectivo negócio.

211. Erro com o vício da vontade: noção
O erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio.
Tem as seguintes categorias:
a) Erro sobre a pessoa do declaratário: resulta do texto da lei respeitando ao facto de estar apenas em causa a pessoas do declaratário. Se se referir a outras pessoas declarantes já se aplica o art. 252º/1 CC. O erro pode referir-se à sua entidade, a qualquer qualidade jurídica ou que não concorra na pessoa do declaratário, quaisquer outras circunstâncias.
b) Erro sobre o objecto do negócio: deve aceitar-se que ele abrange o objecto material como jurídico (conteúdo), o erro aqui relevante quando relativo ao erro material reporta-se à entidade ou às qualidades objectivas (art. 251º -247º);
c) Erro sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (art. 252º CC).

212. Condições gerais do erro-vício como motivo de anulabilidade
É corrente na doutrina a afirmação de que só é relevante o erro essencial, isto é, aquele que levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído. O erro si causa da celebração do negócio e não apenas dos seus termos. O erro é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro objecto ou outro tipo ou com outra pessoa.
Já não relevaria o erro incidental isto é, aquele que influiu apenas nos termos do negócio, pois o errante sempre contraria embora noutras condições. O erro, para revelar, deve atingir os motivos determinantes da vontade (art. 251º e 252º CC).
O erro só é próprio quando incide sobre uma circunstância que não seja a verificação de qualquer elemento legal da validade do negócio.

213. Dolo: conceito
O dolo tem uma dupla concepção completamente distinta, pode ser:
- Uma sugestão ou artifício usados com o fim de enganar o autor da declaração (art. 253º/1 CC);
- A modalidade mais grave de culpa é a contraposta à mera culpa ou também negligência (art. 483º/1 CC).
Em Direito Civil, o que está em causa é a primeira acepção. O dolo dá lugar a uma espécie agravada de erro, porque o dolo é erro provocado.
A noção de dolo consta do art. 253º/1. Trata-se dum erro determinado por um certo comportamento da outra parte. Só existirá dolo, quando se verifique o emprego de qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou a consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração (dolo positivo ou comissivo), ou quando tenha lugar a dissimulação, pelo declaratário ou por terceiro, do erro do declarante (dolo negativo, omissivo ou de consciência).
A relevância do dolo depende da sistematização colhida pela doutrina e jurisprudência, depende de três factores:
1. Que o declarante esteja em erro;
2. Que o erro tenha sido causado ou tenha sido dissimulado pelo declaratário ou terceiros;
3. Que o declaratário ou terceiro haja recorrido a qualquer artifício, sugestão ou embuste.
Para Castro Mendes, “a relevância do dolo depende de uma dupla causalidade, é preciso que, primeiro, o dolo seja determinante do erro, e que esse erro (segundo) seja determinante do negócio”.

214. Modalidades
a) Dolo positivo e dolo negativo (art. 253º/1 CC);
b) “Dolus bonus” e “dolus malus”: só é relevante, como fundamento da anulabilidade, o “dolus malus”. A lei tolera a simples astucia, reputada legítima pelas concepções imperantes num certo sector negocial. A lei declara não constituírem dolo ilícito sendo, portanto, “dolus bonus”, as sugestões ou artifícios usuais, considerandos legítimos, segundo as concepções dominantes no comércio jurídico (art. 253º/2 CC);
c) Dolo inocente, há mero intuito enganatório, dolo fraudulento, há o intuito ou a consciência de prejudicar.
d) Dolo proveniente do declaratário e dolo proveniente de terceiro: para a relevância do dolo de terceiro, são exigidas certas condições suplementares que devem acrescer às do dolo de declaratário e o seu efeito é mais restrito. Existirá, não apenas dolo de terceiro, mas também dolo do declaratário, se este for cúmplice daquele, conhecer ou dever conhecer a actuação de terceiros (art. 254º/2 CC).
e) Dolo essencial ou determinante, o enganado (“deceptus”) foi induzido pelo dolo a concluir o negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído, sem dolo não se teria concluído qualquer negócio; dolo incidental, “deceptus” apenas foi influenciado, quanto aos termos do negócio, pois sempre, contrataria, embora noutras condições.

215. Condições de relevância do dolo como motivo de anulação
O principal efeito do dolo é a anulabilidade do negócio (art. 254º/1 CC), mas acresce a responsabilidade pré-negocial do autor do dolo (decpetor), por ter dado origem à invalidade, com o seu comportamento contrário às regras da boa fé, durante os preliminares e a formação do negócio (art. 277º). A responsabilidade do autor do dolo é uma responsabilidade pelo dano da confiança ou interesse contratual negativo. Em suma: o “deceptus” tem o direito de repristinação da situação anterior ao negócio e à cobertura dos danos que sofreu por ter confiado no negócio e não teria sofrido sem essa confiança. Ao invés, não pode pretender ser colocado na situação em que estaria se fossem verdadeiros os factos fingidos perante ele.

216. Erro qualificado (por dolo)
Se o erro for simples, o negócio só é anulável, se o erro recair sobre um elemento essencial do negócio, e também é anulável se o declaratário conhecer ou dever conhecer essa essencialidade. Erro qualificado por dolo, a anulabilidade pode surgir se ela for determinante da vontade.
Se se tratar um quadro comparativo do caso do erro simples e do erro qualificado pode-se dizer que há uma maior anulação do negócio quando á dolo. Os requisitos de relevância do erro qualificado (dolo) são menos exigentes que o erro simples.
Diz-se quando é provocado por dolo relevante (art. 253º/1 CC):
• A conduta dolosa deve provir de declaratário ou de terceiro (art. 253º/1 CC), embora o regime do dolo não é diferente da pessoa do autor do dolo;
• O autor do dolo é o decpetor, o contraente – enganado – o decepto.
A noção de dolo contida no art. 253º, é muito ampla, mas à a destacar as diversas formas em que o dolo se apresenta. Compreende:
1. Condutas positivas intencionais, que sobre qualquer forma de artifício ou sugestão visem um dos seguintes fins:
a) Fazer cair alguém em erro;
b) Manter o erro em alguém que se encontre;
c) O encobrir o erro em que alguém se encontre.
2. Condutas positivas não intencionais, com as características e os fins mencionados atrás, desde que o decpetor tenha a consciência que através delas está a prosseguir esses fins.
3. Condutas omissivas que constituam em não esclarecer o declarante do seu erro.

217. A coacção: conceito
Consta do art. 255º/1, e consiste no “receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração”. É, portanto, a perturbação da vontade, traduzida no medo resultante de ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com o intuito de extorquir a declaração negocial.
Só há vício da vontade, quando a liberdade do coacto não foi totalmente excluída, quando lhe foram deixadas possibilidade de escolha, embora a submissão á ameaça fosse a única escolha normal.
Só se cairá no âmbito da coacção física (absoluta ou ablativa), quando a liberdade exterior do coacto é totalmente excluída e este é utilizado como puro autómato ou instrumento.
A coacção moral origina a anulabilidade do negócio (art. 256º CC) e dá lugar igualmente á responsabilidade pré-negocial do coactor (art. 227º CC). Verifica-se a anulabilidade, e não a nulidade, mesmo que o coacto tenha procedido com reserva mental, ao emitir a declaração.
São necessários três elementos, cumulativamente, para que exista coacção moral:
1. Ameaça de um mal, todo o comando do coactor que consta em desencadear o mal ou consiste no mal já iniciado. Este mal pode respeitar á pessoa do coagido (há sua honra) e ao seu património, pode ainda haver ameaça relevante se respeitar à pessoa, património deste ou de terceiro.
2. Ilicitude da ameaça, a existência deste requisito vem duplamente estabelecida na lei (art. 255º/1 e 255º/3 CC), se a ameaça se traduz na prática de um acto ilícito, está-se perante coacção, constitui coacção, o exercício normal do direito (n.º 3).
3. Intencionalidade da ameaça, consiste em o coactor com a ameaça tem em vista obter do coagido a declaração negocial (art. 255º/1 CC), esta ameaça deve ser cominatória, este requisito da intencionalidade falta de o coagido emitir outra declaração que não aquela que a ameaça se dirigia.
Para que exista moral relevante (coacção anulatória do negócio) é necessário dos elementos referidos:
- Requisitos da casualidade ou essencialidade, dupla casualidade, medo, este provocado por coacção moral e esta casualidade apresenta-se num duplo plano, é necessário que o medo resulte da ameaça do mal e por outro lado, o medo causado pela ameaça há-de ser a causa da declaração.
- Não é requisito de relevância da coacção a existência de prejuízo para o coagido.
- No regime de relevância deste vício há que distinguir se a coacção vem do declaratário ou de terceiro (art. 256º CC, à contrario).
A coacção constitui um acto ilícito, geral tal como o dolo.

218. Temor reverencial (art. 255º/3 CC)
Consiste no receito de desagradar a certa pessoa de quem se é psicológica, social ou economicamente dependente.
Pretende afastá-lo como causa relevante do medo, tendo como consequência que o acto praticado por temor reverencial, tem por fonte um dever, que é a contrapartida de um poder funcional. O temor reverencial é irrelevante porque não haveria nunca ameaça ilícita, porque a conduta do pertenço coactor, mais não é o exercício normal desse poder. Deixará de haver simples temor reverencial se exceder no exercício do poder que lhe é atribuído.

219. Medo
O que está em causa é a própria liberdade de libertação do declarante que fica afectada.
Consiste na intervenção, no processo de formação da vontade de um factor (que é uma precisão), faz com que o declarante queira algo que de outro modo não queria.
Não há uma exclusão da vontade, mas há uma vontade formada de modo viciado. Em sentido jurídico do termo, pode-se dizer que quem age condicionado por medo, quer ter aquela conduta que adoptou, mas que essa pessoa não queria esse tipo de conduta se não fosse o receio de que contra o declarante viesse a surgir um mal se ele não agisse daquela maneira.
“Coactus tamén voluit” (o coagir também quer). Esta construção jurídica do medo é menos nítida que no erro, porque há situações em que não se pode excluir que com essa situação de medo não estar também uma certa reserva mental.
No caso do medo. Só faz sentido se ele resultar de coacção moral, o declarante finge querer o negócio para fazer cessar a violência ou para impedir ou cessar a ameaça de algo que ele realmente não quer.
No medo, há sempre a previsão de um dano que provém da consequência de um mal que ameaça o declarante emitindo uma declaração para impedir que o dano se concretize.
Como consequência, a sua vontade está viciada, porque ele não agiu livremente, mas dominado por aquela previsão de dano. Este medo não é uma emoção psicológica, mas verifica-se o medo quando o agente pondera o risco da ameaça do mal.
O medo consiste na previsão de danos emergentes de um mal que impende sobre o declarante por virtude da qual ele emite certa declaração negocial que noutras circunstâncias não queria, causas:
• Pode advir de uma situação criada por acto humano;
• Causas que têm origem pela própria força da natureza.

220. Incapacidade Acidental
A hipótese está prevista no art. 257º CC, onde se prescreve a anulabilidade, desde que se verifique o requisito (além da incapacidade acidental) destinado à tutela da confiança do declaratário a notoriedade ou o conhecimento da perturbação psíquica.
Para se conseguir a anulação de uma declaração negocial, com base neste preceito é necessário:
a) Que o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por anomalia psíquica, ou por qualquer outra causa em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o entendimento do acto que praticou ou o livre exercício da sua vontade.
b) Que esse estado psíquico era notório ou conhecido do declaratário.

221. Estado de Necessidade
Situação de receio ou temor gerada por um grave perigo que determinará o necessitado a celebrar um negócio para superar o perigo em que se encontra.
A hipótese dos negócios em estado de necessitado deve subsumir-se na previsão do art. 282º, onde se estatui a anulabilidade dos chamados negócios usurários. Devem verificar-se os requisitos objectivos: benefícios excessivos ou injustificativos, tem de haver uma desproporção manifesta entre as prestações.
Devem igualmente, verificar-se requisitos subjectivos, a saber:
1. Exploração de situações tipificadas, que não é excluída pelo facto de a iniciativa do negócio provir do lesado;
2. Uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter.
A anulabilidade, prescrita no art. 282º, pode porém, a requerimento do necessitado ou na parte contrária, ser substituída (art. 283º CC) pela notificação do negócio, segundo juízos de equidade (redutibilidade).

CONTEÚDO DO NEGÓCIO JURÍDICO

222. Conteúdo do negócio jurídico
É o conjunto de efeitos jurídicos que são objecto da própria vontade dos contraentes.
Dentro dos negócios jurídicos têm-se os tipos de negócios em sentido estrito, corresponde ao conjunto dos elementos normativos e voluntários necessários. Deve-se distinguir ainda as cláusulas típicas, correspondem a certos dispositivos que o Direito trata expressamente e que ficaria à disposição das partes que queiram remeter para esses dispositivos (condição termo, sinal).
São geridos pelo princípio da autonomia privada, quanto à relevância da vontade na formação do conteúdo do contrato, manifestando-se sobre dois aspectos fundamentais:
- A liberdade de celebração, que se desdobra:
• Liberdade de celebração;
• Liberdade de não celebração.
- A liberdade de estipulação.
No entanto este princípio sofre restrições que podem ter origem convencional ou legal. Se a limitação é convencional (ou contratual) tem uma natureza obrigacional. Em regra, as limitações obrigacionais circunscrevem-se aos bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.
A obrigação convencional de contratar, consiste numa obrigação de contratar, por efeito de um pacto obrigacional existente. A obrigação legal de contratar, consiste numa obrigação imposta por lei, de celebração de um determinado contrato ou determinado tipo de contratos, dispondo, nesses casos, em regra, também sobre o conteúdo essencial dos contratos cuja conclusão impõe.
A liberdade de selecção do tipo legal envolve vários aspectos:
• A liberdade de escolha do negócio;
• A liberdade de celebrar contratos inominados;
• A liberdade de reunir no mesmo negócio elementos vários de mais de um negócio.

223. Papel da lei na formação dos contratos
Quando a eficácia do negócio se esgota essencialmente no acto de celebração, tudo se passa como se os efeitos se produzissem e cessassem imediatamente. Quando a eficácia perdura no tempo não só o sentido da celebração do contrato pode surgir outros efeitos, pode surgir a modificação do contrato.
Quando se fala de eficácia do negócio jurídico, tem de se falar em três momentos:
• O momento da produção dos efeitos;
• O momento da modificação dos efeitos;
• O momento da cessação dos efeitos.
O Código Civil, não regulou estas matérias na parte geral, só quando se ocupou dos contratos, aí é que se pode encontrar preceitos relacionados com esta matéria.

224. Produção de efeitos
Consiste na actuação em cada caso concreto das consequências jurídicas estatuídas pela norma, e desencadeadas por um acto praticado pelas partes, preenchendo uma certa previsão normativa (ex. art. 879º CC).
• Quanto ao como (se produz efeitos)?
A produção dos efeitos, consiste na mudança de titularidade do correspondente de direito.
• Quando é que o efeito se produz?
Em termos gerais esse efeito produz logo que A, e B, preencher os requisitos de compra e venda, produz o efeito da titularidade.
O direito de transferência de A, para B, não é um efeito autónomo, é uma realidade dinâmica porque se liga uma situação jurídica anterior ao negócio para uma posterior ao negócio.
Há alguns casos em que os efeitos do negócio não se produzem instantaneamente, produzem em momentos diversos. Cada tipo negocial tem as suas modalidades de produção de efeitos. Têm efeitos principais e também efeitos secundários ou laterais.
Os efeitos que o negócio jurídico produz mas não se sabe qual a extensão desses efeitos (a oponibilidade dos efeitos negociais) o que interessa ao direito são os efeitos reais ou obrigacionais.

224. Relações obrigacionais
Há um importante preceito no Código Civil, situado no campo dos contratos (art. 406º/2 CC, à contrario sensu) o contrato em princípio só produz efeitos entre as partes. Este preceito resulta, que o negócio não é invocável perante terceiros, só quando a lei o proteja e nos precisos termos que faça, é que o negócio produz efeitos para terceiros.
As relações entre as partes acabam por se projectar sobre terceiros, no entanto há uma diferença muito importante entre a eficácia externa dos direitos de crédito e o carácter absoluto dos direitos reais. Nos dois casos haja a possibilidade de identificar uma reserva do sistema jurídico que diz respeito a todos os cidadãos e a que todos devem respeitar essa relação. No que toca aos direitos reais tem que se assinalar algo mais.
Todos nós, por imposição do sistema jurídico temos que respeitar o negócio feito nos direitos reais, à ainda o direito universal de respeitar o bem, é oponível “erga omnes”.
A regra que prevalece é a prevalência “erga omnes” – regra da oponibilidade imediata.
O art. 408º/1 CC, esta eficácia dá-se por mero efeito do contrato para que haja uma total oponibilidade no sistema jurídico português, o efeito normal do registo, traduz-se na inoponibilidade do sujeito à inscrição registral em relação a terceiros, os efeitos entre as partes produzem-se mas a eficácia externa do negócio fica afectada.

225. Modificação dos efeitos do negócio
Identificar as alterações das consequências do direito que o negócio estava a produzir ou estava apto a produzir.
Em relação aos negócios de continuação, os efeitos podem ser alterados (art. 406º/1 CC), só podem modificar-se nos termos da lei ou por acordo dos contraentes.
Só a lei e a vontade dos contraentes pode modificar os efeitos do contrato. A modificação, resulta da vontade das partes. Quando a modificação opera “ope legis”, a norma jurídica fornece o significado da modificação. A modificação por alteração das circunstâncias é a mais complexa, durante a eficácia do negócio pode haver alteração nas circunstâncias, duas hipóteses:
- Pode assumir uma gravidade tal, que a alteração se venha a traduzir numa impossibilidade superveniente;
- Quando as alterações não foram previsíveis nem estavam previstas e ultrapassam a área de risco.
As alterações podem criar uma excessiva onerosidade para uma das partes, de tal modo que o negócio se mostra desconforme com os princípios jurídicos, tem de haver um tratamento diferente nos sistemas jurídico-teórico da imprevisão.
Princípio do cumprimento pontual dos contratos, só é afastado de impossibilidade absoluta de atingir o seu fim, esse princípio parece que imporia à parte lesada a necessidade de cumprir a obrigação mesmo que tivesse ocorrido uma profunda alteração das circunstâncias. (teoria da base do negócio - art. 437º e segs. CC).
É necessário que tenha havido uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes basearam a decisão de contratar (alteração anormal, quando dela resulte um agravamento da obrigação de uma das partes que não esteja coberto pelo risco anormal do negócio e que tome o agravamento, a exigência dessa obrigação contrária à boa fé). À parte lesada é reconhecido o direito de resolver o contrato, ou modificação sobe juízos de equidade.

226. Cessação
A cessação pode resultar de factos estranhos ao negócio (anormal), esta cessação anormal, correctamente chama-se resolução, ou também pode haver cessação porque houve uma ineficácia superveniente do negócio. Três teorias de cessação anormal:
- Resolução do contrato;
- A revogação dos efeitos do contrato;
- Caducidade.

227. Resolução
O Código Civil, usa-a para classificar os efeitos anormais do negócio, de comum a todas as circunstâncias de ineficácia, não resulta um vício que afecta o negócio mas da verificação de um facto superveniente que veio iludir as expectativas que uma das partes deposita nesse contrato. Pode assumir uma natureza variada e pode resultar de fontes distintas (duas):
• Fonte legal, o suporte legal no art. 432º/1 CC, alterações das circunstâncias que constituem a base do negócio;
• Fonte convencional – resolução convencional.
O regime geral da resolução do negócio jurídico (art. 433º CC), aproxima-se um pouco do instituto da invalidade, mas desde logo à diferenças:
• A resolução pode fazer-se por declaração à outra parte (art. 436º CC);
• A resolução só tem em princípio eficácia retroactiva entre as partes (arts. 434º/1 e 435º/1 CC), no entanto, mesmo entre as partes a eficácia retroactiva da resolução não se verifica se isso contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (art. 434º/1 - parte final). Por outro lado os negócios de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre as prestações e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas (art. 434º/2 CC).
• A resolução afecta mesmo os direitos de terceiros, se o negócio tiver por objecto bem imóveis ou bens móveis sujeitos a registo (art. 435º/2 CC).

228. Revogação
Caracteriza-se com a cessação dos efeitos do negócio por acto de uma das partes. Só pode ter lugar nos casos previstos na lei, porque se assim não for, está-se a afastar o princípio do cumprimento pontual dos contratos (art. 406º/1 CC). A revogação unilateral, pode ser livre ou vinculativa:
- Na livre: a lei deixa uma das partes, a liberdade destruir o acto sem a necessidade de invocar qualquer fundamento.
- Na vinculativa: só é possível quando ocorrem certas circunstâncias prescritas na lei.
A revogação opera sempre para o futuro (“ex. nunc”), não tem eficácia retroactiva. Pode ter efeitos “ex tunc” se as partes acordarem, mas não em relação a terceiros.

229. Caducidade
Verifica-se quando há cessação dos efeitos do negócio “ope legis”, em consequência da verificação de um facto “sirito sensu”, sem necessidade de qualquer manifestação da vontade das partes tendentes a esse resultado (preenchimento de um termo).

230. Condição
Cláusula contratual típica que vem subordinada à eficácia de uma declaração de vontade a um acontecimento futuro e incerto (art. 270º CC).
A cláusula condicional é um elemento acidental, susceptível de se inserido na generalidade dos negócio, por força do princípio da liberdade contratual (art. 405º CC).
Certos negócios são porém incondicionáveis, por razões ligadas ao teor qualitativo (pessoa) dos interesses respectivos ou por motivos de certeza e segurança jurídica.

231. Classificação das condições
• Condição suspensiva, verifica-se quando o negócio só produz efeitos após a eventual verificação do evento, condição resolutiva, sempre que o negócio deixe de produzir efeitos, após a eventual verificação do evento em causa.
• Condições potestativas, casuais e mistas, o critério é o da natureza do evento condicionante, segundo a sua causa produtiva, isto é, segundo o evento condicionante procede a vontade de uma das partes ou consiste num acontecimento natural ou de terceiro ou é de carácter misto. A condição potestativa pode ser, arbitrária, se o evento condicionante é um puro querer ou um facto completamente insignificante ou frívolo, é não arbitrária, só o evento condicionante não é um puro querer, mas um facto de certa seriedade ou gravidade em fazer aos interesses em causa.
• Condição positiva, o evento condicionante, traduz-se na alteração dum estado de coisas anteriores; na condição negativa, o facto condicionante consiste na não alteração duma situação preexistente.
A condição distingue-se de outras figuras como o termo porque este traduz um evento futuro e certo quanto á sua ocorrência. Também se distingue do modo porque este é próprio dos negócios gratuitos e além disso implica uma actuação do beneficiário.
No negócio em que se estabelece uma condição não se pode dizer que há uma vontade de certo efeito e depois que houve nova vontade de subordinar esse efeito a um certo acontecimento. O que resulta é que todo o conteúdo do negócio jurídico fica tocado por igual, pela condição e obviamente isso tem reflexos no regime, nomeadamente, se acontecer a invalidade da condição, isso acarreta a invalidade de todo o negócio. Há casos em que a condição não é possível, a condição tem de ser lícita (art. 271º CC).
A regra do art. 271º CC, tem excepções porque em certos casos em vez de determinar a nulidade, determina a nulidade apenas da condição acontecendo isto nos casos pessoas ou familiares no domínio do casamento (art. 1618º CC) e da perfilhação (art. 1852º/2 CC). A pendência da condição cessa pela verificação (ou não) da condição (art. 275º/1 CC).
Quando se verificar a condição os seus efeitos da condição retroagem-se à data da conclusão do negócio, sendo a condição resolutiva, o negócio tornar-se-ia como não celebrado, e sendo a condição suspensiva o negócio tornar-se-ia plenamente celebrado “ab inicio” (art. 276º CC).
Segundo o art. 274º CC, não são possíveis actos dispositivos de certas posições que estão condicionadas. Se isso acontecer o adquirente fica só equiparado a possuidor de boa fé, o art. 277º CC, retira da retroactividade os seguintes pontos:
• Os contratos de execução continuada e periódica (n.º 1);
• Os actos de administração ordinária (n.º 2);
• A natureza de boa fé à posse do titular que lhe confere direitos aos frutos (n.º 3).

232. Termo (art. 278º CC)
Cláusula acessória típica pela qual a existência ou a exercitabilidade dos efeitos de um negócio são postas na dependência de um acontecimento futuro mas certo, de tal modo que os efeitos só começam ou se tornam exercitáveis a partir de certo momento (termo suspensivo ou inicial) ou começam desde logo, mas cessam a partir de certo momento (termo resolutivo ou final).

233. Modalidades
• Termo certo, quando se sabe antecipadamente o momento exacto em que se verificará, incerto, quando esse momento é desconhecido. Chama-se prazo, ao período de tempo que decorre entre a realização do negócio e a ocorrência do termo, embora se possam atribuir outros sentidos àquela expressão.
• Termo expresso ou próprio, o termo, cláusula acessória do negócio jurídico, existe por vontade das partes, são estas que decidem sobre a oponibilidade de termo nos negócios que efectuam. Pode acontecer porém, que o termo exista, não por vontade das partes, mas por disposição da lei – termo legal. Deparar-se-á então o termo tácito ou impróprio.
• Termo essencial, quando a prestação deve ser efectuada até à data estipulada pelas partes (termo próprio) ou até um certo momento, tendo em conta a natureza do negócio e/ou a lei (termo impróprio). Ultrapassada essa data, o não cumprimento é equiparado á impossibilidade da prestação (art. 801º e segs. CC); termo não essencial, depois de ultrapassado não acarreta logo a impossibilidade da prestação, apenas gerando uma situação demora do devedor (arts. 804º e segs. CC).

234. Cômputo do termo
As partes podem fixar um momento claro e preciso para o termo na contagem de qualquer prazo, não se inclui nem o dia nem a hora em que ocorreu o acontecimento ou evento a partir do qual o prazo comece a correr. As regras do art. 279º CC, são regras de interpretação e integração.

235. Modo
Cláusula acessória típica, pela qual, nas doações e liberdade testamentária, o disponente impõe ao beneficiário da liberdade um encargo, isto é, obrigação de adoptar um certo comportamento no interesse do disponente, de terceiro ou do próprio beneficiário (arts. 963º, 2244º CC).

236. Sinal
Consiste na entrega a uma parte de uma coisa ou quantia. Se o contrato for cumprido é imputado no cumprimento, se não for imputado é restituído. Se não houver cumprimento:
- Se for pela parte que recebeu o sinal tem de restituir o sinal em dobro;
- Se for causada por quem o deu perde o respectivo sinal (art. 440º CC).